Disputa de interesses

Não há consenso se TCU pode investigar relação de Sergio Moro com consultoria

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7 de fevereiro de 2022, 20h06

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União e o próprio TCU vêm investigando se o ex-juiz Sergio Moro agiu com desvio de finalidade ao atuar em processos na "lava jato" que causaram prejuízos a empreiteiras e depois trabalhar para a recuperação dessas empresas na consultoria Alvarez & Marsal. Porém, há divergências entre especialistas se o TCU e o MP-TCU têm competência para investigar e punir o ex-ministro por relações privadas.

Marcelo Camargo / Agência Brasil
Sergio Moro recebeu R$ 3,7 milhões por um ano de trabalho na Alvarez & Marsal
Marcelo Camargo / Agência Brasil

Ambos os órgãos investigam conflito de interesses do pré-candidato a presidente ao trabalhar, por um ano, na consultoria dos Estados Unidos que faz a administração da recuperação judicial da Odebrecht. O ministro do TCU Bruno Dantas, ao abrir a investigação, apontou que "são gravíssimos" os fatos reportados pelo subprocurador-geral do MP-TCU Lucas Furtado. Isso porque, além de possuir informações privilegiadas sobre o funcionamento das empresas do grupo Odebrecht, Moro teria proferido decisões judiciais e orientado as condições de celebração de acordos de leniência da construtora, o que contribuiu para que a empresa entrasse em recuperação judicial.

Na sexta-feira (4/2), Furtado pediu o bloqueio cautelar dos bens de Moro com base no "risco da inviabilização do ressarcimento e do recolhimento de tributos aos cofres públicos". O procurador destacou alguns pontos que entende cruciais. Por exemplo, se o ex-magistrado fez sua transferência de residência para os Estados Unidos, já que, em caso negativo (tornando-se não residente para efeitos fiscais), deverá declarar e tributar também no Brasil os rendimentos recebidos. Furtado também pediu que seja apurada a suposta ocorrência de "pejotização" que teria reduzido a tributação incidente sobre o trabalho assalariado.

No mesmo dia, veio a público a informação de que Furtado pediu ao TCU que apure prejuízos aos cofres públicos decorrentes de operações ilegais do ex-juiz e de outros integrantes da autoproclamada "lava jato" em Curitiba. A representação é datada de 19 de janeiro.

O professor de Direito Constitucional Pedro Serrano, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, entende que o TCU e o MP-TCU não têm competência para promover fiscalização de natureza fiscal.

"Existe necessidade de o Estado, por meio da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, investigar a conduta, mas no plano criminal, não no TCU. A corte realiza controle de contas e só. Não fiscaliza relação entre particulares, como é o caso de Moro com a Alvarez & Marsal", opina Serrano.

O professor de Direito Administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Gustavo Binenbojm tem visão semelhante.

"Ainda que tenha havido alguma irregularidade no passado, o TCU não teria como investigar se um ex-juiz federal estaria recebendo verbas de uma empresa privada como pagamento por sua atuação pretérita como magistrado. O próprio Conselho Nacional de Justiça já entendeu pela perda de objeto dos processos em que o ex-magistrado era investigado."

Segundo Binenbojm, o MPF poderia investigar se Moro agiu de forma irregular e ingressar com uma ação de improbidade administrativa contra empresas e o ex-juiz.

Competência do TCU
Por outro lado, o jurista Lenio Streck, professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, entende que o TCU e o MP-TCU têm competência para investigar a atuação do ex-juiz. A Lei Orgânica do tribunal de contas (Lei 8.443/1992) estabelece que a corte pode atuar em casos envolvendo valores da União.

"Há dinheiro público envolvido. Impostos. E há também dinheiro público e interesse público no caso da representação que o procurador Lucas Furtado fez para averiguar os prejuízos causados pela 'lava jato'. Moro homologou acordos de leniência. E não foi diligente para evitar a quebra de empresas. Por isso o procurador Lucas Furtado o acusa de revolving door. E lawfare. A peça subscrita pôr Lucas é tecnicamente sustentável. Nos dois casos", analisa Lenio.

Conforme Furtado, procuradores de Curitiba e Moro usaram práticas de revolving door (ao atuarem, como funcionários públicos, para prejudicar a empresa e depois migrar para o setor privado para oferecer serviços para remediar a situação de crise) e lawfare (uso estratégico do direito para fins políticos, geopolíticos, comerciais e militares) contra a empreiteiras, como a Odebrecht.

Outro lado
Em manifestação ao TCU, Sergio Moro citou que Lucas Furtado pediu o bloqueio dos seus bens do base em sonegação fiscal — assunto que foge das atribuições da corte.

"Isso porque o TCU não tem competência para interferir ou imiscuir-se em relações contratuais privadas, sem qualquer relação com a administração pública, já tendo sido demonstrado pela Alvarez & Marsal que o peticionário [Sergio Moro] não prestou qualquer serviço para empresas investigadas na 'lava jato' ou delas recebeu qualquer valor."

De acordo com o ex-juiz, sempre que o TCU identifica indícios de sonegação fiscal, encaminha os autos para a apuração pelo órgão competente. Além disso, Moro sustentou que o Supremo Tribunal Federal proíbe o bloqueio de bens contra devedores da Fazenda Pública (ADI 5.886) e alegou que a constrição não pode ser feita sem a indicação do valor do possível prejuízo — algo que não foi feito pelo procurador.

Clique aqui para ler a petição de Moro

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