Direitos humanos

OEA aceita denúncias contra Justiça brasileira

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23 de fevereiro de 2012, 7h22

OEA/OAS
A Organização dos Estados Americanos (OEA), por meio de sua Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), aceitou e deve julgar diversas reclamações contra o Brasil por violação aos direitos humanos. Entres os casos que estão na CIDH estão desde reclamações por não pagamento de precatórios até casos de desaparecimento, como o de um radialista que sumiu após fazer denúncias contra políticos; e de tortura, como o de um dono de bar, que após ter sido preso acusado de desacato, teria sido torturado por policiais.

O Brasil ratificou a Convenção Americana em 25 de setembro de 1992, comprometendo-se a proteger os direitos humanos por ela protegidos. A partir daí, a CIDH passou a ter competência para julgar descumprimentos destes direitos, que tenham ocorrido a partir da data em que o Brasil assinou a convenção, e cujos recursos internos no país já tenham se esgotado.

Entre outros motivos, a morosidade judiciária (como a de um processo de restituição internacional de crianças, que se arrasta por mais de oito anos) e a falta de ferramentas jurídicas que garantam o cumprimento das decisões judiciais de caráter monetário (precatórios) impostas ao Estado têm levado o Brasil à corte internacional.

Repressão à imprensa

Divulgação
Ivan Rocha - 23/02/2012 [Divulgação]Um dos casos foi investigado pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e submetido à CIDH. É o caso do jornalista e locutor de rádio Ivan Rocha (foto), que desapareceu em abril de 1991 supostamente em virtude das críticas e denúncias de corrupção que fazia em seu programa contra políticos do sul da Bahia. De acordo com a investigação da SIP, houve "irregularidades, pressões e tentativas de conduzir o processo" instaurado pelas autoridades brasileiras para a apuração do caso.

De acordo com a denúncia apresentada à CIDH, Ivan Rocha fazia críticas no programa A Voz de Ivan Rocha contra autoridades que participariam de grupos de extermínio. A causa do desaparecimento do radialista teria sido o programa veiculado no dia anterior, no qual ele anunciou que entregaria às autoridades um relatório com nomes de policiais e políticos envolvidos com crimes. Um dia depois, Ivan desapareceu.

Depois das investigações, dois policiais e um jornalista, que trabalhava em uma rádio de propriedade de um político rival ao grupo para o qual trabalhava Ivan Rocha, foram denunciados pelo sequestro Ivan. No entanto, de acordo com a acusação, a mudança de versão de testemunhas oculares diante da Justiça, inclusive dizendo que inicialmente teriam sido acuadas a depor contra os acusados, fez com que o Ministério Público retirasse a denúncia, o que não impediu a Justiça de condenar o jornalista e um dos policiais. Um segundo policial acusado foi inocentado.

No entanto, ao analisar o recurso, o Tribunal de Justiça da Bahia considerou que as contradições no depoimento da testemunha principal do caso, combinadas com a falta de outros indícios, resultaram na insuficiência de provas para determinar a materialidade do delito e a eventual autoria. Portanto, revogou as condenações. O caso está prescrito desde abril do ano passado.

Para a SIP, o processo penal padeceu de importantes irregularidades. Em maio de 1991, por exemplo, foram encontradas algumas ossadas e roupas que poderiam ter pertencido ao jornalista desaparecido, mas que não foram matéria de uma perícia forense. A entidade ainda chama a atenção para o suposto sequestro da única testemunha ocular do crime. Segundo a SIP, a testemunha foi sequestrada em agosto de 1991, depois de ter declarado a um policial ter visto o jornalista e um dos policiais acusados e outras duas pessoas que não conhecia saírem de um veículo e depois introduzir Ivan Rocha nele.

Finalmente, segundo a SIP, os recursos judiciais sobre o desaparecimento foram esgotados em 1994 e continua existindo impunidade no caso, já que no momento da apresentação da petição haviam transcorrido mais de nove anos desde que terminou o referido processo penal, sem que tivesse sido investigado e eficazmente punidos os responsáveis pelo crime. Afirma a SIP que ainda não se sabe o paradeiro do radialista. Com base nestas considerações, a SIP aduz que o Estado é responsável por violações de diversos artigos da Convenção Americana.

