Prática Trabalhista

Os efeitos nefastos do assédio sexual contra mulheres e o dever do seu combate

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

25 de agosto de 2022, 8h00

Recentemente, foram veiculadas pela imprensa diversas notícias de assédio sexual envolvendo um juiz substituto do Tribunal Regional do Trabalho de da 2ª Região (TRT-SP) [1]. O fato teve enorme repercussão na mídia, a ponto de o TRT-SP emitir uma nota oficial sobre as denúncias contra o magistrado[2]. Nela, o Tribunal Regional reforçou sua postura ética e de combate a todas as formas de assédio dentro e fora de sua instituição[3].

No mesmo sentido, diversas entidades emitiram notas públicas sobre o caso [4], dentre elas a Me Too Brasil, que é uma organização cujo objetivo é apoiar as vítimas da violência sexual a romper o silêncio [5]. Aliás, registre-se que, de igual sorte, a defesa do magistrado, também em nota à imprensa, informou que as acusações já foram devidamente analisadas administrativamente, havendo a absolvição e arquivamento do caso [6].

Com efeito, no tocante ao assunto em tela, até o mês de junho de 2022 o Ministério Público do Trabalho recebeu 300 notificações de assédio sexual em ambientes de trabalho, dados esses que superam os números de 2021 [7]. E, mais, com o retorno das atividades presenciais nas empresas, voltaram a crescer os números de casos de assédio sexual no trabalho, ultrapassando os indicadores anteriores ao início da pandemia, em 2019 [8].

Frise-se, por oportuno, que conquanto os números indiquem um aumento de relatos de casos de assédio sexual, ainda existe, por certo, muita subnotificação, ou seja, muitas são as mulheres que não denunciam o agressor por medo de represália, ou, ainda, porque acreditam num desfecho negativo quanto à apuração dos fatos.

Spacca
Aliás, um levantamento da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou que 66% dos processos de assédio sexual envolvendo a administração pública foram concluídos sem penalidade [9].

Do ponto de vista normativo do Brasil, o Código Penal brasileiro tipifica o assédio sexual como crime, ao dispor em seu artigo 216-A o seguinte: "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função. Pena – detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos".

Sob outra perspectiva, o artigo 927 do Código Civil preceitua que "aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

De mais a mais, a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 483, possibilita que a vítima do assédio sexual possa pleitear na Justiça do Trabalho a aplicação da justa causa patronal (rescisão indireta), e, por conseguinte, extinguir o contrato de trabalho.

Lado outro, do ponto de vista internacional, a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho [10], assim como a Recomendação 206 [11], têm por objetivos a eliminação e combate ao assédio no mundo do trabalho. E, inobstante a Convenção 190 esteja em vigor desde 25 de junho de 2021, até o momento não houve a ratificação do instrumento pelo Brasil.

Para tanto, o artigo 1º da Convenção 190 da OIT preceitua que:

"O termo 'violência e assédio' no mundo do trabalho refere-se a um conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou de suas ameaças, de ocorrência única ou repetida, que visem, causem, ou sejam susceptíveis de causar dano físico, psicológico, sexual ou económico, e inclui a violência e o assédio com base no género".

Logo, impende destacar que o assédio sexual, em linhas gerais, é caracterizado pelo constrangimento com implicação sexual no meio ambiente de trabalho, podendo ser por chantagem ou por intimidação.

Nesse sentido, no assédio sexual por chantagem há a imposição do sexo, em troca de privilégios, ou, até mesmo, para fins de obstar malefícios na relação de trabalho. Já no assédio sexual por intimidação a vítima é lesada em virtude de perturbações sexuais inconvenientes no ambiente laboral, podendo ser colocada em uma situação de humilhação.

No que se refere à temática em análise neste artigo, oportunos são os ensinamentos de Roberto Heloani [12]:

"Ambos, tanto o assédio moral como o assédio sexual são formas de violência e devem ser condenáveis do ponto de vista ético, moral e jurídico, sem dúvida nenhuma. O que não falta é legislação para isso. A impunidade é uma desculpa, pois nosso Código Penal é draconiano, nossa CLT também, tem vários dispositivos, e o Código Civil com a questão do dano moral. Enfim, o que não falta é legislação, o que pode faltar é vontade política, mas não a legislação.

(…) No assédio sexual você simplesmente faz com que, geralmente, as mulheres – mas não só elas, existe o assédio sexual em relação a homens, sim, e cresceu -, abdiquem de um direito fundamental, o direito de dispor do seu corpo da forma como quiserem, com quem e quando quiserem. Isso faz parte dos direitos fundamentais, que estão previstos na Constituição Federal e na Carta de Direitos Humanos da ONU; explicitamente previstos, se violados têm que ser punidos pelo Código Penal, pelo Código Civil, pela CLT, e a Justiça tem que se fazer valer".

Neste desiderato, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, através do ATO GP Nº 34/2019, instituiu a Política de Prevenção e Combate ao Assédio Moral e Sexual [13]. De igual modo, a Resolução GP Nº 02, de 21 de julho de 2022 [14], instituiu a Ouvidoria da Mulher que compõe a Comissão de Prevenção e Combate ao Assédio no âmbito do TRT-2.

Noutro giro, com o objetivo de sempre fomentar a prevenção, o coletivo de mulheres do Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Estado de São Paulo (Sintrajud) elaborou uma cartilha sobre a temática do assédio sexual [15].

Não há dúvidas de que o assédio sexual deve ser fortemente combatido, de sorte que se faz necessária a criação de medidas efetivas para o enfrentamento desta conduta veementemente reprovável.

Por isso, medidas preventivas como um canal de denúncia realmente eficaz para averiguação e punição exemplar ao agressor, além de treinamentos e palestras institucionais, são apenas algumas formas de combate a um sistema machista que, indubitavelmente, está alicerçado no âmbito das corporações privadas e órgãos da Administração Pública.

Em arremate, é imperioso envidar esforços para uma completa mudança de cultura e de hábitos, sobretudo para que a mulher seja cada vez mais respeitada e valorizada profissionalmente, galgando seu merecido espaço dentro da sociedade civil e nas corporações empresariais.

 


[12] Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região / Escola Judicial do TRT – 15ª Região; nº 1, jul./dez. 1991 – Campinas / SP, 1991. Semestral, nº 59, jul./dez. 2021. Página 32 e 33

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.

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