Aparando arestas

Caixa dois tratará só de recursos lícitos, diz relator das 10 medidas

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2 de novembro de 2016, 13h44

A tipificação do crime de caixa dois no texto do deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), relator do Projeto de Lei 4.850/16, que trata das dez medidas do Ministério Público, abrangerá somente recursos de origem lícita, e a penalidade proposta será de 2 a 5 anos de prisão. A informação foi confirmada pelo próprio parlamentar nessa terça-feira (1º/11).

Segundo o relator, o texto será lido na próxima terça-feira (8/11) para que seja votado na comissão especial — criada em julho — na primeira quinzena de novembro e seguir para o Plenário da Câmara. Antes da mudança havia a expectativa sobre a possibilidade de a tipificação tratar também de recursos ilícitos.

Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados
Lorenzoni restringiu o caixa dois a recursos lícitos. Antes, retirou limitações impostas ao HC no PL 4.850/16.
Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados

Lorenzoni disse que representantes da academia e do Ministério Público ponderaram que já há mecanismos legais, tanto na lei que trata da lavagem de dinheiro quanto na lei sobre crimes financeiros, que preveem a punição dessa prática. Apesar disso, afirmou que vai incluir, nessas regras, a possibilidade de responsabilização eleitoral.

“Recebemos uma sugestão de colocar [a tipificação] na lei de lavagem de dinheiro, que também se aplica a situações na área eleitoral e partidária. Então, a gente fecha completamente o sistema, sem deixar brechas […] Existirão responsabilidades para os dirigentes como pessoa física e para pessoa jurídica do partido, que vão desde multa até a cassação do registro”, afirmou o parlamentar.

O maior temor em torno da criminalização do caixa dois é que, com a tipificação sendo incluída agora, crimes cometidos anteriormente acabem sendo anistiados, já que a Constituição Federal determina que uma lei não pode retroagir em prejuízo de ninguém.

Polêmicas sem fim
O texto sugerido pelo Ministério Público Federal é cercado por polêmicas, que vão desde a limitação ao Habeas Corpus — já retirada do PL — até a permissão para uso de provas ilícitas e de testes de integridade em servidores. Sobre o HC, a ideia do MPF era proibir a concessão da medida de ofício, em caráter liminar e sem prévia requisição de informações ao promotor ou procurador natural.

MPF-GO
MPF critica o uso excessivo de HCs.
MPF-GO

O MPF também queria que o instrumento não pudesse mais discutir nulidades, trancar investigações ou processos criminais em curso. Para todos os casos, haveria exceção apenas para evitar a continuidade de prisão manifestamente ilegal.

Lorenzoni retirou essa parte do texto depois de se reunir com o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. “O Habeas Corpus tem grande representatividade na história brasileira e fundamental importância no dia a dia do nosso complexo sistema Judiciário”, afirmou o deputado.

Braço da lei
O tema divide opiniões. O criminalista Alberto Zacharias Toron, ao falar em audiência pública na Câmara dos Deputados sobre as medidas, foi categórico em relação à restrição ao instrumento: “Essa mudança seria um retrocesso perigoso por se aproximar da definição apresentada para o uso do HC durante o Estado Novo, que garantia o instituto sempre que alguém sofresse ou achasse que estaria na iminência de sofrer violência ou coação ilegal”.

A Folha de S.Paulo, em editorial, afirmou que as 10 medidas do MPF restringem direito de defesa e exacerbam poder de investigação. Para o jornal, que disse estar preocupado com a tentativa de reduzir drasticamente a possibilidade de anular provas, não parece haver necessidade de aumentar hipóteses de prisão preventiva ou limitar o HC. "Se hoje as oportunidades para isso são abundantes, não se pode aceitar que provas ilícitas sejam admitidas, desde que colhidas 'de boa-fé' pela autoridade."