Na CIDH, além de defender a decisão do TJ, que “inocentou com base em testemunhos contraditórios”, o Brasil defende que Comissão Interamericana não é competente para examinar a petição com base na Convenção Americana, já que os fatos alegados ocorreram em 22 de abril de 1991, mais de um ano antes da ratificação da Convenção Americana. Além disso, argúi que como a denúncia foi feita nove anos depois do trânsito em julgado no Brasil, não poderia ser aceita pelo CIDH por prescrição do prazo para reclamar.

Mas para a comissão, o radialista Ivan Rocha é uma pessoa física a respeito da qual o Estado brasileiro se comprometeu a garantir os direitos consagrados na Convenção Americana, de maneira que a CIDH tem competência ratione personae para examinar a petição. A competência ratione materiae se dáporque a petição se refere a supostas violações de direitos humanos protegidos pela Convenção Americana e pela Declaração Americana”.

A respeito da prescrição (competência ratione temporis), a CIDH aponta que o desaparecimento do radialista ocorreu em abril de 1991, antes que o Brasil ratificasse a Convenção Americana, em 25 de setembro de 1992. Não obstante, a CIDH toma nota de que, “para os fatos ocorridos a partir de 25 de setembro de 1992, ou aqueles que possa considerar oportunamente como uma situação de violação continuada de direitos que continuasse existindo depois daquela data, a Comissão Interamericana também tem competência ratione temporis para examinar esta petição sob a Convenção Americana”.

Em sua decisão, a CIDH ressaltou que a jurisprudência constante do Sistema Interamericano em casos de desaparecimento forçado de pessoas indica que este fenômeno constitui um fato ilícito que gera uma violação múltipla e continuada de vários direitos protegidos pela Convenção e deixa a vítima completamente indefesa, acarretando outros delitos conexos”. Nesse sentido, a Comissão Interamericana observa que se forem provadas as alegações da SIP em relação ao suposto desaparecimento forçado do radialista, assim como as alegações referentes à denegação de justiça e a falta de esclarecimento dos fatos, poderiam caracterizar violações de diversos da Convenção Americana.

Considerou, por fim que, “em virtude do princípio iura novit curia, a CIDH declara esta petição admissível também no que se refere a possíveis violações de diversos artigos da Convenção Americana.

Tortura
De acordo com outra reclamação, Hildebrando Silva de Freitas teria sido arbitrariamente detido por policiais em 1997, quando estes tentavam fechar o seu bar, por falta de licença para funcionamento. Foi acusado de desacato, porque questionou as ações da polícia, e não foi imediatamente informado das acusações que lhe eram imputadas.

A defesa de Hildebrando Silva alega que, desde o momento de sua detenção e durante sua prisão numa delegacia, esteve sujeito a violência nas mãos dos agentes da polícia estadual, o que configura tortura e violação da integridade pessoal.

A reclamação junto ao CIDH foi feita pela Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), que alegam que, apesar das queixas apresentadas pelo dono do bar às autoridades competentes, o Estado não puniu as violações alegadas. As entidades concluem que os fatos alegados constituem violação a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura.

O primeiro inquérito policial aberto para apurar o caso foi arquivado pela polícia, que entendeu que houve falta de provas de abuso de autoridade, e que Hildebrando Silva havia auto-infligido as lesões ao resistir à prisão.

Em junho de 2000, a SDDH apresentou novas provas às autoridades em nome do dono do bar — declarações de três novas testemunhas — e obteve a reabertura da investigação mediante decisão judicial. Segundo a entidade, nessa mesma data, o MP apresentou uma denúncia acusando seis policiais de tortura contra Hildebrando Silva. A Justiça aceitou formalmente a denúncia, mas, após uma série de agravos de instrumento interpostos pelos acusados, a denúncia foi rejeitada por uma decisão judicial proferida em agosto de 2003. A entidade que defende Hildebrando Silva observa que, já que o MP não recorreu dessa decisão, o dono do bar apresentou recurso em sentido estrito em novembro de 2003.

