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Falha em gravação de perguntas da defesa gera nulidade de júri, decide TJ-SP

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6 de maio de 2025, 20h57

Uma vez que o Poder Judiciário assume a responsabilidade de registrar um ato público com determinada tecnologia, ele deve garantir que o ato seja executado da maneira correta, salvaguardando, assim, os direitos da defesa e da acusação. Esse foi o entendimento dos desembargadores da 3ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo para anular um julgamento do Tribunal do Júri em que o microfone falhou na captação das perguntas do advogado de defesa.

Desembargadores do TJ-SP entenderam que gravação de áudio falha em sessão de Tribunal do Júri prejudicou defesa do réu

Desembargadores do TJ-SP entenderam que falha em gravação de áudio no Tribunal do Júri prejudicou a defesa do réu

Conforme os autos, o réu foi condenado a oito anos e dois meses de prisão por atropelar intencionalmente duas pessoas na cidade de Limeira (SP). A defesa apresentou recurso em que pediu a anulação do julgamento. Por maioria de votos, a 3ª Câmara de Direito Criminal negou o pedido. 

Em seguida, a defesa apresentou embargos infringentes em que destacou que o advogado que representou o réu no júri não foi o mesmo que conduziu o caso em grau recursal. Por isso, sustentou que as falhas na captação do áudio comprometeram a possibilidade de uma defesa efetiva, já que ficou impossível compreender o contexto das respostas dos depoentes. 

O relator dos embargos, desembargador Airton Vieira, entendeu que o voto vencido no julgamento do primeiro recurso deveria prevalecer. Ele ressaltou que testemunhas responderam muitas perguntas de modo monossilábico.

“‘Ora’, ‘sim’, ‘não’, ‘fiquei’, ‘não sei’, ‘mas não’, ‘certo’ e ‘provavelmente’ são respostas genéricas, lacônicas e que impossibilitam qualquer dedução sobre a pergunta e prejudicam, sem sombra de dúvidas, a compreensão dos fatos pelos novos advogados e, consequentemente, o exercício da defesa técnica.”

Falha estrutural

O relator argumentou que os problemas com a gravação prejudicaram não apenas o exercício da ampla defesa, mas também a análise das provas. 

“No duro, não nos cabe, ainda mais em um julgamento colegiado, presumir, deduzir ou elucubrar a respeito disso. Aqui, vale a lembrança do brocardo ‘da mihi factum, dabo tibi ius’ (‘dá-me os fatos que te darei o direito’), esvaziado quando os fatos ou as provas são obnubiladas por problemas de natureza técnica. Além disso, não custa lembrar que o Direito Penal não pode servir para achismos ou para responsabilizar pessoas indiscriminadamente, sendo dever do Estado garantir a ampla defesa de forma plena e um julgamento justo, aqui absolutamente maculado por falhas do próprio Poder Judiciário”, registrou o relator. 

Ele afastou a alegação de que a falha nos áudios foi provocada pelo primeiro advogado do réu, que já havia representado um cliente que teve o julgamento anulado pelo mesmo motivo. 

“Ainda que fosse possível estabelecer relação entre uma situação e outra, como já exaustivamente analisado neste voto, o réu constituiu novos advogados para representá-lo em grau recursal (fls. 934/935), de modo que a antiga defesa não foi a responsável por arguir a preliminar nas razões de apelação ou mesmo por peticionar nos autos indicando as falhas na captação do áudio, a não ser que quiséssemos acreditar que ambas as defesas estivessem em conluio para alegar futura nulidade ou mesmo que uma defesa tivesse ingerência sobre a outra, o que também não me parece razoável”, argumentou ele. Por maioria de votos, prevaleceu a decisão de submeter o réu a novo julgamento.

Atuaram em favor do réu os advogados Alberto Zacharias ToronRenato Marques Martins.

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Processo 0003787-91.2016.8.26.0320/50001

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