Flechas e bambus

Investigação e denúncia capenga derrubam espólio lavajatista; só havia "convicção"

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14 de fevereiro de 2022, 7h33

"Quando o inquérito foi aberto, em 2016, persistia como único elemento no processo a colaboração premiada, que não detém a natureza jurídica de prova, mas, como consabido, mero instrumento para sua obtenção", disse o ministro Luiz Edson Fachin, relator da decisão que mais uma vez arquivou um inquérito contra o senador Renan Calheiros, na semana passada.

Waldemir Barreto/Agência Senado
O senador Renan Calheiros (MDB-AL)
Waldemir Barreto/Agência Senado

No mesmo julgamento no Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes voltou a criticar as delações premiadas. "O Plenário tem um encontro marcado com esse e outros acordos que foram celebrados em condições de legalidade duvidosa, tal como observado a partir das informações posteriormente divulgadas nos meios de comunicação."

Não só com relação a Renan (MDB-AL), o colegiado do STF também decidiu, por unanimidade nesta sexta-feira (11/2), arquivar inquérito contra o senador Jader Barbalho (MDB-PA) e, em uma outra ação, contra o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), todas com base em delações premiadas sem provas. No primeiro caso, de falas do ex-senador Delcídio do Amaral, e, na outra, a partir do que contava o doleiro Alberto Youssef, solto em acordo com o então juiz Sergio Moro.

No caso de Renan, o inquérito se juntou a outras 23 ações que já foram arquivadas ou indeferidas nos últimos anos, sob a defesa do advogado Luís Henrique MachadoA caçada judicial contra o emedebista começou em 2016 com a queda do governo petista e a prisão do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. Renan, então presidente do Senado, parecia ter se tornado o "réu da vez" e um dos alvos preferenciais do consórcio de Curitiba, tendo à frente falas públicas do agora político profissional Deltan Dallagnol.

Em relação ao agora ex-procurador da República, foi graças a representação do senador alagoano que o Conselho Nacional do Ministério Público aplicou a pena de censura a Dallagnol, que posteriormente foi mantida pelo Supremo.

Apenas em 2016, foram rejeitadas três ações cautelares e arquivados outros três inquéritos contra o senador. Em uma das ações cautelares (4.173) o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a prisão de Renan e dos também senadores emedebistas José Sarney e Romero Jucá. Na época, o ministro Teori Zavascki (1948-2017) entendeu que não existiam nos elementos apresentados pelo PGR nenhuma situação de flagrante de crimes inafiançáveis ou permanentes cometido pelos parlamentares.

Teori também indeferiu a Ação Cautelar 4.174, em que Janot pretendia que fossem autorizadas medidas de busca e apreensão em endereços vinculados a Renan, Jucá, Sarney, Vandenbergue dos Santos Sobreira Machado e Bruno Mendes. O magistrado apontou que, apesar do esforço do Ministério Público para tentar extrair do conteúdo das conversas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado fundamentos para o pedido, as evidências apresentadas não eram suficientes para legitimar a medida.

Em 2016, outro pedido de Janot também foi negado, dessa vez pelo ministro Fachin. O ex-PGR pedia o afastamento liminar de Renan da presidência do Senado, sob a alegação de que ele não poderia ocupar o cargo por ser réu em uma ação em curso no Supremo.

Ainda em 2016, o Supremo rejeitou a denúncia oriunda do Inquérito 2.593. Também foram arquivados os inquéritos 2.998 e 3.984, este último apenas em relação a Renan.

Já em 2017 outros três inquéritos foram rejeitados. Um dele foi motivado por queixa-crime apresentada pelo então deputado Onyx Lorenzoni. O atual ministro do Trabalho e Previdência do governo Bolsonaro acusou o senador de calúnia, injúria e difamação após Calheiros ter afirmado que Onyx tinha nome de chuveiro e recebido dinheiro de caixa 2 da indústria de armas. Fachin entendeu que as declarações de Renan estavam ancoradas na imunidade parlamentar e arquivou o inquérito.

O senador alagoano também teve a acusação de obstrução à Justiça (Inq 4.367) e uma investigação fundamentada com base em delação do ex-senador Delcidio Amaral (MS) arquivada em 2017.

Em 2018, foram arquivadas mais duas investigações (Inq 4.211 e 4.216) contra Renan. Em 2019 foram mais sete inquéritos arquivados. Um deles (Inq 4.437) era baseado em delação de ex-executivos da Odebrecht e apurava supostos pagamentos indevidos em troca de medidas provisórias no Congresso. Os delatores afirmaram que teriam pago R$ 4 milhões a Renan, mas a investigação acabou arquivada a pedido da própria PGR.

Na época, a então PGR, Raquel Dodge, apontou que não havia provas suficientes para justificar a continuidade da investigação e o ministro Fachin determinou o arquivamento.

Em 2020, o Inquérito 4.267, que investigava Renan e outros senadores sobre o suposto recebimento de propina na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte — também com base em delação de Delcídio do Amaral — foi arquivado.

E, por fim, em 2021 foram arquivados mais dois inquéritos. Um deles (4.463) apurava suposto recebimento de caixa 2 por Renan e baseado em delação executivo da Odebrecht, que teve competência declinada pelo STF e foi para Justiça Eleitoral de Alagoas.

Já o processo relativo à Petição 8.488, que pedia abertura de investigação do senador por supostos pagamentos de vantagens indevidas via doação oficial, em troca da manutenção da empresa Galvão Engenharia em um esquema de contratações celebradas pela Transpetro, foi indeferido por Fachin.

Investigação e denúncia capengas
A ConJur questionou a Procuradoria-Geral da República sobre o expressivo número de ações, não apenas contra Renan, mas também contra outros parlamentares. Em comum, as ações se caracterizam pela precariedade das provas apresentadas e muitas delas são baseadas exclusivamente no depoimento de delatores. 

Em nota, a PGR afirmou que, como os casos apontados foram iniciados em gestões anteriores, o procurador-geral da República, Augusto Aras, não iria fazer avaliação específica do trabalho desenvolvido por seus antecessores.

"Na atual gestão, com o propósito de buscar resultados efetivos e de evitar nulidades, todas as investigações em curso seguem o devido processo legal, com respeito aos direitos fundamentais dos investigados, às leis e à Constituição, para garantir a higidez das provas, a consistência do trabalho de apuração. Os dados já divulgados pela Secretaria de Comunicação comprovam essa realidade. Mesmo com a realização de, em média, duas operações por mês e com a apresentação de dezenas de denúncias e a instauração de centenas de novos inquéritos (apenas em 2021 foram 108 novas frentes), não há registro de nulidades e nem de exploração midiática dos fatos", afirmou a PGR.

Questionada, a Polícia Federal não respondeu até a publicação desta reportagem.

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