Contudo, o recurso foi rejeitado em 2006 com base em que, “diante da ausência de recurso impetrado pelo MP — a suposta vítima e seus representantes, atuando como assistentes de acusação, não tinham capacidade legal para apresentar tal recurso autonomamente segundo o direito processual brasileiro”. Portanto, indica a defesa de Hildebrando Silva que a Justiça afirma que a petição não preencheu os requisitos de admissibilidade, já que os recursos internos foram buscados e esgotados, e a petição foi protocolada dentro dos seis meses após a decisão final.

O Estado alega que a petição é inadmissível porque os recursos internos não foram esgotados, conforme estipula a Convenção Americana, já que a Hildebrando Silva não impetrou uma ação civil de reparação de danos. Além disso, o Brasil argumenta que Hildebrando Silva não apresentou fatos que caracterizem uma violação da Convenção Americana, o que faz da petição inadmissível. Concluiu o governo brasileiro que “não há evidências críveis de que a suposta vítima tenha sofrido tortura ou violação de sua integridade pessoal nas mãos dos policiais”.

Para a CIDH, “a petição identifica Hildebrando Silva como um indivíduo em relação ao qual o Estado concordou em respeitar e assegurar os direitos consagrados na Convenção Americana”. Quanto ao Estado, o Brasil ratificou a Convenção Americana em setembro de 1992 e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura em 1989, “assim, a Comissão Interamericana tem competência ratione personae para examinar o caso. Segundo o artigo 23 de seu Regulamento, a Comissão Interamericana tem competência ratione materiae para examinar a presente petição, já que se refere a supostas violações de direitos humanos reconhecidos na Convenção Americana e na Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura”.

Precatórios
Em setembro de 2006 a CIDH recebeu uma petição apresentada pelos advogados Pedro Stábile Neto, Fernando Romera Stábile e Caroline Romera Stábile, na qual alegam violações aos direitos de alimentos de Pedro Stábile Neto e outros 1.377 funcionários públicos credores de precatórios.

Os advogados alegam que o Brasil não oferece recursos efetivos para garantir seus direitos. Como resultado disso, sustentam que a República Federativa do Brasil é internacionalmente responsável pela violação a diversos artigos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos à Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem.

Os advogados sustentam que, em março de 1994, interpuseram uma ação ordinária de indenização contra o município de Santo André pela falta de pagamento de uma complementação salarial reconhecida por lei e descumprida pelo então prefeito Celso Daniel. Os peticionários indicam que seu direito à complementação salarial foi reconhecido em sentenças de primeira e segunda instâncias, que fizeram coisa julgada mediante decisões definitivas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.

Os advogados explicam ao CIDH que, conforme a legislação brasileira, para a execução dos valores devidos pelo Estado foram emitidos precatórios, os quais não foram pagos. Não obstante terem sido tentados recursos adicionais com o fim de obter a execução, os advogados mantém que não existe, na legislação interna do Estado, um recurso legal para impor ao Estado o devido cumprimento dos precatórios que lhe sejam impostas mediante sentenças definitivas.

Por sua parte, o Estado argumenta que a petição é inadmissível devido à falta de esgotamento dos recursos internos, conforme exigido pela Convenção. A respeito, o Brasil indica que, no marco do processo de execução do precatório realizado pelos peticionários, há recursos pendentes de decisão. Em todo caso, o Estado sustenta que o precatório dos peticionários deveria ter sido executado e pago até o final do ano de 1999, portanto, a apresentação da petição em 2006 foi extemporânea e não cumpre nem com o requisito de seis meses, nem com o requisito do prazo razoável, previstos, respectivamente, nos artigos 49.1.b da Convenção e 32.2 do Regulamento da CIDH.

Finalmente, o Estado alega que o que tem impossibilitado o pagamento dos créditos das supostas vítimas são as restrições financeiras enfrentadas pelo município de Santo André (SP), paralelamente à necessidade de seguir fornecendo serviços públicos essenciais à população do município.

A CIDH considerou que é competente para analisar o caso porque a petição assinala como supostas vítimas, pessoas individuais, a respeito das quais o Estado se comprometeu a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana.

