Prática Trabalhista

Obrigatoriedade de negociação coletiva no despedimento em massa

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

16 de junho de 2022, 8h00

Em recente decisão, a Suprema Corte apreciou o Tema 638 da tabela de repercussão geral [1]. O Recurso Extraordinário (RE) 999.435 se refere ao despedimento coletivo antes do advento da Lei nº 13.467/2017. O leading case abordou a dispensa em massa, no ano de 2009, de mais de 4.000 empregados da Embraer (Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A)  [2]. À época, o Tribunal Superior do Trabalho, em grau de recurso ordinário, entendeu não ser possível a dispensa coletiva que não fosse antecedida de negociação coletiva [3].

Por maioria de votos, a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal foi a seguinte: "A intervenção sindical prévia é exigência procedimental imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores, que não se confunde com autorização prévia por parte da entidade sindical ou celebração de convenção ou acordo coletivo".

Indubitavelmente, esta temática sempre foi objeto de discussão doutrinária e jurisprudencial, tendo em vista ser inexistente em nosso ordenamento jurídico norma que efetivamente discipline a questão.

A respeito do assunto, citam-se são os ensinamentos do professor Davi Furtado Meirelles [4]:

Spacca
"Para minimizar os efeitos nefastos da dispensa coletiva, não somente aos trabalhadores envolvidos, mas também à sociedade como um todo, a negociação coletiva prévia com os representantes obreiros merece ser prestigiada, com o estabelecimento de critérios e direitos específicos.
No Brasil, apesar da importância da questão aqui tratada, ainda não temos uma legislação específica para disciplinar os limites da dispensa coletiva, com uma necessária proteção aos trabalhadores, como parte mais frágil da relação contratual de trabalho. A Convenção nº 158 da OIT, que poderia fixar parâmetros para essa questão, enfrenta questionamentos judiciais desde a sua pretensa incorporação ao ordenamento jurídico pátrio, em 1996.
Assim, em casos pontuais, como o analisado neste estudo (Caso Embraer), ou mesmo aqueles mais recentes, como o encerramento das atividades da Ford em São Bernardo do Campo, ou, ainda, as demissões promovidas pela rede de churrascaria Fogão de Chão, estas em virtude da crise pandêmica que abalou o Brasil e o mundo todo, a Justiça do Trabalho tem sido constantemente acionada para suprir essa lacuna legislativa e negocial, tentando estabelecer uma certa segurança jurídica nessas situações. Mas, sabemos disso, nem sempre a solução encontrada contempla as necessidades de um dos lados, quando não agrada aos dois".

É certo que o artigo 477-A na Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido pela Lei nº 13.467/2017, dispõe no sentido de que para o despedimento em massa não mais haveria a necessidade de autorização prévia da entidade sindical, a saber: "Art. 477-A. As dispensas imotivadas individuais, plúrimas ou coletivas equiparam-se para todos os fins, não havendo necessidade de autorização prévia de entidade sindical ou de celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para sua efetivação".

Nesse sentido, observa-se que a tese do STF caminha no sentido de tornar obrigatória apenas a intervenção prévia do sindicato profissional para legitimar o procedimento para a dispensa em massa de trabalhadores, sem que isso, contudo, se confunda com a chancela da entidade sindical. Em outras palavras, esse "procedimento" referido pela Suprema Corte, cuja tese tem efeito erga omnes, servindo, inclusive, de sinalização para as futuras decisões judiciais que versem sobre a matéria, não se traduz no efetivo aceite das exigências que vierem a ser impostas pelos sindicatos profissionais.

Por tal razão é que os ministros do Supremo Tribunal Federal propositadamente fizeram a diferenciação entre intervenção sindical prévia e autorização prévia, ou seja, prestigia-se sempre o diálogo, sem, contudo, asseverar condições ou estabilidades no emprego [5].

Do ponto de vista normativo no Brasil, o inciso VI [6] o artigo 8º da Constituição preceitua que é inescusável a participação do sindicato nas transações coletivas. A propósito, o artigo 7º, inciso I [7], da Carta Magna, que ainda carece de uma regulamentação, garante aos trabalhadores a proteção contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa.

Sob outra ótica, a temática da dispensa coletiva possui uma abordagem diferente se comparada a outros países do mundo. A título de exemplo, o Código do Trabalho de Portugal traz em seu artigo 359, nº 1 [8], a noção de despedimento coletivo. Nesse prumo, o artigo 388 do Código do Trabalho de Portugal [9] dispõe que "a ilicitude do despedimento colectivo só pode ser declarada por tribunal judicial".

Noutro giro, a Convenção 168 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) disciplina sobre a promoção do emprego e proteção contra o desemprego [10], ao passo que o artigo 13 [11] da Convenção 158 prevê a necessidade da presença dos representantes dos trabalhadores no despedimento em massa.

A par do exposto, é forçoso lembrar que a negociação coletiva tem um papel fundamental para a pacificação dos conflitos existentes nas relações sociais. Aliás, pode-se dizer que ela é inerente à própria natureza do Direito do Trabalho, sendo certo que a participação dos sindicatos é imprescindível na defesa das categoriais profissionais. Logo, não é democrática a decisão de afastar as entidades sindicais de tal processo coletivo consubstanciado no dever de negociação pelo diálogo com foco na manutenção dos empregos.

E, tal como dito pelo ministro Dias Toffoli, em seu voto-vista, "a participação de sindicatos, nessas situações, pode ajudar a encontrar soluções alternativas ao rigor das dispensas coletivas, evitar a incidência de multas e contribuir para a recuperação e o crescimento da economia e para a valorização do trabalho humano, cumprindo, de modo efetivo, a sua função social".

De mais a mais, impende destacar que, inobstante a proteção contra o desemprego seja um direito humano fundamental [12], o Brasil tem vivenciado nos últimos tempos níveis preocupantes de desemprego [13]. Por isso a preocupação com os impactos sociais e econômicos das demissões coletivas, cuja melhor solução deve ser a busca de maior equilíbrio nas relações de trabalho a partir do dever de dialogar, principalmente em razão do fato de a Carta da República defender os direitos sociais e a empregabilidade.

Em arremate, é fundamental que se diga que a decisão do STF não teve como parâmetro de constitucionalidade o artigo 477-A da CLT, tampouco explicitou, na prática, o que seria "dispensa em massa" e quais os critérios para sua aferição no caso concreto, transferindo à jurisprudência trabalhista a missão de assim definir o despedimento coletivo em cada processo judicial.


[4] A necessária proteção contra as dispensas coletivas. Rev. Trib. 2. Reg. São Paulo, nº 26, 2021. página 11. Disponível em https://basis.trt2.jus.br/bitstream/handle/123456789/14412/meirelles_davi_necessaria_protecao.pdf?sequence=4&isAllowed=y. Acesso em 14/6/2022

[6] Art. 8º — É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: (…). VI. é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;

[7] Art. 7º — São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

[8] Considera-se despedimento colectivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos.

[11] Art. 13 — 1. Quando o empregador prever términos da relação de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos: a) proporcionará aos representantes dos trabalhadores interessados, em tempo oportuno, a informação pertinente, incluindo os motivos dos términos previstos, o número e categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados pelos mesmos e o período durante o qual seriam efetuados esses términos;

[12] Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

[13] Disponível em https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php. Acesso em 14/6/2022.

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP, professor de Direito do Trabalho da FMU, coordenador trabalhista da Editora Mizuno, membro do Comitê Técnico da revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, coordenador acadêmico do projeto "Prática Trabalhista" (ConJur), membro e pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo "O Trabalho Além do Direito do Trabalho", da USP.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!