TJ-SP nega pedido de João Gilberto para apreender biografia não autorizada
28 de agosto de 2014, 14h19
“Nos apertados limites dessa cautelar, em que o autor/apelante só busca a apreensão da obra literária em via de ser divulgada, não há mesmo como reconhecer a ocorrência de lesão à honra, à imagem ou à intimidade do apelante. Adentrar nessa seara é admitir a possibilidade de censura prévia. É querer reviver práticas que marcaram um dos períodos mais trágicos deste país, o dos chamados anos de chumbo. Pretensão que não se amolda ao perfil do músico e compositor (…)”, afirmou o desembargador em seu voto. A editora foi defendida pelos advogados Claudia Schulz e Felipe Galea, do escritório BM&A — Barbosa, Müssnich & Aragão.
O artista havia ajuizado ação cautelar para promover o recolhimento dos exemplares de livro que retratava sua trajetória pessoal e profissional, sob a alegação de que a obra apresentaria conteúdo ofensivo à imagem e à intimidade. O livro traz escritos sobre o artista, além de uma seleção de entrevistas e depoimentos de pessoas, músicos, parceiros, jornalistas e outras pessoas que conviveram com João Gilberto. O músico baseou seu pedido no artigo 20 do Código Civil. A norma prevê autorização para a produção de biografias e a proibição de obras que atinjam a honra do biografado.
O pedido foi negado em liminar e, posteriormente, em sentença. Na ocasião, o juiz Valdir da Silva Queiroz Junior, da 9ª Vara Cível de São Paulo, afirmou que “a busca e apreensão de obras literária se caracteriza como censura, absolutamente inadmitida no ordenamento jurídico brasileiro”. De acordo com o juiz, o artigo 20 do Código Civil não poderia ter sido invocado já que não prevê a busca e apreensão de obras consideradas ofensivas.
O músico também tinha recorrido ao Supremo Tribunal Federal a fim de impedir a divulgação da biografia, porém sem êxito. Seguindo entendimento da ministra Cármen Lúcia, o Supremo arquivou a Reclamação (RCL 14.448) de João Gilberto por entender que a 9ª Vara Cível não usurpou competência do STF, como alegado.
De acordo com a advogada Claudia Schulz a decisão do colegiado é de relevante importância e servirá de leading case. “Este caso é de extrema importância pois foi tratado de forma mais completa, analisando como se deve interpretar a incidência do artigo 20 do Código Civil à luz da Constituição. A maioria das ações semelhantes acabam em acordo e não há uma decisão do mérito”, explica. Segundo ela, durante o julgamento na 5ª Câmara de Direito Privado, o relator afirmou que o acórdão terá 21 páginas e será recomendado para jurisprudência. Não há data prevista a publicação do acórdão.
Na mira do STF
A necessidade de autorização para a publicação de biografias ainda deve ser analisada pelo Supremo. Tramita na corte a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815, ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), que questiona a obrigatoriedade. A entidade questiona o alcance da interpretação dos artigos 20 e 21 do Código Civil sob o argumento que os dispositivos conteriam regras incompatíveis com a liberdade de expressão e de informação. Para debater o tema, o STF fez uma audiência pública em novembro de 2013, mas o processo encontra-se autalmente parado. O último andamento da ação aconteceu em fevereiro deste ano, quando a relatora, ministra Cármen Lúcia, aceitou o pedido da Ordem dos Advogados do Brasil para ingressar como amigo da corte.
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