Opinião

O pedido de suspensão e a inauguração da competência de STF e STJ

Autor

  • José Henrique Mouta Araújo

    é pós-doutor (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) doutor e mestre (Universidade Federal do Pará) professor do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) e do Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) procurador do estado do Pará e advogado.

14 de maio de 2021, 12h08

O pedido de suspensão é importante instrumento utilizado com o objetivo de obstar o início ou a continuidade de eficácia de tutela provisória, sentença, decisão monocrática ou mesmo acórdão, desde que a situação concreta se enquadre em um dos permissivos previstos nas leis de regência.

Utiliza-se a denominação "pedido de suspensão" com algumas diferenças procedimentais quando manejado em mandado de segurança (artigo 15, da Lei 12016/09) e nas situações previstas no artigo 4º da Lei 8.437/92. Aliás, esse incidente processual também tem previsão nos artigos 12, § 1º, da Lei 7.347/85, 25 da Lei 8038/90, 1º da Lei 9.494/97 e 16 da Lei 9.507/97, bem como nos regimentos internos do STJ e do STF.

Além da demonstração dos requisitos legais (manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas), é extremamente importante analisar qual a autoridade competente no âmbito do sistema de Justiça para a sua apreciação, o que deve ser feito levando em conta: a) quem concedeu a ordem judicial; b) a existência de eventual efeito substitutivo recursal; c) a matéria de fundo ser constitucional ou infraconstitucional.

Neste texto, serão enfrentadas as hipóteses em que o pedido deve ser formulado diretamente à presidência do STJ ou do STF, em razão da inauguração da competência dos tribunais superiores. 

Destarte, existem situações concretas em que a ordem judicial, unipessoal ou colegiada, é oriunda de desembargador de Tribunal de Justiça ou Regional Federal, em agravo de instrumento, apelação ou ação originária (mandado de segurança, ação rescisória, ação direta de inconstitucionalidade etc.), desafiando a análise da competência para o pedido de suspensão, desde que atendidos os requisitos legais.

Outrossim, os presidentes destes tribunais podem indeferir o primeiro incidente, ou pode ser provido o agravo interno, pelo órgão colegiado, manejado em face do pronunciamento judicial que o acolheu, com o restabelecimento dos efeitos da decisão suspensa, provocando a análise quanto ao cabimento de novo pedido de suspensão (pedido de suspensão derivado — artigo 4º, §4º, da Lei 8.437/92 e artigo 15, §1º, da Lei 12.016/92).

Em todas essas situações, a competência para o pedido de suspensão (originário ou derivado) é da presidência do tribunal superior, dependendo da matéria que está sendo discutida, sob pena de cabimento de reclamação (artigo 988, II, § 5º, I e II, do CPC/15) [1].

Nesse fulgor, é cabível a provocação da presidência do STF quando houver matéria constitucional na demanda originária (STF- Rcl nº 1.906/PR, Tribunal Pleno, relator ministro Marco Aurélio, DJ de 11/4/03; Rcl nº 10.435-AgR/MA, Tribunal Pleno, relator ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 24/8/15), ficando a presidência do STJ competente para o incidente baseado em argumento infraconstitucional [2], estando a decisão presidencial sujeita a agravo regimental (artigo 25, §2º, da Lei 8.038/90).

O STF, em diversos julgados, vem reconhecendo sua competência para apreciar a suspensão manejada contra decisões liminares proferidas por desembargadores dos Tribunais Estaduais e Regionais Federais (STF — STP 78 — relator ministro Dias Toffoli; SS 5280 — relator ministro Dias Toffoli [3]), o que está em consonância com o previsto no Regimento Interno da corte (artigo 297).

No AgRg na Suspensão de Segurança 4265/SP (relator ministro Cezar Peluso — presidente — J. em 9/12/2010 — Tribunal Pleno — DJ 10/2/2011), restou claro que a liminar concedida em recurso junto ao tribunal local inaugura a competência do Pretório Excelso em caso de matéria constitucional. Vale citar parte da ementa:

"1. Suspensão de segurança. Liminar deferida em agravo de instrumento. Necessidade de exaurimento de instância. Inexigibilidade. Agravo regimental improvido. Liminar concedida em agravo de instrumento inaugura competência do presidente do Supremo Tribunal Federal para julgamento de suspensão de segurança relativa às questões constitucionais".

Importante observar que, se o caso concreto desafiar matéria constitucional e infraconstitucional, a competência do STF deve prevalecer. Vale citar a seguinte passagem:

"1. Havendo concorrência de matéria constitucional e infraconstitucional, prevalece a competência da Presidência do Supremo Tribunal Federal para a apreciação do pedido de suspensão" (AgInt na SS n. 3.085/PI, relator ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe de 27/9/2019).

