AP 470

Análise de formação de quadrilha divide o Supremo

Autores

22 de outubro de 2012, 16h34

A análise do crime de formação de quadrilha imputado a 13 réus da Ação Penal 470, o processo do mensalão, dividiu o Supremo Tribunal Federal nesta segunda-feira (22/10) e está fazendo com que os ministros discutam as diferenças entre a coautoria em crimes e a associação para o cometimento de delitos diversos. Até agora, o placar é de quatro a três pela absolvição dos acusados por quadrilha. Faltam os votos de três ministros.

Os ministros Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Dias Toffoli, absolveram os réus por entender que o Ministério Público não comprovou, na denúncia contra os réus do mensalão, que houve uma associação estável e permanente com o propósito de cometer crimes — o que caracteriza a formação de quadrilha. Já para os ministros Joaquim Barbosa, Luiz Fux e Gilmar Mendes a associação criminosa ficou clara.

Para a ministra Rosa Weber, que inaugurou a sessão desta segunda com seu voto, “não basta um ocasional concerto de vontades para a prática de crimes” para que a quadrilha seja caracterizada. Rosa afirmou que “é indiscutível” que os núcleos político, financeiro e publicitário “jamais imaginaram formar uma associação com o objetivo único de delinquir”.

Rosa Weber ainda afirmou que havia um objetivo dos acusados, que era “a cooptação de apoio político para o governo”. Mas não ficou comprovado, para a ministra, que eles se associaram de forma duradoura e permanente para cometer crimes e sobreviver do produto dos delitos.

Após o voto de Rosa, o relator, ministro Joaquim Barbosa, disse temer que o Supremo fixasse o entendimento que levasse a uma“exclusão sociológica”. Para Barbosa, o plenário corre o risco de excluir do tipo formação de quadrilha os “crimes de razão", limitando sua imputação apenas aos ditos crimes de sangue, a condutas violentas. “Só praticariam crimes de quadrilha aquelas pessoas que se dedicam à pratica de crimes como sequestro, furto, latrocínio, roubo. Ou seja, os chamados crimes de sangue”, afirmou.

O relator também criticou a visão de que a paz pública só é ameaçada por crimes violentos. O relator afirmou que a atuação dos réus comprometeu as bases do sistema democrático. “Constituir o apoio no Parlamento por meio de dinheiro não abala a paz pública?”, questionou. O ministro ainda disse que “a prática do crime de quadrilha por pessoas que usam terno e gravata traz um desassossego ainda maior do que aquele provocado pelos crimes de sangue”.

A ministra Cármen Lúcia também votou pela absolvição dos réus, mas ressaltou que comunga das mesmas preocupações do ministro Joaquim Barbosa. Para ela, o crime de quadrilha pressupõe a associação para a “específica finalidade de cometer crimes”. Cármen lembrou que já votou pela condenação de empresários por formação de quadrilha em casos nos quais as próprias empresas foram constituídas para o cometimento de delitos.

“Não me parece que tenha havido a comprovação pelo Ministério Público”, disse. Cármen Lúcia afirmou que as empresas envolvidas no mensalão existiam de fato e praticavam atos lícitos. Ao lado disso, foram praticados crimes por alguns de seus sócios. Ou seja, ficou clara aí a coautoria nos crimes.

O ministro Dias Toffoli também acompanhou as ministras e o revisor, Lewandowski. Na semana passada, o revisor diferenciou o crime de concurso de pessoas do de formação de quadrilha. O ministro citou o artigo 29 do Código Penal, que define o concurso de pessoas: “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Em seguida, afirmou que não se pode confundir este crime com o que está descrito no artigo 288 do Código, que tipifica quadrilha ou bando: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes”.

“Uma coisa é o concurso de agentes. Um plus é a quadrilha. Mas esse plus deve estar muito bem demonstrado. Quadrilha não se confunde com concurso de agentes, nem mesmo quando os crimes são praticados reiteradamente”, sustentou Lewandowski.

Quadrilha no mensalão
Os ministros Luiz Fux e Gilmar Mendes acompanharam o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, para quem houve, sim, a formação de uma quadrilha em três núcleos. E quem liderou o núcleo político, que dava as diretrizes aos demais núcleos, foi o ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu.

Para Luiz Fux, a caracterização da quadrilha não exige sequer que os acusados se conheçam, já que os acordos podem ser tratados por emissários. O ministro classificou o mensalão como “um projeto delinquencial que foi assentado pelo plenário do Supremo”. De acordo com ele, a prova de que houve quadrilha é o fato de suas ações terem durado dois anos: “Não há exemplo de coautoria anual ou bienal. Isso afasta de forma irretorquível a tese da coautoria. Não se estava diante de um singelo e efêmero agrupamento de pessoas”.

Segundo Fux, a atuação dos núcleos teve fim apenas com a eclosão do escândalo. “Resta saber se os núcleos se interligaram por mero acaso ou se se ligaram concertadamente?”, questionou. Para ele, o Ministério Público demonstrou “à saciedade” a formação da quadrilha. Fux ainda disse que “abalar a normalidade e a paz do Parlamento mediante votações viciadas caracteriza um dos mais importantes abalos da paz pública, tanto é que antes configurava crime contra a segurança nacional”.

O ministro Gilmar Mendes também votou pela condenação dos acusados. Ele disse que o crime de formação de quadrilha é operado de forma distinta quando ocorre na seara política: “No âmbito da criminalidade organizada ou política temos estas nuances que devem ser enfaticamente destacadas”.

Mendes citou trechos de depoimentos do processo para ilustrar que houve o esforço articulado dos réus de mobilizar grandes quantias de dinheiro e organizar os repasses a fim de assegurar o apoio ao governo recém empossado. O ministro citou o papel de Marcos Valério como agente do grupo na busca por recursos e até mesmo depoimentos que referiam a ideia de alguns dos réus de constituir um banco para ser controlado por entidades sindicais, como evidência da associação criminosa entre os réus.

Para o ministro, os réus formaram uma “longa e duradora aliança que apenas se esgarçou com a denúncia do ex-deputado Roberto Jefferson”. Ao ponderar que não é necessário cometimento de crimes pela quadrilha para reconhecê-la, Mendes registrou que “o crime de formação de quadrilha é independente daqueles que na societas deliquencium vierem a ser praticados”.

O ministro disse ainda que os autos demonstram que houve uma “relação de absoluta sujeição” entre os réus, a formação de “uma engrenagem que atendeu a todos e cada um”.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!