Direitos violados

Em janeiro de 2016, quase 2 mil pessoas estavam presas ilegalmente no Rio

Autor

17 de janeiro de 2017, 12h55

Há um ano, em janeiro de 2016, pelo menos 1.906 pessoas estavam presas ilegalmente no estado do Rio de Janeiro, pois tinham o direito de progredir de regime, obter livramento condicional ou indulto, cumprir a pena em casa ou de outra forma, aponta levantamento da Defensoria Pública fluminense. Segundo o coordenador do núcleo do sistema penitenciário do órgão, Marlon Barcellos, esse número não variou de maneira significativa durante o ano e deve permanecer no mesmo patamar.

CNJ
De acordo com a Defensoria Pública do Rio, estado gasta R$ 41,5 milhões por ano com manutenção de presos irregulares.

A seu ver, tal quadro poderia ser revertido com o aumento no número de juízes e servidores da Vara de Execução Penal, a possibilidade de diretores de presídios autorizarem a mudança de regime e a contratação de mais tornozeleiras eletrônicas.

E olha que a situação era ainda pior em outubro de 2015. Na época, 5.086 pessoas estavam irregularmente em regime fechado, o equivalente a 11% do total de presos na época (44,6 mil). Para mudar esse cenário, a Defensoria organizou um mutirão e impetrou 1.440 Habeas Corpus. Os resultados foram positivos: em janeiro de 2016, o número de detidos ilegalmente havia caído para 1.906, 8,5% dos encarcerados do estado, aponta o órgão.

Como os defensores públicos estimam que cada preso custe R$ 1.815,88 por mês, o governo estadual desperdiça cerca de R$ 3,5 milhões mensais, ou R$ 41,5 milhões por ano, ao manter essas pessoas em penitenciárias. De qualquer forma, a ação do órgão fez com que a administração pública economizasse R$ 69,3 milhões anuais, uma redução de 62% das despesas anteriores, de R$ 110,8 milhões.

Procurado pela ConJur, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afirmou que só comenta casos específicos.

De acordo com Marlon Barcellos, a estrutura da Vara de Execução Penal do Rio e sua exigência de exame criminológico para progressão de regime são as grandes responsáveis por essa situação. A seu ver, a seção tem juízes e servidores em quantidade insuficiente para atender satisfatoriamente os condenados. Além disso, falta uma unidade da vara no norte do estado, que abriga presídios a seis horas da capital. Sem isso, o direito de defesa dos que estão cumprindo pena fica prejudicado, avalia o defensor público.

O entendimento da VEP-RJ de exigir exame criminológico para progressão de regime ou obtenção de outros benefícios para os condenados por 63% dos delitos existentes no país torna ainda mais lenta a tramitação dos processos dos detentos, diz Barcellos. Com essa exigência, cada preso só pode ser liberado ou transferido para outro regime se um psicólogo, um psiquiatra e um assistente social afirmarem que ele não tem boas chances de voltar a cometer crimes. No entanto, esse é um exame complexo e que demora ainda mais para ser feito pelo quadro reduzido de desses profissionais. Conforme informa o defensor, há 10 psiquiatras e 70 assistentes sociais para atender 51.113 presidiários.

Outro fator que contribuiu para a manutenção irregular de condenados em prisões, destaca Barcellos, foi a instalação do Processo Judicial Digital na Vara de Execução Penal. Isso porque, segundo ele, houve erros na soma de penas e no arquivamento de processos. Com isso, ficou impossível peticionar eletronicamente para reverter essas situações, e a necessidade de autorização de juízes para acessar os autos físicos só piorou o cenário.

Alternativas
Além da contratação de mais servidores para a VEP-RJ e da flexibilização da exigência de se fazer exames criminológicos, Marlon Barcellos analisa que o aumento de poderes da administração carcerária e do uso de tornozeleiras eletrônicas poderiam diminuir o número de pessoas presas irregularmente.

Na sua opinião, o diretor da penitenciária — que já é responsável por atestar o bom comportamento do preso — poderia também fazer o cálculo do cumprimento da pena do condenado. Essa medida, que depende de alteração legislativa, ajudaria a desafogar a VEP-RJ. Entretanto, Barcellos ressalta que a estrutura da administração prisional teria que ser ampliada para dar conta dessas atribuições.

A visão do defensor é semelhante à do juiz da Vara de Execução Penal de Manaus, Luís Carlos Valois. Em entrevista à ConJur, ele defendeu a transferência de poderes das VEPs para os diretores de penitenciárias e argumentou que, se isso fosse feito, essas varas poderiam eventualmente ser extintas.

A contratação de mais tornozeleiras eletrônicas seria outro caminho para retirar gente ilegalmente mantida em prisões e diminuir a superlotação do sistema, aponta Marlon Barcellos. O estado do Rio sustenta que não aluga mais equipamentos desse tipo por falta de recursos. No entanto, essa medida poderia reduzir gastos públicos, já que cada tornozeleira custa R$ 300 por mês, ao passo que cada detento exige R$ 1.815,88 — seis vezes mais do que aquela forma de monitoramento.

Reparação estatal
Aqueles que permanecem encarcerados enquanto poderiam estar soltos, em outro regime ou em prisão domiciliar podem pedir indenização por danos morais ao Estado, declara o defensor público.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, propôs uma nova fórmula de indenização por danos morais em decorrência de superlotação carcerária e de falta de condições mínimas de saúde e higiene nas prisões. Ele sugeriu, em voto-vista no Recurso Extraordinário 580.252, que o preso possa ser indenizado pelo Estado com a redução de pena, em vez de receber indenização pecuniária.

Para o ministro, a solução tem vantagens do ponto de vista carcerário e das contas públicas, diminuindo a superlotação dos presídios e contribuindo para o ajuste fiscal enfrentado pelos governos estaduais.  Na visão de Barroso, a indenização em dinheiro não resolve o problema, porque a dignidade humana foi violada. O ministro propôs ainda os cálculos: um dia de redução para três de cumprimento de pena em casos de violação grave. E remissão mínima de um dia para cada sete de cumprimento penal em caso de violações mais brandas.

No entanto, a ministra Rosa Weber pediu vista do processo, que ainda não voltou a ser analisado pela corte.

*Texto alterado às 16h29 do dia 17/01/2017 para acréscimo de informações.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!