Ainda no tema, em decisão publicada no último dia 7, o presidente do STJ declarou-se incompetente para apreciar a SS 3306/SP, tendo em vista "os contornos de caráter constitucional que envolvem a demanda".

De outra banda, como já mencionado, além das hipóteses de decisões oriundas de recursos e ações originárias dos tribunais locais, ainda existem as situações envolvendo o denominado novo pedido de suspensão, também de competência das cortes superiores.

Assim, caso ocorra o indeferimento do pedido de suspensão formulado especificamente em mandado de segurança, desde logo é admissível novo incidente, diretamente a um dos tribunais superiores [4]. Não é necessário o manejo de agravo interno como requisito para atender ao requisito do exaurimento da instância ordinária nos casos de mandado de segurança (artigo 15, §1º, da Lei 12.016/09), ao contrário do indicativo previsto para os pedidos de suspensão fundados na Lei 8.437/92 (artigo 4º, §§3º e 4º) [5].

Sob esse aspecto formal, é importante aduzir que, apesar da exigência do prévio agravo interno nos casos dos pedidos formulados com fundamento na Lei 8.437/92, a Corte da Cidadania já admitiu o manejo do incidente logo após a apreciação da presidência do tribunal local [6]. Nos EDcl no AgRg no AgRg na SL Nº 26/DF (relator ministro Barros Monteiro — relator para acórdão ministro Nilson Naves — J. em 6/12/2006 — DJ 2/4/2007 p. 206), após vários debates e julgamento por maioria, a Corte Especial entendeu que:

"Suspensão de liminar ajuizada diretamente no Superior Tribunal. Afirmação da competência. Agravo de instrumento interposto na origem. Efeito ativo concedido pelo Relator. Antecipação de tutela restabelecida. 1) Por estar aberta a competência do Superior Tribunal, nele é viável o pedido de suspensão de liminar concedida pelo Relator em agravo de instrumento, mesmo que ainda não apreciado pelo colegiado de origem ou, no caso de interposto agravo interno, pendente de julgamento. 2) Em hipóteses tais, também a fim de se garantir a efetividade da tutela urgente buscada pela pessoa jurídica de direito público, é desnecessário o esgotamento da instância ordinária para que o ente público ajuíze aqui pedido visando à suspensão de decisão que repute causadora de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas. 3) Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, que foi provido com o propósito de se reconhecer a competência do Superior Tribunal para apreciar o pedido de suspensão e de se devolverem os autos à presidência a fim de que decida o pedido".

Interessante observar que esse novo pedido de suspensão contra a decisão que não acatou o primeiro, a ser dirigido ao tribunal superior, não deve ser simples repetição do primeiro, sendo necessária fundamentação específica e impugnação das razões do indeferimento anterior [7].

Com efeito, contra as decisões negativas de suspensão ou mesmo as que acolhem o agravo interposto pelo prejudicado pelo pronunciamento da presidência do tribunal, em tese estariam sujeitas aos recursos especial e extraordinário que não possuem efeito suspensivo legal [8]. De tal sorte, a apresentação do novo pedido de suspensão acaba por abreviar o acesso ao tribunal superior, com a demonstração de desacerto no indeferimento do primeiro pedido.

Uma derradeira indagação deve ser respondida: caso ocorra o deferimento do pedido de suspensão pela Presidência do TJ ou TRF, é cabível pedido de suspensão ao Tribunal Superior por outro legitimado visando suspender o controle positivo que já foi feito por autoridade local? Entendo que não é cabível pedido de suspensão visando o controle de decisão em pedido de suspensão em tramitação junto a tribunal local, tendo em vista que o controle político/jurídico/administrativo positivo já ocorreu.

A legislação de regência não consagra o cabimento de pedido de suspensão para controlar decisão positiva oriunda de pedido de suspensão apreciado pela autoridade local competente. Na Petição nº 2.488/PE, o STF entendeu que: "A ordem jurídica não contempla pleito de afastamento, perante esta Corte, de ato processual que, no Tribunal de origem, haja implicado suspensão de liminar" (relator ministro Marco Aurélio, DJ de 6/9/2002).

Já a Corte Especial do STJ, ao julgar o AgRg na SLS nº 848/BA, decidiu que:

"A presente suspensão de liminar é contra o juízo positivo já emanado pela Presidência do Tribunal competente, o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. O juízo próprio da suspensão já foi exercido e os dispositivos legais de regência não autorizam o manejo de suspensão de liminar contra decisão monocrática de suspensão de liminar. 3 – Não há previsão legal para pedido de suspensão da suspensão" (Relator para acórdão o ministro Fernando Gonçalves, DJe de 22/9/2008).

