STF em Ação

Ministros do STF discutem harmonia entre poderes e protagonismo judicial

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14 de dezembro de 2022, 18h11

A atuação crescente do Poder Judiciário, em especial das Cortes Superiores, em diferentes áreas, decorre de um poder garantido pela Constituição Federal e não é fenômeno isolado do Brasil. Essa é a avaliação de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e juristas que participaram, na manhã desta quarta-feira (14/12), da 4ª edição do seminário STF em Ação, em Brasília. 

Reprodução/Youtube
Ministros do STF Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, e o ministro do STJ Luis Felipe Salomão. Reprodução/Youtube

De acordo com o ministro do STF Ricardo Lewandowski, o protagonismo nem sempre é compreendido e "se deve pela incorporação à Constituição dessa pletora de direitos fundamentais que se desenvolveu ao longo dos anos". "A efetivação de direitos sociais, de solidariedade e fraternidade exigem que o Estado tenha atitude mais intervencionista. Esse papel é reservado à magistratura, ao Poder Judiciário, sobretudo ao STF, que é o guardião da Constituição", pontuou.

Alvo frequente de ataques e críticas, o ministro Alexandre de Moraes afirma que é preciso entender a motivação pela qual as democracias ocidentais optaram por uma jurisdição exercida por Cortes Supremas. "Não foram juízes que acordaram e disseram 'a partir de hoje, quem interpreta a Constituição por último somos nós'. Foi uma opção do mundo político, dos parlamentos, dos Congressos Nacionais e Executivo em outros países", explicou o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Moraes defende que a função de um tribunal constitucional é efetivar a Constituição e não ignora que "há inúmeros exemplos de julgamentos no STF que, passados mais de 30 anos, não houve regulamentação e implementação". "As Supremas Cortes não devem querer fazer prevalecer a sua vontade subjetiva em relação à vontade subjetiva do Congresso Nacional ou do Executivo. Desde que compatível com a Constituição, a vontade dos poderes eleitos, na legislação, deve prevalecer", afirmou.

Papel na pandemia
O ministro Lewandowski não ignora que o Judiciário venha exercendo papel de legislador positivo, no sentido de formular políticas públicas. "Isso ficou muito evidente na pandemia da Covid-19. Houve uma perplexidade inicial do Poder Executivo, momento com certa paralisia das autoridades responsáveis pela saúde pública, o STF tomou a dianteira e fez com que realmente o governo se mexesse e propiciasse as vacinas — depois de muita resistência — para a sociedade brasileira", afirmou. 

O ministro foi relator das ações que discutiam a vacinação. Ao tratar dos quase 700 mil mortos pelo coronavírus, Lewandowski afirmou que decisões muito importantes foram tomadas. Para ele, "não fosse a atuação do STF, e depois dos juízes como um todo, o número de mortos e doentes poderia ser muito maior do que este que as estatísticas registram".

De forma parecida, o ministro Dias Toffoli fez analogia sobre o que Celso Lafer aponta no prefácio do livro Entre o passado e o futuro, de Hannah Arendt, sobre a defesa da verdade factual. "Há 50 anos, ele alertava para a necessidade da defesa da verdade factual, que seria a grande disputa de narrativas que nós viveríamos. Nós vivemos essas disputas que vivenciamos mais recentemente", comentou. 

O ministro citou as três instituições que seriam os pilares da defesa da verdade factual, segundo o livro: a magistratura, a academia e a imprensa livre. E exemplificou a tese com o que o país vivenciou durante a pandemia: "Nós tivemos a imprensa orientando a sociedade sobre como termos os cuidados necessários. A ciência e a academia fazendo a narrativa da verdade, pesquisando e chegando a uma vacina. E o Supremo Tribunal Federal dando a primeira decisão de compra da vacina, na pena de Ricardo Lewandowski". 

A discussão da liberdade
Em seu discurso, a ministra Cármen Lúcia destacou a importância da interpretação da Constituição sobre a liberdade e afirmou que ela deve ser técnica. "A Constituição é dinâmica, como é próprio da vida ser dinâmica", afirmou. 

"Hoje, um leigo leria a liberdade como núcleo fundamental para se ter uma vida justa, digna, responsável com a solidariedade de todos. Mas nós do Direito sabemos que a Constituição não plasmou uma ideia de liberdade. Plasmou um processo de libertação (…) das condições históricas de escravismo, preconceito, discriminação contra as mulheres. Estamos falando da igualação que a Constituição assegura", frisou. 

Otávio Luiz Rodrigues, professor da Faculdade de Direito da USP e conselheiro do CNMP, falou sobre o processo histórico que levou para dentro de tribunais constitucionais a ideia de guardião da Constituição. Para ele, a ideia de que o Supremo Tribunal Federal passasse a agir "de maneira muito efetiva e muito menos passiva na defesa da Constituição" foi excepcional. "E talvez esse seja um momento histórico único sobre qual os constitucionalistas terão a oportunidade de escrever em futuras edições [sobre] 'que papel de guardião da Constituição cabe ao STF e às cortes constitucionais em tempos ásperos'".

Período eleitoral
O ministro do STJ Luis Felipe Salomão, corregedor nacional de justiça, destacou ainda que o Poder Judiciário é o guardião da democracia e que isso pôde ser observado durante o período eleitoral. "Graças à Suprema Corte e a cada um de seus ministros, e ao Tribunal Superior Eleitoral, foi garantido o sistema eleitoral, a eficácia da democracia. Mais do que nunca a ideia do juiz como guardião das promessas da Constituição, guardião da democracia, se tornou uma realidade", disse. 

Salomão afirmou, sem entrar em detalhes, que há frustração quando "a Constituição promete e não conseguimos cumprir ou dar eficácia, onde teríamos que buscar outros papéis para o Poder Judiciário".

Gabriela Araújo, advogada e coordenadora do grupo Prerrogativas, concorda com o impacto das decisões para a defesa dos direitos fundamentais, em especial de minorias políticas. Como exemplo, Araújo cita a interpretação do STF que garantiu a distribuição de recursos do Fundo Partidário destinado ao financiamento para as campanhas eleitorais direcionadas às candidaturas de mulheres. Outro julgamento importante, segundo a advogada, foi o que proibiu o uso da tese de legítima defesa da honra em crimes de feminicídio.

O evento contaria com a presença de autoridades dos três Poderes. No entanto, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, assim como os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, respectivamente, não compareceram.

O seminário O Guardião da Constituição e a Harmonia entre os Poderes foi promovido pelo Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados (Ieja) e pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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