"Identificação desnecessária"

Nova condenação de Lula volta a dispensar ato de ofício

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7 de fevereiro de 2019, 11h20

Ao condenar o ex-presidente Lula nesta quarta-feira (6/2) a mais 12 anos e 11 meses de prisão, no caso envolvendo o sítio de Atibaia (SP), a juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba, considerou não ser necessária a identificação de um “ato de ofício” como presidente da República para condená-lo pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.

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Lula foi condenado a mais 12 anos e 11 meses de prisão, desta vez no caso envolvendo o sítio de Atibaia (SP)
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“Filio-me à posição que entende que a identificação de tal ato não é necessária para a configuração do delito, acolhendo neste ponto o entendimento atual do TRF-4, que bem enfrentou o tema no julgamento da apelação da ação penal 5046512-94.2016.4.04.7000, assim constando na ementa do acórdão proferido em 24/01/2018 por unanimidade”, defendeu, citando a decisão da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que reafirmou a condenação de Lula no processo do triplex.

A nova decisão não traz nenhum efeito prático imediato para a condição do ex-presidente, preso desde abril do ano passado, e sua defesa ainda pode recorrer. Mas piora a situação de Lula em um momento em que o Supremo Tribunal Federal se prepara para rediscutir a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância.

A decisão da juíza Gabriela Hardt, no entanto, foi criticada por especialistas ouvidos pela ConJur devido à frágil argumentação. Ao analisar o caso, o jurista Lenio Streck disse que o processo penal brasileiro fabrica próteses para fantasmas. Segundo ele, a sentença admite que o juiz pode completar a prova que falta.

"É como se em uma cirurgia o médico trocasse a veia aorta pela perna torta. Além disso, a pena é descomunal. Se o réu tivesse matado alguém, a pena seria menor. Afora a desconsideração dos laudos defensivos. Isso acontece quando ignoramos a Constituição e o Estatuto de Roma, incorporado pelo Brasil, que diz que a acusação deve buscar provas para a acusação e a defesa."

Streck ainda comparou a decisão a um queijo suíço. "Uma sentença que, em 2019, baseia-se na verdade real tem um problema de fundamento histórico-filosófico, porque se funda em algo que não existe, que nunca foi provado. Duas vezes a juíza se reporta à verdade real. Verdade real é uma ficção. Lamentável que isso ainda aconteça. A Teoria do Direito no Brasil fracassou."

O advogado Marcellus Pinto, ao analisar tecnicamente a decisão, afirma que a juíza fez apontamentos relevantes sobre a pena. Para ele, uma nova condenação poderá alterar o cálculo de tempo de progressão. "Outro fator que chama a atenção é que nos crimes contra a administração pública a progressão está condicionada à reparação do dano, o que foi expressamente colocada na decisão e que pode agravar a situação do ex-presidente", diz.

Já o criminalista Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, critica o fato de o processo do sítio de Atibaia ser julgado por uma juíza do Paraná. "Não conheço o processo para uma análise técnica, mas posso assegurar que causa espécie em toda a comunidade jurídica o fato de que o processo do sítio de Atibaia seja julgado por uma juíza do Paraná. Todo cidadão tem o direito de ter um julgamento justo e por um juiz natural, que é um preceito constitucional", avalia.

Segundo Kakay, assim como no caso do apartamento de Guarujá, o processo analisado “é um vício de origem que deve anular o processo nessa jurisdição nacional que se tornou a 13ª Vara [Federal de Curitiba]".

Decisão lógica
Para Daniel Bialski, advogado criminalista, a decisão é lógica e dentro das premissas. "Lula interferiu nas benfeitorias e isso é o que basta. A juíza reconheceu que o ex-presidente usou do cargo para receber vantagens."

Vera Chemim, advogada constitucionalista, avalia que fica difícil acreditar que Lula seja um “preso político” diante do material do processo. “A reunião de provas periciais, documentais e testemunhais acrescidas de acordos de colaboração premiada de alguns dos membros envolvidos naquelas operações ilícitas possibilitaram a evidência de fortes indícios, que serviram de elos para a comprovação definitiva do cometimento dos crimes do ex-presidente e a sua consequente condenação”, diz.

Segundo a advogada, apesar de tais considerações, “fica um ponto de interrogação, mesmo ciente da dificuldade em se reunir elementos que formem a convicção de culpa do ex-presidente diante da complexidade daquela organização: não se conseguiu provar que o sítio seria de sua propriedade”.

Responsabilidade indevida
Em nota, a defesa de Lula afirmou que a sentença segue a mesma linha da sentença proferida pelo ex-juiz Sergio Moro, que condenou Lula sem ele ter praticado qualquer ato de ofício vinculado ao recebimento de vantagens indevidas.

"Uma vez mais a Justiça Federal de Curitiba atribuiu responsabilidade criminal ao ex-presidente tendo por base uma acusação que envolve um imóvel do qual ele não é o proprietário, um “caixa geral” e outras narrativas acusatórias referenciadas apenas por delatores generosamente beneficiados", diz a defesa.

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