Opinião

"Dez medidas" restringem direito de defesa e exacerbam poder de investigação

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12 de outubro de 2016, 13h05

*Editorial do jornal Folha de S.Paulo publicado originalmente com o título "Divisível e imperfeito" nesta quarta-feira (12/10).

Organizações sociais e membros do Ministério Público aproveitaram o dia 10/10 para deflagrar campanha a favor do projeto de lei de iniciativa popular conhecido como "dez medidas contra a corrupção.

Não há dúvida de que merecem especial atenção propostas destinadas a incrementar os mecanismos de combate a desvios de recursos públicos no Brasil.

Amparado em mais de 2 milhões de assinaturas, o projeto 4.850/16 reúne inúmeras sugestões interessantes com esse objetivo —outras tantas, porém, restringem em demasia o direito de defesa e ampliam para além do razoável os poderes dos investigadores.

Entre as medidas oportunas destacam-se dispositivos que visam a racionalizar recursos e evitar aqueles que tenham caráter meramente protelatório —com frequência o réu reclama só para ganhar tempo.

Um exemplo nesse campo é a sugestão de que os recursos especial e extraordinário tramitem de forma paralela no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, respectivamente.

Como regra, embora as cortes cuidem de matérias diferentes, a ação é enviada ao STF só depois de passar pelo STJ. Eliminar essa espera desnecessária equivale a uma economia significativa de tempo.

Também é bem-vinda a fixação de um prazo de cinco sessões para devolução dos autos após pedido de vistas. Como inexistem normas rigorosas quanto a isso, juízes distorcem a ferramenta, que em tese deveria ser empregada quando necessitam de mais tempo para estudar o caso —um ministro do STF chegou a manter um agravo sob suas vistas por mais de 19 anos.

Talvez falte ao projeto, contudo, uma punição efetiva a magistrados que não cumprirem o prazo de cinco sessões.

Por outro lado, o pacote inclui diversas alterações que, se adotadas, poderão resultar em verdadeira punição ao investigado. Por exemplo, não parece haver nenhuma necessidade real de aumentar as hipóteses de prisão preventiva ou limitar o alcance do habeas corpus.

Também preocupa a tentativa de reduzir drasticamente a possibilidade de anular provas. Se hoje as oportunidades para isso são abundantes, não se pode aceitar que provas ilícitas sejam admitidas, desde que colhidas "de boa-fé" pela autoridade.

Vale lembrar que o pacote não deve ser tratado como monólito indivisível e perfeito. Cabe aos parlamentares resistir ao efeito rolo compressor que alguns setores tentam acoplar ao projeto e tratá-lo tecnicamente, acatando as boas iniciativas e rechaçando os exageros.

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