Opinião

Desinformação a serviço do poder e as eleições de 2022

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9 de julho de 2022, 11h19

Para Allcott e Gentzkow, fake news são "notícias que são intencionalmente falsas, que podem confundir seus leitores" (2017, p. 213), ou seja, desinformar é não informar ou falsear uma informação.

O fenômeno mostrou-se notório nas eleições nos Estados Unidos, em que eleito o presidente Donald Trump em 2016, e a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, no Brasil, com a disseminação deliberada de notícias falsas, criadas por pessoas e organizações ligadas aos candidatos, com a intenção precípua de beneficiá-lo com visões políticas que se busca defender, e difamar o candidato adversário, tendo como principal meio de disseminação, as redes sociais como Telegram, Facebook, Twitter e WhatsApp, gerando uma polarização ainda maior entre os players.

Segundo Arendt (1967 p. 2-3), as mentiras foram sempre consideradas como instrumentos necessários e legítimos, não somente na profissão de político ou demagogo, mas também na de homens de estado.

Não consiste o objetivo deste ensaio responder às questões postas pela ilustre autora na obra "Truth and Politics", mas reputa-se oportuno pensar sobre eventuais respostas possíveis: "Por que será assim? E o que é que isso significa no que se refere à natureza e à dignidade do domínio político, por um lado, e à natureza e à dignidade da verdade e da boa-fé, por outro? Será da própria essência da verdade ser impotente e da própria essência do poder enganar? E que espécie de realidade possui a verdade se não tem poder no domínio público, o qual, mais do que qualquer outra esfera da vida humana, garante a realidade da existência aos homens que nascem e morrem — quer dizer, seres que sabem que surgiram do não-ser e que voltarão para aí depois de um breve momento? Finalmente, a verdade impotente não será tão desprezível como o poder despreocupado com a verdade?"

No século 20, tivemos dois regimes deploráveis, os quais chegaram ao poder e se fixaram baseados no medo, nas mentiras e nas promessas falsas com líderes determinados a alcançar o poder a qualquer custo.

Nesse sentido, Hannah Arendt escreveu em 1951 o livro "Origens do Totalitarismo", em que enfatizou: "O súdito ideal do governo totalitário não é o nazista convicto nem o comunista convicto, mas aquele para quem já não existe a diferença entre o fato e a ficção (isto é, a realidade da experiência) e a diferença entre o verdadeiro e o falso (isto é, os critérios do pensamento)".

Convém destacar que Arendt "profetizou" no século passado, cerca de 70 anos atrás, o cenário aterrorizante que assola o mundo atual e global. Profetizou o mundo em que as fake news são disparadas em massa, pelo WhatsApp, Twitter, Telegram e Facebook em uma velocidade inalcançável, por meio de perfis falsos nas redes sociais.

Em 1971, em "A mentira na Política", Hannah Arendt escreveu que "O historiador sabe o quão frágil é a tessitura dos fatos no cotidiano em que vivemos".

Sem olvidar, as eleições de 2022 no Brasil terão como maior ingrediente, as fake news, já combatidas pelo TSE nas eleições 2018, o que resultou, por parte do TSE, na criação de várias iniciativas para atenuar os efeitos negativos da desinformação.

Convém observar que as fake news sobre as urnas eletrônicas ocorrem diuturnamente por aqueles que não tem nenhuma prova quanto a vulnerabilidade do sistema eletrônico de votação, implementado em 1996 pela Justiça Eleitoral.

Indubitável que o Brasil é referência no processo eletrônico de votação. Cabe rememorar, não obstante, que não é de hoje a preocupação do TSE com a lisura do processo eleitoral brasileiro.

Preocupado em garantir a confiabilidade das urnas eletrônicas utilizadas nas eleições de 2002, após a violação do painel eletrônico do Senado Federal, o ministro Nelson Jobim, então presidente do TSE, solicitou um laudo à Unicamp sobre a existência de eventuais vulnerabilidades no sistema eletrônico adotado pela justiça eleitoral.

A conclusão a que chegou a Unicamp foi que "[…] O sistema eletrônico de votação implantado no Brasil a partir de 1996 é um sistema robusto, seguro e confiável atendendo todos os requisitos do sistema eleitoral brasileiro".

Por medida de segurança, o TSE permite que os partidos, o Ministério Público, Polícia Federal, Ordem dos Advogados do Brasil e sociedade civil fiscalizem os softwares utilizados nas urnas eletrônicas.

Em 2009, atendendo solicitação do Partido dos Trabalhadores e do Partido Democrático Trabalhista, decidiu confirmar a realização de testes de segurança no sistema eletrônico de votação.

O ministro Ricardo Lewandowski, relator da PET 1.896, afirmou que "Os testes transcendem o interesse desses dois partidos e passam a ser de interesse público". Desde então são realizados, anualmente os Testes Público de Segurança (TPS) do sistema eletrônico de votação.

