Juiz e governador

Diferentemente de Dilma, impeachment de Pezão também será julgado por magistrados

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9 de dezembro de 2018, 6h58

O processo de impeachment do governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (MDB), e de seu vice, Francisco Dornelles (PP), será consideravelmente diferente do que culminou com a destituição da presidente Dilma Rousseff (PT). Especialmente porque o procedimento fluminense também terá desembargadores como julgadores, não apenas parlamentares. E o impeachment de Pezão e Dornelles poderia, em tese, ser presidido e julgado pelo presidente do Tribunal de Justiça do Rio enquanto ele exercesse a função de chefe do Executivo local.

Fernando Frazão/Agência Brasil
Governador Pezão está preso preventivamente desde 29 de novembro.
Fernando Frazão/Agência Brasil

Pezão foi preso preventivamente em 29 de novembro por decisão do ministro Felix Fischer, do Superior Tribunal de Justiça. No pedido de prisão, a Procuradoria-Geral da República argumentou que o esquema de corrupção estruturado pelo ex-governador Sérgio Cabral (MDB) foi mantido por Pezão e segue ativo. Solto, o governador poderia dificultar ainda mais a recuperação dos R$ 39 milhões que supostamente recebeu de propina, aponta a PGR.

Nesta terça-feira (4/12), a mesa diretora da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aceitou, por 6 votos a 1, a solicitação do Psol para abertura de processo de impeachment contra Pezão e Dornelles, que assumiu o governo após a prisão do governador. O pedido lista diversas práticas que são denunciadas como crime de responsabilidade. Entre elas, o descumprimento de decisões judiciais, a não aplicação do mínimo constitucional na área de saúde, e crimes contra a guarda e o emprego do dinheiro público na conservação do patrimônio do Rioprevidência, um fundo de previdência dos servidores estaduais.

O processo de impeachment de Pezão e Dornelles será guiado pelas regras da Lei dos Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/1950). O presidente em exercício da Alerj, André Ceciliano (PT), deu 48 horas para que os 17 partidos da Casa indiquem representantes para a Comissão Especial que irá analisar a admissibilidade da denúncia. A ordem foi publicada na edição desta sexta-feira (7/12) do Diário Oficial do estado do Rio.

Depois de indicados, a Comissão Especial terá outras 48 horas para se reunir e eleger relator e presidente. Em 10 dias úteis, ela deverá emitir parecer sobre a denúncia contra Pezão e Dornelles. Esse documento será então lido no Plenário da Alerj. Os deputados, no limite máximo de cinco por partido, poderão discutir o parecer pelo prazo máximo de uma hora, e o relator responderá aos questionamentos. Encerrado o debate, será aberta a votação nominal sobre a admissibilidade da denúncia.

A Constituição do Rio de Janeiro, no artigo 147, estabelece que ficará instaurado o processo de impeachment contra governador se dois terços dos deputados estaduais forem a favor da medida. Contudo, o STF declarou essa exigência inconstitucional em 2017. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.772, o ministro Luiz Fux entendeu que estado não pode regular processo de impeachment. O magistrado baseou sua decisão na Súmula Vinculante 46: “A definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento são da competência legislativa privativa da União”. Assim, será exigida apenas maioria simples para se instaurar o procedimento de impedimento de Pezão e Dornelles.

Caso a denúncia seja aprovada, governador e vice terão um prazo (ainda não definido) para apresentar contestação. Depois disso, a Comissão Especial emitirá parecer sobre a procedência ou improcedência da denúncia. O documento precisa ser referendado por dois terços dos deputados para o processo prosseguir.

Se isso ocorrer, Pezão e Dornelles serão afastados. Nesse cenário, quem deveria assumir o cargo seria o presidente da Alerj, Jorge Picciani (MDB). Só que ele está em prisão domiciliar. O primeiro vice-presidente da assembléia, Wagner Montes (PRB), está fora da Casa por licença médica. André Ceciliano, o segundo vice-presidente da Alerj e atual presidente em exercício, disse que não poderia assumir o governo, uma vez que é interino do interino. De acordo com ele, quem se tornaria chefe do Executivo fluminense seria o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Milton Fernandes de Souza.

