Cruzada pessoal

Dallagnol culpa a ditadura por aversão de advogados à redução de direito de defesa

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14 de setembro de 2016, 15h44

No bairro nobre dos Jardins em São Paulo, nesta terça-feira (13/8), o procurador federal Deltan Dallagnol recebia os cumprimentos das pessoas que haviam acabado de assistir sua palestra.  Quando alguém agradecia sua atuação na operação “lava jato”, respondia: a verdadeira mudança depende de você, não de mim.

André Telles
Dallagnol vê um desequilíbrio de direitos no Brasil: o réu é protegido demais, em detrimento da sociedade.André Telles

Durante sua fala de uma hora e meia, na Casa do Saber, repetiu que era apenas um homem comum fazendo seu trabalho. “Eu sou só um menino que gostava andar de skate, surfar e sair com os amigos.” Ao final do evento, de mochila, terno, gravata e um pacote de papel pardo nas mãos recebia os cumprimentos pela palestra.

Sua maior preocupação, diz, é com a falta de punição do Estado brasileiro. Logo no início da palestra, propôs um jogo e pediu que a plateia se lembrasse de casos de corrupção que foram julgados nas três instâncias e terminaram com punição. Lembraram do juiz Nicolau dos Santos Neto, do senador Luís Estêvão e mais três casos.

“Lalau foi para a prisão domiciliar, que é meio nhé (sic)”, comentou Dallagnol, mostrando-se desapontado e deixando de lado que a prisão domiciliar tem sido um padrão para quem faz acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal na operação "lava jato".

Após o "quiz" ter chegado a menos de dez nomes, o homem da “lava jato” provocou: “Isso significa então que não temos corrupção no Brasil”, arrancando risos da plateia, confiante que provou seu ponto. Sua tese é de que o sistema legal brasileiro protege demais o réu e de menos a sociedade e que isso deve ser mudado. Para Dallagnol, as chamadas 10 Medidas Contra a Corrupção, iniciativa da qual é o patrono, são uma forma de reequilibrar essa balança de direitos.

O novo sempre vem
Dallagnol nasceu em 1980 e, portanto, viveu em uma democracia a partir dos seus cinco anos. Sua juventude em oposição com a maturidade de outros operadores do Direito parece terminar em conflito. “Em razão da ditadura no Brasil, uma parte dos criminalistas rejeita qualquer sombra de redução dos direitos de defesa”, disse, em tom de desaprovação.

Segundo o procurador, o ministro Teori Zavascki é imparcial e firme, e por isso dá bom destino para a “lava jato”, caso do qual é relator. “Mas se a relatoria ficasse com alguns dos ministros que são hipergarantistas, o caso teria morrido de início”, alertou, sem citar nomes.

Outra questão que aflige Dallagnol é a abrangência do Habeas Corpus no Brasil. Para ele, os réus têm oportunidades demais para apresentar HCs e, em conversas com colegas estrangeiros, eles se mostram chocados com a quantidade de possibilidades que o réu brasileiro tem para usar a ferramenta.

Eu sou vocês
“Tentem se colocar nos meu lugar”, pede a todo momento Dallagnol. O ministro Gilmar Mendes disse recentemente que apoiar o uso de prova ilícita é atitude de um “absoluto cretino”. O procurador se defende e explica que esse uso de prova ilícita prevista no cânone das medidas é para legitimar quando a polícia, fornida de decisão judicial, colhe uma prova que não pode ser derrubada caso um juiz decida que a tomada do indício foi ilegal.

Ele ressalta que o conceito do uso de prova ilícita foi importado de países democráticos que respeitam os direitos humanos. “Sou uma pessoa como vocês, que respeita os direitos humanos e é absolutamente contrário a tortura. Lá [no Ministério Público Federal] eu sou um Roberto [homem da plateia que fez pergunta], uma Maria [Fernanda Cândido, atriz, também presente], um Rogério [Chequer, líder do movimento Vem pra Rua] tentando fazer o melhor para a sociedade”, disse, citando pessoas da plateia.

As duas esferas
No meio da palestra, Dallagnol abre espaço para que um membro do grupo Mude: Chega de Corrupção fale sobre suas iniciativas. Trata-se de uma entidade que se articulou para conseguir as assinaturas do projetos de dez medidas e que agora promove manifestações ao redor do Brasil para que elas sejam aprovadas na Câmara.

Dallagnol termina convocando todas para a ação, num primeiro momento para lutar pelas dez medidas e depois para outras medidas que a sociedade deseja. “Eu não sei quais são suas desculpas [para não agir]. Eu sabia quais eram as minhas. Entenda qual é sua esfera de poder e, consequentemente, sua esfera de responsabilidade.”

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