Desvio de Finalidade

Defensoria da União diz que nomeação na Palmares desafia a Constituição

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19 de fevereiro de 2020, 16h28

A Defensoria Pública da União recorreu nesta terça-feira (18/2) contra a decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, que autorizou a nomeação do jornalista Sérgio Camargo para a Fundação Palmares. 

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Camargo foi nomeado para presidir fundação
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No pedido, a DPU diz que a indicação “desafia a própria Constituição” e configura desvio de finalidade, uma vez que os posicionamentos de Camargo colidem frontalmente com os objetivos da instituição que ele pretende presidir. 

De acordo com o recurso, o currículo e histórico do indicado “o habilitam exclusivamente para causar a deletéria redução da proteção ao direito à igualdade dos negros, desafia a própria Constituição Federal, no que abre flanco permissivo à implementação de políticas públicas voltadas à desconstrução dos avanços historicamente alcançados pela sociedade brasileira”. 

"Valores éticos"
Ao autorizar a ida de Camargo à Fundação Palmares, o presidente do STJ considerou haver “aparência de normalidade” na nomeação, já que ela é de livre escolha do presidente da República; que o fato do nomeado eventualmente “ter se excedido em manifestações em redes sociais” não autoriza “juízo de valor acerca de seus valores éticos e morais”; e que “o cotejo entre as opiniões tornadas públicas pelo nomeado e os propósitos da Palmares escapam do controle judicial da finalidade da portaria de nomeação”. 

Para a DPU, no entanto, os posicionamentos públicos de Camargo não podem ser reduzidos ao mero cometimento de excessos nas redes sociais, tal como afirma o ministro do STJ. 

“E aqui não se cogita de bravatas empolgadas pelo ambiente virtual ou de singulares excessos nas manifestações em redes sociais, como consignado na decisão agravada; ao contrário, Sérgio de Camargo Ostenta um ethos singular estruturado sobre a sistemática defesa negacionista do racismo e o discurso estofado pelas ideias de que a escravidão foi benéfica ‘para os descendentes’, de que não há ‘racismo real’, e de que o ‘movimento negro’ deve ser extinto”, afirma. 

Ainda de acordo com o recurso, “resulta evidente a nulidade da nomeação de Camargo para a Presidência da Fundação Palmares, porque se tem aí finalidade desviante do daquela exigida pela Constituição Federal para a proteção do direito fundamental à igualdade”. 

Função incompatível
A nomeação havia sido suspensa no início de dezembro do ano passado pelo juiz Emanuel José Matias Guerra, da 18ª Vara Federal de Sobral (CE). Na ocasião, o magistrado considerou que a Fundação Palmares “é toda voltada à promoção e preservação da cultura afro-brasileira, além do combate ao racismo e identificação e reconhecimento dos remanescentes de comunidades quilombolas”. 

No entanto, prossegue, em diversas publicações Camargo se dedicou “a ofender justamente o público que deve ser protegido pela fundação", o que configura desvio de finalidade. 

Camargo se define como um “negro de direita, contrário ao vitimismo e ao politicamente correto”. Em seu Facebook, ele afirmou que a escravidão foi terrível, “mas benéfica para os descendentes”, e que “cotas raciais para negros são mais que um absurdo”. 

O nomeado também já disse que a ativista negra Angela Davis é uma “comunista mocreia assustadora”; sugeriu medalha “a branco que meter um preto militante na cadeia por crime de racismo”; e afirmou que Marielle Franco, vereadora assassinada do Rio de Janeiro, “não era negra, mas autodeclarava-se negra por conveniência política”.

Clique aqui para ler recurso da DPU

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