
O Superior Tribunal de Justiça encerrou 2019 com o recorde histórico de 69.228 habeas corpus julgados e a preocupação de que a ampliação do seu uso inviabilize o trabalho nas turmas que julgam matéria criminal. Levantamento feito pelo Anuário da Justiça Brasil 2020, que tem lançamento previsto para maio, mostra que nos últimos cinco anos o julgamento de HCs na corte mais que dobrou, apresentando uma variação de 112,7% e dificultando a definição de teses qualificadas pelos ministros.
É fato que não foram só os HCs que aumentaram o volume de trabalho na 3ª Seção e nas 5ª e 6ª Turmas. Nos últimos cinco anos, dentre os principais ramos do Direito julgados pelo STJ, o penal foi o que mais cresceu quanto ao recebimento de recursos: foi de 57.398 em 2013 para 120.326 em 2019, mais que o dobro. Apenas o Direito Civil traz mais casos à corte — ao todo, foram 146.229 no último ano.
As peculiaridades do Habeas Corpus, no entanto, têm elevado as críticas dos ministros e a preocupação com a produtividade. Embora possam ser distribuídos a todos os ministros, sua incidência é majoritária nos colegiados que julgam matéria criminal. Dados do STJ provam a evolução da incidência de HCs na corte. A série histórica da década mostra que o número de feitos distribuídos cresceu 90% desde 2010, enquanto o de decisões subiu 145%.
Distribuídos | Variação | Julgados | Variação | |
---|---|---|---|---|
2019 | 68.059 | +22,7% | 69.228 | +19,1% |
2018 | 55.450 | +16,9% | 58.111 | +16,1% |
2017 | 47.415 | +25,8% | 50.048 | +21,5% |
2016 | 37.667 | +14,2% | 41.185 | +26,5% |
2015 | 32.972 | +21,3% | 32.547 | +19,9% |
2014 | 27.169 | +16,8% | 27.131 | -12,5% |
2013 | 23.252 | -28,2% | 31.032 | -16,8% |
2012 | 32.427 | -10,2% | 37.336 | +6,5% |
2011 | 36.125 | +0,8% | 35.057 | +24,1% |
2010 | 35.820 | - | 28.229 | - |
Isso fez com que as 5ª e 6ª Turmas, historicamente as de menor distribuição, tenham tomado a dianteira em relação às demais: desde novembro, são as que mais recebem casos. Em dezembro, cada uma recebeu 22% da distribuição total da corte. Ministros consultados pelo Anuário da Justiça afirmam que, em alguns momentos de 2019, receberam distribuição diária de mais de 40 HCs.
"Na prática, torna-se quase que inviável o trabalho. Você passa o dia só despachando Habeas Corpus", diz o ministro Sebastião Reis Júnior. "Poucas questões são discutidas por recurso especial. O objetivo do Tribunal é esse: usar o recurso especial para uniformizar a jurisprudência. Mas o Habeas Corpus tomou espaço. De 70% a 80% dos processos são Habeas Corpus", complementa.
"O grande número de Habeas Corpus muitas vezes não permite que a Seção forme precedentes qualificados a partir de recurso especial. Como temos mais de 60% de nossos gabinetes formado por HCs, não conseguimos, muitas vezes, discutir teses que geram o precedente vinculativo", lamenta o ministro Joel Ilan Paciornik.

Causa e consequência
O último ano que a corte terminou com número menor de HCs apreciados em relação ao ano anterior foi 2014. Segundo o ministro Rogério Schietti, houve uma "migração" por parte dos advogados, que deixaram o recurso especial de lado e passaram a interpor Habeas Corpus cada vez mais cedo durante a marcha processual.
A ministra Laurita Vaz credita esse aumento a dois fatores: o aparelhamento das Defensorias Públicas, o que considera positivo, e à resistência de desembargadores e juízes em seguir precedentes das cortes superiores. "Muitas vezes, advogados não encontram outro remédio que não o Habeas Corpus contra decisões de tribunais de apelação que não observam muito as orientações das cortes superiores", concorda o ministro Joel Ilan Paciornik.
"Todos nós temos uma parcela de culpa. O Judiciário, quando não fundamenta idoneamente as decisões; os advogados, quando sobrecarregam impetrando sucessivos HCs discutindo a mesma questão; o Ministério Público, por sua vez, quando manifesta, em algumas situações, uma vontade de recorrer em casos nos quais não há uma perspectiva de um ganho real com recurso", exemplifica o ministro Rogério Schietti.
O maior salto no julgamento de Habeas Corpus pelo STJ aconteceu em 2016: aumento de 26,6%. Em fevereiro daquele ano, o STF mudou a jurisprudência para permitir a execução da pena após condenação em segundo grau, considerando que não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência. Mesmo sem força vinculante, o precedente foi adotado em todo o país e depois confirmado pelo Supremo em outubro, desta vez sob a ótica do artigo 283 do Código de Processo Penal (CPP). No ano seguinte, a distribuição de HCs no STJ cresceu 25,8%.
Esse cenário, revertido em novembro de 2019, fez com que advogados e partes não pudessem mais esperar o trânsito em julgado das decisões para apresentar o HC, já que havia possibilidade de prisão iminente de seus clientes. Esse fator é apontado por ministros como uma das principais causas do incremento de HCs na corte. Com a mudança da jurisprudência no STF, a expectativa é de diminuição da incidência de HCs. Além disso, os ministros estudam saídas para racionalizar seu uso processual.

