A (des)obrigatoriedade de inscrição na OAB para advogados públicos
14 de maio de 2025, 16h24
A discussão atualmente em pauta no Supremo Tribunal Federal, sobre a obrigatoriedade, ou não, da inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) como condição para o exercício das funções de advogado público, traz implicações jurídicas e institucionais profundas, especialmente para os procuradores municipais que atuam nas bases mais frágeis da Federação.
Natureza da função do advogado público
A Constituição de 1988, no artigo 131 e 132, reconhece expressamente a advocacia pública como função essencial à justiça, sendo os procuradores responsáveis pela representação judicial e extrajudicial da Fazenda Pública, além da consultoria jurídica dos entes federativos.
Por isso, embora os advogados públicos exerçam funções em nome do Estado, o conteúdo técnico do trabalho é, inegavelmente, de natureza advocatícia: protocolos de petições iniciais, contestação, manejo de recursos, emissão de pareceres jurídicos, atuação nos tribunais superiores. Faz-se o que qualquer advogado faz, mas em defesa do interesse público.
A exigência da inscrição na OAB sempre foi vista, como reforço dessa qualificação, sujeição a um código de ética, e alinhamento com a advocacia como profissão.
Risco institucional da desobrigatoriedade
Nos grandes centros, onde há carreiras estruturadas como as da AGU, PGE e PGDF, pode haver uma aparência de segurança institucional quanto à proteção dos seus membros. Mas a realidade da advocacia pública municipal é bastante distinta, especialmente no interior.
Muitas procuradorias municipais contam com dois ou três procuradores, sem carreira estruturada, sem órgão de classe forte, e muitas vezes sem garantias mínimas de autonomia funcional. Nesses contextos, a OAB representa o único mecanismo de defesa institucional efetivo ao qual pode-se recorrer diante de abusos, perseguições políticas e tentativas de interferência indevida na atuação técnica.
A exclusão dos advogados públicos da exigência de inscrição na OAB significa, na prática, remover um escudo de proteção contra a ingerência política local, que frequentemente tenta instrumentalizar a atividade jurídica da procuradoria.
Consequências práticas da exclusão
- Perda da proteção da OAB contra violações de prerrogativas: Hoje, se um procurador sofre uma tentativa de coação por parte de um gestor municipal, a seccional da OAB pode intervir, oficiar o Município, e até propor medidas judiciais. Sem a inscrição, essa proteção desaparece.
- Desprofissionalização simbólica da advocacia pública: Há um risco sério de que a dispensa da inscrição gere a percepção, especialmente em municípios menores, de que o procurador não é “advogado de verdade”, mas apenas um servidor burocrático. Isso fragiliza a autoridade técnica perante os órgãos públicos e a própria magistratura.
- Enfraquecimento da luta por garantias institucionais: A inscrição na OAB também se conecta ao debate nacional sobre prerrogativas, honorários de sucumbência, estruturação das carreiras, concursos públicos, e combate ao assédio institucional. Afastar os advogados públicos da OAB é, também, isolá-los politicamente dessas pautas.
Riscos também para carreiras estruturadas: AGU e PGEs não estão imunes
Há uma falsa sensação de que a eventual desobrigatoriedade da inscrição na OAB afetaria apenas os advogados públicos dos municípios, notadamente os de menor porte, onde a fragilidade institucional é mais evidente. Mas os efeitos são mais amplos e, de fato, colocam em risco pilares importantes da advocacia pública em todas as esferas, inclusive federal e estadual. Eis o por quê:
a) Enfraquecimento da identidade comum da advocacia pública

A AGU e as PGEs sempre sustentaram, inclusive em suas defesas institucionais, que o exercício da função pressupõe a atuação como “advogado em sentido estrito”. Romper com a inscrição na OAB é romper também com essa identidade comum da advocacia pública, um dos poucos elementos de coesão entre carreiras dispersas em diferentes entes federativos.
Isso abre margem para discursos que buscam transformar procuradores em “gestores jurídicos” ou “técnicos administrativos”, desconfigurando completamente a natureza da função e, com isso, seus direitos, prerrogativas e até a percepção de sua importância técnica e constitucional.
b) Risco de reformas legislativas regressivas
A retirada da obrigatoriedade de inscrição poderá ser usada como precedente político e argumentativo para propostas legislativas de rebaixamento da carreira. Por exemplo: se não há mais necessidade de OAB, por que exigir prática jurídica para ingresso? Por que pagar honorários de sucumbência, se a função não é advocatícia em sentido pleno?
Em tempos de reformas administrativas e contenção de gastos, essa mudança será explorada como pretexto para desconstituir direitos já consolidados, algo que impactará diretamente as PGEs e a própria AGU.
c) Isolamento político das instituições da advocacia pública
As carreiras da AGU e PGEs têm voz própria, mas se fortalecem muito quando falam em conjunto com a OAB. Muitas das vitórias institucionais obtidas no STF e no Congresso Nacional foram fruto da atuação colaborativa entre as instituições e a Ordem, especialmente na defesa de prerrogativas, honorários, concursos públicos e limites à terceirização.
A exclusão da obrigatoriedade da OAB para advogados públicos quebra essa ponte institucional, enfraquece o lobby técnico e jurídico conjunto e isola os procuradores em disputas que cada ente travará sozinho, com menor poder de influência.
d) Desproteção em conflitos individuais e internos
Mesmo nas PGEs e na AGU, há episódios de perseguições políticas, punições administrativas abusivas, remoções arbitrárias ou pressões indevidas contra pareceres técnicos. Nessas situações, a OAB funciona, muitas vezes, como garantia mínima de proteção pessoal ao advogado público, inclusive com medidas liminares para garantir sua atuação.
Sem a OAB, o advogado público perderá um foro externo de defesa, ficando à mercê da estrutura hierárquica interna, muitas vezes permeável a interesses do governo de plantão.
Conclusão
Como procurador municipal, vejo com grande preocupação a possibilidade de o STF relativizar ou afastar a obrigatoriedade da inscrição na OAB para nós, advogados públicos. A OAB, com todos os seus defeitos, tem sido um esteio de resistência institucional, especialmente onde somos mais vulneráveis: nos pequenos municípios, em estruturas frágeis e permeáveis à política.
Desobrigar a inscrição é minar a unidade da advocacia pública e abrir a porta para um processo de precarização, que pode custar caro ao Estado brasileiro, não apenas pela perda de qualidade técnica, mas pela corrosão silenciosa das garantias mínimas de independência funcional.
Não se trata de uma questão meramente corporativa ou simbólica. O que está em jogo é a própria natureza da função pública do advogado público e as garantias institucionais que permitem o exercício técnico, independente e responsável da advocacia em nome do Estado.
A retirada da obrigatoriedade da inscrição na OAB não fortalece a advocacia pública, ela a isola, a fragiliza e a expõe, tanto nos rincões dos pequenos municípios quanto nos corredores dos grandes centros de poder.
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