Permanente no calendário de preparação de cada eleição, o TPS é um dos principais marcos do processo de desenvolvimento dos sistemas eleitorais. O teste ocorre, preferencialmente, no ano que antecede o pleito. Realizada no final de novembro de 2021, esta edição do TPS foi a maior, com número recorde de inscritos e mais tempo para execução dos planos para verificação dos códigos-fonte da urna eletrônica.

A comissão avaliadora, que acompanha o trabalho do TPS, vai entregar um relatório sobre a etapa do teste de confirmação. O colegiado é composto por 11 membros: Sandro Nunes Vieira, juiz auxiliar da presidência (TSE); Patricia Sumie Hayakawa (MPF); Robson Paniago de Miranda (Congresso Nacional); Rodrigo Lemgruber (OAB); perito criminal Thiago de Sá Cavalcanti (PF); auditor André Luiz Furtado Pacheco (TCU); Rodrigo de Souza Borges (Confea); professor doutor Rafael Timóteo de Sousa Júnior (SBC); professor doutor Mamede Lima-Marques (comunidade acadêmica); doutor Osvaldo Catsumi Imamura (comunidade acadêmica); e professor doutor Jamil Salem Barbar (comunidade acadêmica).

Com essas considerações, asseveramos que todo processo de votação no Brasil se dá de maneira informatizada, sendo todo o procedimento amplamente auditável, tornando praticamente impossível a violação do voto do eleitor.

Importa registrar, ademais, que a Resolução 23.574/2018 altera a Resolução-TSE 23.550/2017, a qual prevê que a partir das eleições 2018, os Tribunais Regionais Eleitorais realizarão, por amostragem, duas auditorias no dia da votação. Em ambiente controlado, será feita a análise do funcionamento das urnas sob condições normais de uso, sendo que, nas seções eleitorais, será realizada a verificação de autenticidade e integridade dos sistemas instalados nas urnas. As auditorias poderão ser acompanhadas por representantes de partidos políticos, da Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Público.

Sobre os últimos questionamentos apresentados pelo exército sobre a segurança das urnas eletrônicas, o presidente do TSE, ministro Edson Fachin foi categórico ao afirmar que: "O modelo urna de modelo UE2020 conta com módulo criptográfico com certificação do ICP-Brasil, o que significa que a urna possui características de segurança superiores ao estabelecido pelo Manual de Condutas Técnicas definido pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação", o qual define os requisitos mínimos para um dispositivo criptográfico, ressaltando que o Tribunal TSE analisará considerações sobre urnas apresentadas pelo Ministério da Defesa.

Iniciativas do TSE
O Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação da Justiça Eleitoral, instituído pela Portaria-TSE nº 510, de 4/8/2021, representa a continuidade e o aprimoramento dos esforços do TSE para reduzir os efeitos nocivos da desinformação relacionada à Justiça Eleitoral e aos seus integrantes, ao sistema eletrônico de votação, ao processo eleitoral em suas diferentes fases e aos atores nele envolvidos, excluídos de seu escopo, os conteúdos desinformativos dirigidos a pré-candidatos, candidatos, partidos políticos, coligações e federações, exceto quando a informação veiculada seja apta para afetar, negativamente, a integridade, a credibilidade e a legitimidade do processo eleitoral.

O programa é consistente em três eixos de atuação: EIXO 1 – INFORMAR (disseminar informação de qualidade; EIXO 2 – CAPACITAR (combater a informação com educação; e EIXO 3 – RESPONDER (identificar e conter a desinformação).

Decisão do STF sobre parlamentar cassado pelo TSE por disseminar fake news
A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal derrubou a decisão monocrática do ministro Nunes Marques, o qual havia devolvido o mandato ao deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR). O parlamentar foi cassado pelo TSE por disseminar fake news em uma transmissão pela internet no dia das eleições de 2018. A liminar do ministro Nunes Marques foi dada em tutela provisória antecedente na qual o parlamentar questionou a decisão do TSE.

O ministro Luiz Edson Fachin abriu a divergência ao julgar pela não confirmação da medida cautelar que devolveu o mandato a Francischini. Segundo ele, "Não existe direito fundamental a atacar a democracia. Não há liberdade de expressão ou imunidade parlamentar que ampare a divulgação de notícias falsas".

Além das decisões do TSE e do STF, o ideal é a criação de lei rigorosa direcionadas aos que criam e compartilham notícias falsas, a exemplo da Alemanha que aprovou em 2017 uma lei que determina medidas rígidas contra redes sociais para combater a propagação do discurso de ódio e as chamadas fake news divulgadas por usuários nas plataformas. Conhecida como lei do Facebook — prevê, entre outros pontos, que as redes sociais como Facebook, Twitter e YouTube devem remover conteúdos que explicitamente ferem a lei no prazo de 24 horas após uma denúncia e para qualquer outro conteúdo ofensivo foi estabelecido um prazo de sete dias. No caso de violações sistemáticas, as empresas enfrentam penalidades de até 50 milhões de euros.

