Direito Civil Atual

Notas sobre os efeitos securitários da disputa entre minoritários e a Petrobras

Autores

  • Ilan Goldberg

    é advogado parecerista doutor em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) professor da FGV Direito Rio e sócio de Chalfin Goldberg & Vainboim Advogados.

  • Cláudio Luiz de Miranda

    é mestre e doutorando em Direito Comercial pela Uerj e sócio do escritório Chalfin Goldberg e Vainboim Advogados.

13 de julho de 2020, 12h06

ConJur
Recentemente, painel arbitral instalado no âmbito da Câmara de Arbitragem Brasileira (CAM), da B3, proferiu sentença em demanda proposta por acionistas minoritários contra a Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras) que, segundo as notícias divulgadas, vem causando alvoroço na comunidade jurídica.

Em que pese a reconhecida (e controvertida1) confidencialidade dos procedimentos arbitrais, foram veiculadas informações que permitem a compreensão das linhas gerais dessa decisão. Nesse sentido, acionistas minoritários teriam ingressado com procedimento arbitral para obter a responsabilização da companhia por danos causados em razão da divulgação de informações incompletas que teriam sido prestadas em conexão com atos de corrupção apurados na denominada "operação Lava-Jato".

Com efeito, em um primeiro momento, poder-se-ia imaginar que a polêmica diria respeito à apuração das arbitrabilidades subjetiva e objetiva, por envolver entidade pertencente à administração pública, e a busca de sua responsabilização. Entretanto, em demonstração do amadurecimento do cenário nacional concernente à resolução de controvérsias2, tais discussões se viram ofuscadas por um tema ainda mais significativo.

A decisão arbitral ora comentada determinou, de maneira até então inédita no País, que a companhia deverá indenizar os seus acionistas por danos decorrentes de atos praticados pela sociedade, in casu, a divulgação indevida de informações relevantes objeto de investigações por práticas de corrupção, seguindo o raciocínio adotado em decisões proferidas nos Estados Unidos da América a propósito desta mesma matéria.3

Trata-se de importante inovação, sobretudo porque a Lei nº 6.404/76, ao disciplinar a responsabilidade por danos causados a acionistas, restringe-se a estabelecer as regras aplicáveis para a responsabilização de administradores, designadamente no art. 158, da aludida lei, e do acionista controlador4, nada dispondo sobre o dever de indenizar por parte da sociedade.

Assim, ao fixar o dever de a companhia aberta indenizar danos causados a acionistas minoritários, o tribunal arbitral promove uma interpretação extensiva do sistema de freios e contrapesos típico da organização empresarial5, valendo-se da cláusula geral de responsabilidade civil prevista no art. 186, do Código Civil6, no sentido de que aquele que causa dano a terceiro fica obrigado a indenizá-lo.

Em que pesem as discussões de ordem procedimental ainda em curso, sobretudo no que diz respeito ao possível ajuizamento de ação para a declaração de nulidade da sentença arbitral (art. 33, da Lei nº 9.307/96), o precedente em questão inaugura relevante discussão sobre os contornos da responsabilidade da sociedade por danos causados a seus acionistas e investidores em razão de ilícitos praticados no exercício do seu objeto social.

Convém registrar que a sociedade, ainda que possua personalidade jurídica e capacidade processual independentes, não dispõe de existência física, de modo que eventuais atos ilícitos que a envolvam serão sempre praticados por pessoas físicas, principalmente, seus administradores e controladores. Dessa maneira, a responsabilização da companhia por danos causados a investidores em decorrência de condutas corporativas poderia causar a injusta percepção de que a entidade passa a ser responsável por indenizar atos praticados por tais agentes, tornando coletiva (via sociedade e indiretamente os demais stakeholders envolvidos), a responsabilidade pessoal dos aludidos agentes.

De outro lado, não se pode perder de vista que a responsabilização da companhia se baseia na interpretação sistemática da ordem jurídica como um todo, promovendo a proteção de acionistas minoritários e, em última análise, do mercado e de seus investidores com relação aos atos praticados em nome da sociedade, ainda que fisicamente implementados (ou orientados) por seus administradores.

A aludida polêmica societária ainda será aprofundada diante dos próximos acontecimentos que estão por vir. De toda a forma, não se pode perder de vista que as considerações acima reproduzidas podem causar impactos relevantes na dinâmica dos seguros, especialmente nos seguros de responsabilidade para administradores (os seguros D&O).

Os seguros D&O, conforme anteriormente explicitados nesta coluna (parte I, parte II e parte III), essencialmente tutelam os interesses legítimos dos administradores – pessoas físicas -, circunstância que, inclusive, justifica a sua nomenclatura – Directors and Officers liability insurance.

Desta maneira, estruturalmente, esses contratos apresentaram as coberturas A, B e C, na qual A se presta para o pagamento de custos de defesa e indenização diretamente aos administradores, B ao reembolso à sociedade por valores despendidos com a defesa e indenização de seus executivos e C, em particular, tratando-se de cobertura destinada à própria sociedade (a chamada entity coverage), no Brasil, essencialmente dirigida a reclamações pertinentes ao mercado de valores mobiliários.7

A decisão arbitral em referência, proveniente de discussão havida no mercado de bolsa de valores, parece possuir clara aderência com a cobertura C, justamente para fazer frente às possíveis contingências que a sociedade precisará absorver se, como dito, a decisão comentada for, efetivamente, final.