Divulgação/Ascom PR-SP
Para Dallagnol, a abrangência do HC no Brasil dá aos réus oportunidades demais.
Divulgação/Ascom PR-SP

Já o procurador Deltan Dallagnol credita a resistência às medidas do MPF ao regime militar que governou o Brasil entre 1964 e 1985. “Em razão da ditadura no Brasil, uma parte dos criminalistas rejeita qualquer sombra de redução dos direitos de defesa”, disse.

Em relação ao HC, Dallagnol argumentou que a abrangência do instituto no Brasil dá aos réus oportunidades demais. Ressaltou ainda que autoridades estrangeiras se mostram chocados com a quantidade de possibilidades que o acusado tem para usar a ferramenta.

Em editorial, a revista Veja criticou as 10 medidas do MPF por esbarrarem em "absurdos autoritários", como admitir provas ilícitas colhidas de "boa-fé" e limitar o uso do HC. "O princípio central do Habeas Corpus já existia na Inglaterra de Henrique II, em pleno século XII, quando ninguém jamais ouvira falar em um exotismo chamado 'direitos humanos'. E, no entanto, os procuradores brasileiros do século XXI acham que esse instrumento de nove séculos deve ser limitado — numa era presidida pela noção de direitos humanos."

Em audiência na Câmara dos Deputados para discutir o tema, o juiz federal Sergio Moro, responsável pelas ações da operação "lava jato" em primeiro grau, defendeu o uso de provas ilícitas, desde que elas tenham sido obtidas com boa-fé. Ele afirmou que “pessoas que infringem a lei sem intenção de cometer um crime” ou empregados que fazem uma denúncia “em situação conflituosa com sua ética” devem ter suas provas preservadas.

Porém, apesar de ponderar que há uso excessivo de HCs, Moro criticou uma possibilidade proposta pelo MPF: a que prevê que o Ministério Público para questionar a concessão do instituto por meio de Agravo. "Todas as medidas são no sentido de dar agilidade aos processos; não deveríamos criar mais uma etapa nesse procedimento", opinou.

Cortina de fumaça
Em contraponto às 10 medidas, tramita no Congresso proposta de lei que pune o abuso de autoridades. A ideia é criticada por autoridades, que acreditam haver uma espécie de retaliação às investigações promovidas nos últimos tempos e que prenderam políticos e empresários.

O PL pune, por exemplo, com pena de 1 a 4 anos de prisão, a autoridade que efetuar prisão fora das hipóteses legais e sem as devidas formalidades. Também prevê punição similar àqueles que ofenderem a intimidade, a honra ou a imagem de pessoa indiciada em inquérito policial, autuada em flagrante, presa provisória ou preventivamente.

Em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, destacou que juízes e promotores também devem responder pelos seus atos. Segundo ele, as autoridades que atacam "imaginam que devam ter licença para cometer abusos".

Carlos Humberto/SCO/STF
Gilmar Mendes afirma que o combate à corrupção está sendo usado também para defender objetivos corporativistas do poder público.
Carlos Humberto/SCO/STF

Em evento na Associação dos Advogados de São Paulo, Gilmar Mendes também afirmou que o combate à corrupção tem servido para encampar aspirações corporativas de setores do poder público. “Todos dizem que estão tendo restrições de salários porque eles querem combater a corrupção. Talvez tenhamos 18 mil Moros daqui a pouco.”

Sobre a resistência ao projeto de lei que pune o abuso de autoridade, Gilmar Mendes disse que não entende a motivação das críticas. “Estão acima de qualquer questionamento? Quer dizer, os seus atos, os atos do juiz Moro, os atos dos demais juízes, os atos dos promotores, dos delegados.”

O ministro também chamou de exageradas as afirmações de que o PL comprometeria a operação “lava jato”. “Essa lei não está voltada para ninguém especificamente. Ela foi feita em 2009, portanto, ela não podia prever a ‘lava jato’. Ninguém está acima da lei. O projeto é esse. É de pegar desde o guarda de trânsito ao presidente da República e permitir o enquadramento quando houver abuso.” Com informações da Agência Brasil.

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