Soluções
Uma das soluções possíveis já está em andamento no STJ: a 3ª Seção discute os limites do HC quando ele é interposto ao mesmo tempo em que tramita uma apelação. A proposta é analisar se, nessas hipóteses, pedidos que não tenham a ver com a liberdade de locomoção do réu devem ser conhecidos. Ministros defendem que a discussão sobre o tema seja ampliada.
"O Habeas Corpus está tomando uma abrangência que a gente não pode deixar de considerar. É um instrumento democrático, mas deveria, talvez, ter uma limitação de incidência exatamente para que a gente pudesse se dedicar com mais atenção a esse remédio jurídico que é tão importante. O receio é que ele venha a ser banalizado e isso prejudique o instituto", afirma o ministro Antonio Saldanha Palheiro.
O ministro Joel Ilan Paciornik cogita a instituição de mecanismos dentro do processo penal que se mostrem mais efetivos para determinadas hipóteses hoje tratadas via Habeas Corpus. "Se tivéssemos algo semelhante, digamos, ao agravo no processo civil — é um feito praticamente dentro do mesmo processo e decidido de forma mais rápida, sem que se tenha que distribuir outro processo", explica.
Em 2019, 24% dos Habeas Corpus recebidos pelo STJ não foram conhecidos, 50,2% foram negados e 1,6% se encaixaram na categoria "outros". Mas 24,3% tiveram pedidos concedidos, o que indica que quase uma em cada quatro vezes que o Judiciário é chamado a analisar alguma irregularidade ou ilegalidade, ela é procedente.
"Vejo necessidade de mudar a mentalidade das pessoas, ou seja: usar mais as cautelares. Tem que reestruturar o Judiciário, porque várias questões que são discutidas por meio de Habeas Corpus são falhas do Judiciário", aponta o ministro Sebastião Reis Júnior.
Comentários de leitores
7 comentários
Professor Edson e Analucia são exemplos de pensadores atuais
Saul Godman (Advogado Associado a Escritório - Criminal)
Os comentaristas Professor Edson (professor de Direito?Acudam-nos!) e Analucia, bacharel em direito de família (?) são grandes exemplos de pensadores jurídicos atuais.
Um diz que Habeas Corpus de ofício é anomalia. Mas é claro! Imagine só: um Ministro de Corte Superior se depara com situação teratológica, uma prisão absurda, cognoscível de imediato, com uma única olhadela, em HC que desafia a súmula nº 691 do STF... Como deve proceder? Deve negar seguimento e fingir que não viu. Deve determinar que se espere uns 3 meses para que o TJ/TRF julgue o mérito da questão. E a pessoa que está presa? A pessoa que está presa que se dane. Quem está preso é bandido. A polícia não erra. O MP não erra. Os tribunais não erram. Não é necessário tutelar a liberdade durante o processo. TEM QUE PRENDER LOGO ESSA GENTE!
Claro.
Professor, leia um livro de processo penal. Estude o Habeas Corpus. Para de falar asneiras. O senhor não tem um comentário com base jurídica, apenas seus achismos morais.
A Analucia, por sua vez, ideologiza a questão e afirma que as prisões tem a ver com "petismo" ou o afastamento dele. Como não há mais petismo, então, agora os bandidos vão ficar presos.
Pergunta-se: as eleições foram para o judiciário? Que raios tem a ver o fim de um determinado governo e advento de outro com as decisões de todos os tribunais do país em matéria de HC?
É uma coisa tão sem nexo. Por Deus!
A pessoa enxerga o PT em tudo.
A Analucia não tem a mínima noção sobre competência e repartição de atribuições de órgãos de Estado, certamente. Só assim para associar governos ao aumento/diminuição de habeas corpus (que tem a ver com o judiciário) com o governo de momento (executivo).
É este o nível dos pensadores.
De Direito, nada sabem. Acham que Direito é Política e Moral.
Insubordinação Institucional
Radgiv Consultoria Previdenciária (Advogado Autônomo - Previdenciária)
Os HCs aumentaram e continuarão aumentando porque uma boa parte dos juízes criminais de São Paulo continuam determinando prisões indevidamente. Nem sequer analisam cabalmente as condições do flagrante, etc. Pior que isso é que são secundados por algumas câmaras criminais do TJSP, que não concedem a liminar em sede de Habeas Corpus, porque são conhecidas como “Duras, Rígidas e outros péssimos adjetivos do tipo”. Lamentável! Está na hora do STJ determinar em colegiado uma Súmula repetitiva sobre o assunto para findarem os abusos. Depois da Súmula, vamos aplicar a lei de abuso de autoridade aos juízes e desembargadores que a afrontarem, somente assim acabará o excesso de habeas corpus no STJ. Vamos ver...
mesmo Jose R ? Aumentou número de prisões ou de crimes ?
analucia (Bacharel - Família)
mesmo JR ? Aumentou número de prisões ou aumento número de crimes ?
Felizmente o número de novas prisões vai diminuir, pois não se vai soltar bandido facilmente como no petismo. Agora, se for preso, fica preso.
Comentários encerrados em 08/03/2020.
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