Ainda assinalou a CIDH, que segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, "o Estado que alega o não esgotamento dos recursos internos tem, a seu cargo, que assinalar quais os recursos que devem ser esgotados e a efetividade dos mesmos, o que não foi feito pelo Brasil".

Adicionalmente, a CIDH observou que a outra via judicial disponível para questionar o descumprimento do pagamento de um precatório é a solicitação de sequestro, que apenas é possível caso seja estabelecido que não se respeitou a ordem cronológica, conforme o estabelecido nos artigos 100, parágrafo 2º, da Constituição Federal e 731 do Código de Processo Civil. E, conforme o alegado por ambas as partes, as supostas vítimas apresentaram uma solicitação de sequestro em 2006, que foi julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo 2007, que encontrando-se pendente até a data da reclamação, um recurso interposto pelo município de Santo André.

A respeito, a CIDH observa que o Estado não comprovou que esse recurso judicial poderia resultar no efetivo pagamento dos precatórios devidos à supostas vítimas, particularmente quando o próprio Estado alega perante a CIDH que o pagamento não foi realizado em virtude de restrições financeiras insuperáveis enfrentadas pelo município de Santo André. No mesmo sentido, o TJ-SP, em sua sentença que rejeitou a primeira solicitação de seqüestro interposta pelas supostas vítimas, em 14 de outubro de 2002, estabeleceu que “no que toca à situação de inadimplência, em si, o sequestro não é instrumento para compelir ao pagamento no caso de omissão da administração. A falta de inclusão de verba no orçamento, a consignação de dotação insuficiente, ou a própria omissão ao empenhar a verba para o Poder Judiciário são violações de regras constitucionais e desobediência à ordem judicial, mas não ensejam o seqüestro se não houver preterição de nenhum credor. No caso, incidem as normas relativas ao crime de responsabilidade e a intervenção da União no Estado e deste no Município”.

O entendimento de que a solicitação de sequestro não é um meio eficaz para garantir o direito de receber o precatório também foi respaldado para que a CIDH aceitasse a reclamação. Além disso, a CIDH considerou que mesmo que houvesse uma intervenção estadual no município de Santo André — conforme decisão judicial proferida e não acatada pelo estado de São Paulo —, não foi comprovado que esta medida asseguraria o pagamento do precatório, haja vista que o município alegou o não pagamento por falta de recursos.

Revisão de pensão
Em outro caso, oriundo do Rio Grande do Sul, a viúva e a filha de um funcionário público que conseguiram na Justiça a revisão dos valores recebidos a título de pensão também alegaram que a legislação interna do Brasil não contempla um recurso efetivo para obter do Estado o devido cumprimento das decisões judiciais de caráter monetário que lhes sejam impostas mediante sentenças definitivas. Portanto, sustentam que “tais sentenças não possuem eficácia prática alguma”, violando a Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Em sua defesa, o Estado argumenta que a petição é inadmissível porque os fatos nela denunciados não caracterizariam violações aos direitos consagrados na Convenção Americana. O Brasil admite não ter pago os precatórios que foram emitidos em favor das supostas vítimas em virtude de sentenças definitivas, mas que o fato se deve a circunstâncias fáticas desfavoráveis, e inclusive insuperáveis, por não dispor de recursos financeiros suficientes. Diz ainda que "a decisão do Supremo Tribunal Federal, que rejeitou as solicitações de intervenção federal no Rio Grande do Sul interpostas pelas supostas vítimas, foi emitida de acordo com os princípios da ampla defesa e do contraditório, e que foi devidamente fundamentada".

A CIDH considerou-se competente para analisar o processo pois entendeu que, nestes dois casos, as supostas vítimas também são pessoas individuais a respeito das quais o Estado comprometeu-se a respeitar e garantir os direitos consagrados na Convenção Americana. Conclui também possuir ratione temporis, pois a violação aos direitos se deram após a assinatura da Convenção Americana.