Nesse sentido, impende registrar que tramita, na Câmara dos deputados o projeto de lei nº 2.630/2020, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), já aprovado no Senado, mais conhecido como o "PL das Fake News", o qual teve o requerimento de urgência para votação rejeitado, em 6/4/2022, tendo sido considerada uma vitória do governo, que orientou sua bancada a votar contra a matéria.

Trata-se de uma proposta que visa à regulação de plataformas de mídias sociais. Na atual do PL nº 2630/2020, essas mídias são os provedores de redes sociais, as ferramentas de busca e as de mensageria instantânea cujo número de usuários registrados no Brasil seja superior a 10 milhões, quer dizer que entre as reguladas teríamos empresas como a Google, Facebook e TikTok.

Tenha-se presente que o PL pretende criar regras básicas para a moderação de conteúdo nas mídias sociais, sendo que a moderação de conteúdo é o poder que as plataformas têm de aplicar suas regras, possibilitando a remoção, restrição de circulação ou sinalização de conteúdos e contas considerados inapropriados e/ou ilegais. Nesse sentido, há uma obrigação de se dar direito ao contraditório e a apelação ao usuário afetado em caso de aplicações dessas regras.

Nesse contexto, o ministro Alexandre de Moraes que vai comandar o TSE a partir de agosto afirmou que "O que a Justiça Eleitoral vai garantir é que o voto colocado na urna eletrônica seja o voto computado e que esse voto colocado não sofra coação das milícias digitais. É isso que nós vamos garantir", no Congresso Paulista de Direito Eleitoral, realizado pela OAB-SP com apoio do TRE-SP, em 20/5/2022.

Em síntese, é possível afirmar que as fake news podem ter influenciado no resultado das eleições nos Estados Unidos em 2016, no Brasil em 2018, tendo como principal ferramenta de disseminação as redes sociais Telegram, WhatsApp, Facebook e Twitter, o que será veementemente combatido pelo TSE, para que não ocorra nas eleições de 2022 e nas vindouras.

E segue o jogo em que se espera prevaleça a verdade e a democracia!


REFERÊNCIAS
ALLCOTT, H.; GENTZKOV, M. (2017) "Social media and fake news in the 2016 election". Disponível em: https://web.stanford.edu/~gentzkow/research/fakenews.pdf.

Hannah Arendt. Título original: "Truth and Politics". Este texto foi publicado pela primeira vez em The New Yorker, em Fevereiro de 1967 e integrado no livro "Between Past and Future", editado no ano seguinte. Autor: Hannah Arendt Tradução: Manuel Alberto.

Hannah Arendt. "Origens do Totalitarismo". São Paulo: Companhia de Bolso, 2013.

Hannah Arendt. "A Mentira na Política, Crises da República". Perspectiva. 2017.

KAKUTANI, Michiko. A Morte da Verdade. Notas sobre a mentira na era Trump. Tradução de André Czarnobai e Marcela Duarte. Editora Intrínseca. 2018.

LAGO, Ronaldo Assunção Sousa do. O artigo 366 do Código Eleitoral brasileiro e a sua (in)constitucionalidade. Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência política, Curitiba, v. 8, nº 3, p. 429-448, 2019.

Brasil. Tribunal Superior Eleitoral. Programa Permanente de Enfrentamento à Desinformação no âmbito da Justiça Eleitoral: plano estratégico : eleições 2022 / Tribunal Superior Eleitoral. – Brasília : Tribunal Superior Eleitoral, 2022. Autoria: Aline Rezende Peres Osorio, Frederico Franco Alvim, Giselly Siqueira, Julia Rocha de Barcelos, Marco Antonio Martin Vargas, Tainah Pereira Rodrigues e Thiago Rondon.

https://www.dw.com/pt-br/parlamento-alem%C3%A3o-aprova-lei-de-combate-ao-discurso-de-%C3%B3dio-na-internet/a-39491431

https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2022/Maio/tse-encerra-etapa-de-confirmacao-do-teste-publico-de-seguranca-2021

Avaliação do Sistema Informatizado de Eleições (urna eletrônica). Relatório de convênio Unicamp-Funcamp-TSE, 29/maio/2002. Disponível em: http://www.tse.gov.br/servicos/download/rel_final.pdf

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de lei nº 2.630/2020. https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2256735

https://www.tre-sp.jus.br/imprensa/noticias-tre-sp/2022/Maio/congresso-paulista-de-direito-eleitoral-conta-com-palestrantes-do-tre-sp

Autores

  • é bacharel em Direito, especialista em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho e Direito Administrativo, graduado em História, servidor, assessor jurídico da diretoria-geral do TSE e membro da Frente Nacional de Enfrentamento à Desinformação (Frente) do TSE.

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