Nada obstante a inovação observada quanto à responsabilização da sociedade ao invés da pessoa física de seus administradores, o que contraria a sistemática prevista no art. 158 da Lei das S.A., fato é que, ao menos sob a perspectiva dos contratos de seguro D&O, esta novidade, ainda assim, disporá do respectivo tratamento.

Portanto, resta aguardar o desenrolar dos próximos capítulos com relação às aludidas novidades em termos de responsabilização da companhia por danos causados a seus acionistas, cuja implementação poderá resultar em maior e mais efetiva proteção aos direitos dos investidores no mercado de capitais brasileiro.

Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-TorVergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFAM).


1 A esse respeito, convém registrar que o tema vem sendo discutido há anos, inclusive no âmbito desta mesma plataforma de difusão do conhecimento jurídico, como exemplifica o artigo “Confidencialidade de arbitragem é relativizada” elaborado por Fernando Eduardo Serec e Eduardo Rabelo Kent Coes, em 13.09.2010, e veiculado nesta mesma plataforma (https://www.conjur.com.br/2010-set-13/confidencialidade-arbitragem-relativizada-mercado).

2 Há muito, já se superaram as discussões a respeito da possibilidade de direitos disponíveis envolvendo sociedades de economia mista, cujos atos societários apresentam clausula compromissória de submissão ao litígio arbitral, como bem ilustra o dispositivo incluído pela Lei nº 13.129/15 como artigo 1º, p. 1º, da Lei nº 9.307/96, assim como os precedentes: STJ, 1ª T., MS nº 11.308, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 19/5/2008; STJ, 2ª T., REsp nº 606.345, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 8/6/2007; e STJ, 2ªT., REsp nº 612.439, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJ 14/9/2006.

3 Para ilustrar o paralelo EUA e Brasil, convém registrar a notícia veiculada nesta mesma plataforma sobre o tema, em 06.01.2018, por Pedro Canário: https://www.conjur.com.br/2018-jan-06/petrobras-mira-arbitragens-acoes-individuais-brasil-eua. Além disso, destaca-se o artigo elaborado pelo Professor Arnoldo Wald em 09.04.2018 sobre o tema (https://www.conjur.com.br/2018-abr-09/arnoldo-wald-petrobras-tratar-acionistas-igualdade), bem como as entrevistas do Prof. Modesto Carvalhosa sobre o tema (por todos, cite-se: CARVALHOSA, Modesto – A Virgindade da Lei Anticorrupção. O Estado de S.Paulo, 29 de janeiro de 2015 (http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-virgindade-da-lei-anticorrupcao-imp-,1626377).).

4 Tratam-se, respectivamente, das normas contidas nos artigos 153 a 159 e 245, da Lei nº 6.404/76 e nos artigos 116, 117 e 246, dessa mesma lei.

5 Sobre o tema, destaque-se, por todos: PEDREIRA, José Luiz Bulhões e FILHO, Alfredo Lamy. Estrutura da Companhia, in Direito das Companhias, 2 ed, Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 563.

6 Código Civil. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

7 No exterior, há uma considerável maior abrangência atribuída à entity coverage: “Under corporate D&O forms, entity coverage applies only to claims involving securities issued by the corporate entity. The most familiar claims to which entity coverage applies are shareholder class action suits alleging that management’s errors or omissions caused a drop in the corporation’s share price and ultimately a loss to the shareholders. In contrast, under D&O forms written for nonprofits and privately held organizations, entity coverage is truly that—the corporate entity is covered for all types of claims (unless excluded), including those involving securities issued by the organization. (Admittedly, the securities exposure is minimal for privately held firms and nonexistent for nonprofits.) The fact that the entity coverage within nonprofit and private company D&O forms is not restricted to securities-related claims creates a strong selling point for such policies. While there is no limit to the kinds of scenarios under which these entities could be named in a nonsecurities lawsuit, representative claims might include allegations that the entity did one of the following: – Breached a contract to supply or buy certain goods or services; – Used a preacquisition due diligence process as a ruse to gain information about a competitor; – Hired away several of a competitor’s key personnel, who then revealed their former employer’s trade secrets. While none of these types of claims against the company would be covered under the entity coverage found within a D&O policy written for a publicly held company, they would be covered by a policy written for a nonprofit or privately held company.” (BREGMAN, Bob e JORDAN, Sean. 20 ways to improve directors and officers liability coverage or practices. In IRMI D&O compass. March 2017. Disponível em https://www.irmi.com/free-newsletters/d-o-compass/, visitado em 7.9.2017.

Autores

  • é advogado e parecerista, doutor em Direito Civil pela Uerj, mestre em Regulação e Concorrência pela Universidade Cândido Mendes (UCAM), pós-Graduado em Direito Empresarial LLM pelo IBMEC, professor convidado da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ), da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e da Escola Nacional de Seguros (ENS-Funenseg), membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Civil Contemporâneo (RDCC), e sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados Associados.

  • é advogado e parecerista. Doutorando e Mestre em Direito de Empresa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Pós-Graduado em Finanças pelo Instituto COPPEAD/UFRJ. Professor contratado de Direito Empresarial da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis – FACC da UFRJ e professor convidado da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ, da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (RJ), do MBA em Finanças do Instituto COPPEAD/UFRJ (RJ) e da Escola Superior de Advocacia Pública – ESAP da PGE/RJ. Sócio de Chalfin, Goldberg & Vainboim Advogados.

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