Em outro precedente mais recente, a Corte Especial do STJ consignou que:

"Suspensão de liminar. Tribunal de origem. Efetivação da medida. Parte ex adversa. Inconformismo. Novo pedido. Suspensão de liminar. Superior Tribunal de Justiça. Impossibilidade. I – A c. Corte Especial deste e. Superior Tribunal de Justiça já entendeu ser inadmissível o pedido de suspensão formulado contra suspensão já deferida em segundo grau. II – O competente juízo para a via suspensiva já foi exercido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas quando do deferimento do pedido de suspensão lá requerido pela ora agravada. III – 'Não há previsão legal para pedido de suspensão da suspensão'. (AgRg na SLS 848/BA, Corte Especial, relator ministro Humberto Gomes de Barros, relator p/ acórdão ministro Fernando Gonçalves, DJe 22/09/2008). Agravo regimental desprovido" (AgRg na SLS nº 1.667/AM, relator o ministro Felix Fischer, DJe de 31/1/2013).

Estão as observações necessárias em relação às múltiplas variáveis acerca do pedido de suspensão e a inauguração da competência do STJ e STF.

 

[1] Ver, no STJ: AgRg na Rcl 4.407/CE, relator ministro João Otávio de Noronha (DJe 3/3/2011) e Rcl 038938 — relator ministro João Otávio de Noronha (DJ 27/11/2019). No STF: SS n. 2.996/SP-AgR, relator ministro Ellen Gracie, Tribunal Pleno (DJe de 25/4/2008).

[2] O artigo 25 da Lei 8.038/90 enfrenta a competência para a apreciação do SS, deixando claro que: "salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, compete ao presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador — Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos tribunais regionais federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal".

[3] "Ante o exposto, defiro o presente pedido de contra-cautela para suspender os efeitos da decisão no Mandado de Segurança nº 0608312-37.2014.8.04.0001, em trâmite no Tribunal de Justiça do Estado de Amazonas, até o trânsito em julgado".

[4] No STF existem precedentes consagrando que não é necessário o exaurimento de instância para a apresentação deste incidente diretamente no Tribunal Constitucional (SS 2491/PE, STA 35/RS e SL 112/AgR/TO). Como resta demonstrado no item 1 da SS 2996 AgR / SP (relator Min Ellen Gracie — presidente — J. em 10/03/2008 — DJ de 25.04.2008 – Tribunal Pleno — maioria): "1. Esgotamento da instância recursal como pressuposto para formulação do pedido de suspensão de segurança. Desnecessidade. Preliminar rejeitada. Precedentes".

[5] No STJ, ver, dentre outros: AgRg na SL n. 50-SC; AgRg na SLS n. 116-PA; AgRg na SLS n. 131-PE; AgRg na SLS n. 150-MG; AgRg na SLS 172-GO.

[6] "Processual civil. Ação civil pública. Suspensão de liminar. Pedido negado pelo Vice-presidente do Tribunal Estadual. Novo pedido de suspensão de liminar no Superior Tribunal de Justiça. Agravo interno. Desnecessidade. Lei nº 8.038/90. Medida provisória nº 2.180-35, de 24 de agosto de 2001. 1. O ajuizamento de novo pedido de suspensão de liminar, após negado o primeiro pelo presidente do Tribunal de origem, nos processos de incidência da Lei 8.437/92, prescinde da interposição de Agravo Interno, não se exigindo o esgotamento de instância, se se tratar de pedido negado pelo presidente da Corte. 2. Considerando que o EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto do Meio Ambiente), deverá ser desenvolvido pelo Produtor Independente, vitorioso no processo de contratação, ocasião em que as questões a ele subjacentes serão certamente apreciadas pelo Órgão Ambiental competente, segundo as diretrizes gerais fixadas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA, e antes da concessão da Licença Prévia, bem como caracterizados os pressupostos autorizadores da excepcional media, vez que há risco de grave lesão à economia, saúde, e ordem públicas, aqui considerada a ordem pública administrativa, com a suspensão do processo de contratação, impõe-se o provimento do Agravo. 3. Agravo provido" (AgRg na SL 96 / AM; Agravo regimental na suspensão de liminar 2004/0077329-5. relator ministroEdson Vidigal — Corte Especial — J. em 15/09/2004 — DJ de 01.07.2005 p. 351).

[7] É possível aplicar, por analogia, os óbices previstos nos Enunciados de Súmula 182/STJ, 283/STF, 287/STF.

[8] O pedido de efeito suspensivo pode ser requerido diretamente ao Tribunal Superior competente, ou no tribunal local, em caso de sobrestamento, nos termos do artigo 1029, § 5º, do CPC/15.

Autores

  • é pós-doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; doutor e mestre pela Universidade Federal do Pará; professor do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) e do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP); procurador do estado do Pará e advogado.

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