Morosidade judiciária
O argentino Alejandro Daniel Esteve reclama, na CIDH, a retenção ilegal de seus dois filhos, em território brasileiro, e violações ao devido processo ocorridas no processo de restituição. Denuncia demora injustificada na tramitação dos procedimentos federais de restituição, tanto em primeira instância como nos recursos interpostos posteriormente.

Alejandro Esteve relata que viajou ao Brasil com seus filhos e sua então esposa como turistas para passar férias, com passagens de ida e volta compradas. No entanto, teve que retornar à Argentina algumas semanas antes da família por questões profissionais. Contudo, sua ex-esposa teria decidido unilateralmente permanecer na cidade do Rio de Janeiro e reter ilegalmente seus filhos.

Por sua parte, o Estado assinala que ainda existem recursos pendentes em âmbito interno, motivo pelo qual a petição não poderia ser admitida pela CIDH. Assinala, ainda, que Alejandro Esteve “teve a oportunidade de participar no juízo de restituição, pelo que não lhe foi obstruído o acesso à justiça”. Declarou ainda que os juízes brasileiros concluíram que a permanência das crianças no Brasil não constitui um ato ilícito levando em conta o interesse superior delas.

A Justiça argentina, após analisar o pedido de Alejandro Esteve, determinou que as crianças fossem enviadas de volta à Argentina. No entanto, após receber um mandado da União, por meio da Advocacia-Geral da União para que desse início ao processo judicial de restituição internacional das crianças, a 12ª Vara Federal do Rio de Janeiro declarou extinto o processo de devido à falta de legitimidade ativa da União.

A União interpôs recurso de apelação alegando, entre outros motivos, que o Estado brasileiro é responsável por assegurar, em nível administrativo e judicial, a repatriação de crianças ilicitamente transferidas para o Brasil. Por sua vez, Alejandro Esteve, na qualidade de assistente da União no processo, apresentou recurso de apelação aderindo à solicitação efetuada pela União. O recurso foi levado ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região em dezembro de 2006, e após análise, foi declarado parcialmente procedente, reconhecendo-se a legitimidade ativa da União.

O TRF-2 também estudou o mérito do assunto e deslegitimou a solicitação de restituição, com base no fato de que teriam transcorrido cinco anos desde que as crianças chegaram ao Brasil, e que, portanto, seria prejudicial para elas o seu retorno à Argentina, e que haveriam elementos suficientes para demonstrar a intenção da família de permanecer no país.

União apresentou embargos de declaração perante o mesmo Tribunal alegando que houve contradição, na medida em que a decisão afirma que a matéria é unicamente de direito, quando na realidade foi realizada uma análise fática ao se estudar o mérito do assunto. Alegou que ao não se limitar ao aspecto solicitado pela União, isto é, a questão da legitimação ativa, a sentença teria sido emitida ultra petita. Indica que o Tribunal deveria ter reenviado o assunto ao juízo de primeira instância para que este resolvesse sobre o mérito do caso.

Em maio de 2009, o TRF-2 rejeitou os embargos por considerar que não havia impedimento para a apreciação dos fatos do caso e que a União, para modificar a decisão, deveria recorrer pela via pertinente.

Em julho de 2009 a União apresentou um recurso extraordinário perante o STF no qual solicitou que se reenviassem os autos ao juízo de primeira instância, e que se determinasse o regresso das crianças. A União apresentou um recurso especial perante o Superior Tribunal de Justiça pela não-aplicação da Convenção de Haia sobre os aspectos civis da subtração de menores por parte do TRF-2, e solicitou que fossem reenviados os autos ao juizado de primeira instância ou, ao invés disso, que se aplicasse a Convenção de Haia e se determinasse a restituição das crianças à Argentina. Quando a reclamação foi apresentada ao CIDH estes dois recursos ainda estavam pendentes nos tribunais.

Reclamação internacional
Na CIDH, Alejandro Esteve alega que são aplicáveis as três exceções ao esgotamento dos recursos internos previstas no artigo 46.2 alíneas a, b e c da Convenção Americana. Assinala que a aplicação das exceções das alíneas a e b baseia-se no fato de que a legislação brasileira não permite que Alejandro Esteve seja parte no processo de restituição. Ainda, indica que a alegação de demora injustificada no processo de restituição mencionado ut supra também faz aplicável a exceção prevista no artigo 46.2.c da Convenção Americana.