Aí ocorreria uma situação insólita e paradoxal. Com a continuidade do processo, Souza será notificado para formar o tribunal misto de julgamento – o que deverá acontecer em até cinco dias. A corte ad hoc será composta de cinco deputados estaduais, eleitos pela Alerj para exercer a função, e cinco desembargadores, escolhidos por sorteio. Pelas regras da Lei dos Crimes de Responsabilidade, o presidente do TJ-RJ comandará o julgamento e terá voto de minerva em caso de empate. Em última instância, caberia a ele decidir se deverá virar governador do Rio ou não – isso se a questão não fosse judicializada, e Souza declarado suspeito ou impedido para presidir e julgar o caso.

O processo de impeachment de Pezão e Dornelles não terminará até o fim de 2018, quando acabam os mandatos dos dois. Logo, Souza não julgará se ele deve ser governador, pois Wilson Witzel (PSC) tomará posse no cargo em 1º de janeiro. Entretanto, o procedimento continuará em 2019 para que os deputados decidam se eles devem ficar cinco anos inabilitados para o exercício de funções públicas.

Natureza dupla
A presença de magistrados no julgamento do processo de impeachment de Pezão e Dornelles pode ajudar a mitigar uma das falhas do instituto: a sua natureza dupla.

No Brasil, exige-se a prática de crime de responsabilidade para o impeachment de presidente, mas o processo é julgado por parlamentares. Logo, o Brasil não tem um processo criminal, como a Inglaterra, nem um processo político, como os EUA, e sim um processo político-jurídico.

Essa natureza dúplice é responsável pela grande insegurança sobre o impeachment no Brasil. É preciso que a autoridade tenha cometido crime de responsabilidade, mas os parlamentares não precisam fundamentar seus votos, como é exigido de magistrados, e acabam decidindo por conveniência política.

Um exemplo disso está na declaração da senadora Rose de Freitas (PMDB-ES) sobre as reais causas do processo contra Dilma. "Na minha tese, não teve esse negócio de pedalada, nada disso. O que teve foi um país paralisado, sem direção e sem base nenhuma para administrar".

Tal falta de certeza faz com que o processo de responsabilização de autoridades brasileiro seja falho, e causador de instabilidades institucionais e econômicas, afirmaram especialistas à ConJur na época do impeachment de Dilma Rousseff.

Processo de Dilma
Em dezembro de 2015, o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (MDB-RJ), aceitou pedido de impeachment de Dilma Rousseff. A presidente foi acusada de praticar crime de responsabilidade ao atrasar repasses aos bancos estatais, na prática conhecida como pedaladas fiscais, e ao assinar decretos autorizando a abertura de créditos suplementares sem a autorização do Congresso.

Marcello Casal Jr / Agência Brasil
Dilma foi a segunda presidente do Brasil a sofrer impeachment em 24 anos.
Marcello Casal Jr / Agência Brasil

Cunha decidiu que o processo de impeachment de Dilma seguiria o rito previsto no regimento interno da Câmara dos Deputados. O PCdoB então moveu arguição de descumprimento de preceito fundamental no Supremo Tribunal Federal. O partido pediu que a corte definisse que trechos da Lei dos Crimes de Responsabilidade eram compatíveis com a Constituição de 1988.

O Supremo decidiu que o processo deveria ser semelhante ao aplicado em 1992 ao presidente Fernando Collor – com algumas diferenças diante do roteiro exposto na Lei dos Crimes de Responsabilidade, por causa da Constituição de 1988. Uma das grandes questões era se o Senado, ao instaurar o processo, pode ou não entender que a denúncia de impeachment não deveria ser recebida. A definição é importante porque, depois da instauração do processo, o presidente fica afastado do cargo durante 180 dias.

A Constituição, em seu artigo 86, estabelece que, “admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”. Já a Lei dos Crimes de Responsabilidade, no artigo 80, determina que, em processos de impeachment, “a Câmara dos Deputados é tribunal de pronúncia e o Senado Federal, tribunal de julgamento”.

Por oito votos a três, o Supremo entendeu que o Senado tem, sim, o poder de decidir pela não instauração do processo, contrariando o voto do relator, ministro Edson Fachin. Ele avaliou que, como a Constituição diz que cabe à Câmara “autorizar” a abertura do processo e ao Senado “processar e julgar”, a Casa Alta estaria vinculada ao que decidissem os deputados.

No entanto, a maioria seguiu o voto do ministro Luis Roberto Barroso, para quem “o Senado não é carimbador de papéis. A Constituição não diz que um órgão constitucional está subordinado a outro”.

O Plenário do Supremo também definiu que a maioria qualificada de dois terços dos parlamentares só é exigida nas decisões finais das Casas. O relator propunha que, para a aprovação do parecer da câmara especial, seria necessária uma maioria de dois terços dos integrantes. No entanto, venceu Barroso, que propôs a manutenção do rito de 1992. Ou seja, na Câmara só há votação no Plenário, onde é exigida maioria de dois terços dos membros da Casa.

No Senado, havia a dúvida sobre se para a instauração do processo também seria necessária a maioria qualificada ou votos de dois terços dos senadores. Venceu também a posição divergente, segundo a qual a instauração do processo se dá por maioria simples. A maioria de dois terços é exigida apenas na votação do Plenário da Casa, quando da decisão sobre se a presidente será ou não deposta.

Além disso, o STF definiu que todas as votações do Congresso relativas ao processo de impeachment devem ser abertas, nunca secretas.

Com base no roteiro fixado pelo Supremo, a Câmara dos Deputados, em 17 de abril de 2016, aprovou o prosseguimento do processo de impeachment de Dilma. Eram necessários 342 votos favoráveis para que o procedimento tivesse continuidade. Foram 367 votos favoráveis e 137 contra — além de sete abstenções e duas ausências.

O Senado, em 12 de maio, abriu o processo de impedimento da então presidente, por 55 votos a 22 – era preciso ter 41. Dessa maneira, Dilma foi afastada do cargo, e seu vice, Michel Temer, assumiu a Presidência da República. O procedimento foi conduzido pelo ministro Ricardo Lewandowski, à época presidente do STF.

Em seguida, a petista apresentou sua defesa à Comissão Especial do Senado. Este seção elaborou um parecer sobre o mérito das acusações, o qual foi novamente validado pelo Plenário da Casa. Iniciou-se então a terceira e última fase do processo: o julgamento. Após serem ouvidos, mais uma vez, a defesa e a acusação, 61 senadores aprovaram, em 31 de agosto de 2016, a destituição de Dilma.

Contudo, a petista não foi inabilitada para exercer funções públicas por oito anos. 42 senadores votaram por este impedimento, 36, contra, e houve três abstenções. Assim, não houve os dois terços necessários para a imposição dessa pena, e Dilma pôde se candidatar a senadora por Minas Gerais nas eleições de 2018. No entanto, ela ficou em quatro lugar e não se elegeu.

A separação das penas de perda do cargo e inabilitação é polêmica. A Constituição, em seu artigo 52, parágrafo único, estabelece que, nos processos de impeachment, o Senado fica limitado a condenação "à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis".

Ao julgar um Mandado de Segurança do ex-presidente Fernando Collor em 1993, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a condenação à perda do mandato é indissociável da inabilitação.

Temer — que antes de ser presidente foi professor da PUC-SP —, em seu livro Elementos de Direito Constitucional, tem visão semelhante à do STF. "[A inabilitação] Não é pena acessória. É, ao lado da perda do cargo, pena principal. (…) Assim, porque responsabilizado, o presidente não só perde o cargo como deve afastar-se da vida pública, durante oito anos, para 'corrigir-se', e só então deve poder a ela retornar".

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