O Brasil se defende argumentando que toda solicitação de restituição de pessoas menores de idade recebida pelo país é enviada para a AGU, “órgão jurídico federal legitimado para representar a União nos processos de restituição. Indica que a legislação brasileira não proíbe a participação em juízo da pessoa interessada; que a CF reconhece a todas as pessoas o direito de ação judicial, sejam nacionais ou estrangeiras; e que os tratados internacionais não estabelecem nenhuma exceção a respeito. Mas ressalta que, caso a pessoa interessada deseje participar no processo de restituição, o Estado estrangeiro que solicitou a cooperação internacional perderia o interesse na causa e, portanto, já não existiriam motivos para que a União seja parte do processo. Sendo assim, aponta que, na maioria dos casos, a pessoa interessada opta por contar com o apoio do aparato estatal, uma vez que a causa adquire relevância de assunto de matéria de ordem pública e transcorre sem custos para a parte interessada, por ser o próprio Estado a parte autora. Aduziu que no caso do argentino, apesar da atuação da União como parte autora na demanda, a pessoa interessada pode atuar através do instituto da assistência previsto no CPC.

A CIDH aceitou as reclamações por entender que a Justiça brasileira tem sido morosa no julgar do caso. Observa que transcorreram mais de oito anos desde o início do processo de restituição internacional, e que Justiça Federal brasileira demorou mais de um ano e meio para emitir uma sentença de primeira instância e, posteriormente, tardou outro ano e meio para elevar o recurso de apelação interposto contra a mencionada sentença. “Como regra geral, um processo deve realizar-se rapidamente para proteger os direitos do interessado”, afirma a decisão de analisar o pedido, que ainda concluiu: “conforme afirmou a Corte Interamericana, a oportunidade para decidir sobre os recursos internos deve adequar-se aos fins do regime de proteção internacional e não deve conduzir a que a atuação internacional se detenha ou demore até tornar-se inútil.

Procedimentos da CIDH
Ao receber uma denúncia de violação de direitos humanos, a CIDH observa se estão presentes alguns requisitos essenciais. Entre tais exigências, está aquele que é o princípio basilar dos órgãos jurisdicionais internacionais: o prévio esgotamento dos recursos internos. De acordo com esse preceito, um Estado não pode ser acionado perante a jurisdição internacional sem que lhe seja permitido resolver a questão internamente.

Sendo aceita, a petição é encaminhada ao Estado supostamente violador, para que este se manifeste sobre os requisitos de admissibilidade da denúncia. Depois, a Comissão chamará mais uma vez as partes para que estas apresentem observações adicionais, e então decidirá se admite ou não a petição. Em caso positivo, há a abertura formal de um caso, e é franqueada nova oportunidade para que os litigantes firmem seus posicionamentos, desta vez sobre o mérito da questão.

Em primeiro plano, a IDH procura intermediar uma conciliação entre as partes, mas se o litígio não for solucionado nesta fase a Comissão Interamericana, há duas possibilidades: ou decide que não houve violação, ou manifesta-se pela ocorrência de violação a um ou mais dispositivos protegidos por instrumento internacional. Neste último caso, a Comissão apresenta relatório preliminar de recomendações, que é transmitido ao Estado.

Esse Estado, que no momento já é considerado um violador de direitos humanos para todos os efeitos, terá um prazo para se manifestar sobre o cumprimento das recomendações. Caso silencie ou não justifique o porquê do não atendimento às medidas consignadas, receberá um Segundo Informe da Comissão, reiterando as recomendações.

Na hipótese de o país não atender às recomendações da Comissão, o caso pode ser levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos, com a anuência dos peticionários.

Clique aqui para ler o relatório do caso de Ivan Rocha.
Clique aqui para ler o relatório do caso de Hildebrando Silva 
Clique aqui para ler o relatório do caso de precatório alimentício.
Clique aqui para ler o relatório do caso de precatório de revisão de pensão.
Clique aqui para ler o relatório do caso de restituição de menores.

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