Opinião

Estado de Direito e proteção climática: da exploração da Margem Equatorial

Autor

  • é advogado bacharel em Direito pelo Centro Universitário LaSalle do Rio Janeiro (Unilasalle-RJ) mestrando em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (PPGDC-UFF) especialista em Direitos Difusos e Coletivos MBA em Gestão Pública e Sustentabilidade (Fundace-USP) membro do Instituto de Direito Administrativo do Rio de Janeiro (Idarj) do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro (Idasan) do Grupo de Pesq. Ens. e Ext. em D. Administrativo Contemporâneo (GDAC) e do Centro para Estudos Empírico-Jurídicos (Ceej).

    Ver todos os posts

5 de maio de 2025, 17h20

O Estado de Direito enfrenta desafios na regulação ambiental diante da crise climática e das pressões econômicas por crescimento e exploração de recursos. A proteção ambiental está respaldada no artigo 225 da Constituição de 1988, que consagra o meio ambiente equilibrado como direito fundamental e dever do Estado. No entanto, sua aplicação enfrenta desafios institucionais, como a flexibilização de normas, instabilidade regulatória e a fragilidade de órgãos fiscalizadores, como Ibama e ICMBio.

freepik
plataforma de petróleo em alto mar

O caso da exploração de petróleo na Margem Equatorial exemplifica o embate entre desenvolvimento econômico e compromissos ambientais. A concessão de blocos exploratórios levanta questionamentos sobre o licenciamento ambiental e o alinhamento com tratados internacionais, como o Acordo de Paris. O presente artigo examina esses desafios e propõe soluções para reforçar o Estado de Direito na proteção climática.

O Estado de Direito e a proteção climática

A crise climática desafia a estrutura tradicional do Estado de Direito, pois exige que normas e políticas públicas antecipem riscos ambientais futuros, mesmo diante de incertezas científicas. Esse aspecto coloca em tensão um modelo jurídico baseado na estabilidade normativa, previsibilidade e segurança jurídica [1]. No entanto, a natureza complexa das mudanças climáticas e seus impactos demandam um arcabouço normativo dinâmico e adaptável, capaz de responder a ameaças ainda não completamente quantificadas e de atuar com base no princípio da precaução, mesmo quando não há consenso científico absoluto sobre a magnitude dos danos potenciais.

No contexto da governança ambiental, o princípio da precaução assume um papel fundamental ao orientar a formulação de políticas públicas preventivas, conforme estabelecido na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento [2]. Esse princípio estabelece que a falta de certeza científica plena não deve ser usada como justificativa para postergar medidas de proteção ambiental, especialmente quando os riscos envolvem impactos irreversíveis sobre os ecossistemas e a qualidade de vida das gerações futuras. O desafio do Estado de Direito, nesse cenário, é garantir que as normas ambientais sejam formuladas e aplicadas com previsibilidade, sem que sofram alterações abruptas motivadas por pressões econômicas ou políticas de curto prazo.

O conceito de Estado de Direito, segundo Jeremy Waldron, implica um compromisso com normas gerais, estabilidade jurídica e respeito aos direitos fundamentais. Esse princípio pressupõe que a aplicação das normas seja feita de maneira uniforme, sem privilégios ou arbitrariedades, garantindo previsibilidade e segurança tanto para cidadãos quanto para agentes econômicos [3]. No contexto brasileiro, a proteção ambiental se insere nesse modelo, pois envolve a aplicação de normas jurídicas que impõem limites à exploração de recursos naturais em favor do bem coletivo, assegurando a preservação de biomas essenciais para o equilíbrio climático global.

Isso significa que decisões relacionadas ao uso de recursos naturais devem ser tomadas dentro de um marco legal sólido, que proteja simultaneamente a segurança jurídica das empresas e os direitos ambientais da população. A previsibilidade das normas ambientais não deve ser comprometida por mudanças políticas de curto prazo ou por interesses econômicos que negligenciem os impactos ecológicos.

Ainda que a proteção ao meio ambiente possua status constitucional (artigo 225 da CRFB/1988), a tutela constitucional do clima ainda suscita debates. Contudo, a garantia do clima ecologicamente equilibrado é essencial à qualidade de vida, o que impõe ao poder público e à coletividade o dever de protegê-lo para as presentes e futuras gerações. Nesse sentido, o retrocesso ambiental (e climático), entendido como a revogação ou flexibilização de normas que garantem a preservação ecológica, configura uma violação direta do Estado de Direito e da ordem jurídica estabelecida.

Além disso, a judicialização da proteção climática tem sido um mecanismo fundamental para garantir que normas ambientais sejam efetivamente cumpridas. O Supremo Tribunal Federal, por meio de ações como a ADPF 708, reconheceu que os compromissos assumidos pelo Brasil no Acordo de Paris possuem status supralegal, o que significa que nenhuma decisão política pode desconsiderá-los sem violar a ordem jurídica brasileira. Esse entendimento reforça a importância do Estado de Direito na proteção climática, pois impede que interesses econômicos imediatos sobreponham-se a deveres institucionais de longo prazo [4].

Caso da Margem Equatorial: desenvolvimento vs. sustentabilidade

A exploração de petróleo na Margem Equatorial, que compreende as bacias sedimentares ao longo do litoral norte do Brasil, tem gerado intenso debate jurídico, ambiental e econômico. O tema reflete uma tensão estrutural entre desenvolvimento e sustentabilidade, colocando em disputa interesses econômicos imediatos e compromissos ambientais de longo prazo. A decisão sobre permitir ou restringir essa exploração envolve múltiplos atores: governo, setor produtivo, comunidades locais e organizações ambientais, cada um defendendo perspectivas distintas dentro do arcabouço normativo do Estado de Direito.

Spacca

O artigo 225 da CRFB/1988 estabelece que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, cabendo ao Estado e à sociedade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Esse dispositivo fundamenta a adoção de políticas ambientais restritivas, especialmente em áreas sensíveis, como a Margem Equatorial, que abriga ecossistemas marinhos estratégicos e influencia diretamente a estabilidade climática global.

Além da Constituição, o Brasil está vinculado a uma série de compromissos internacionais, como o Acordo de Paris (2015), que estabelece metas para a redução das emissões de gases de efeito estufa, e a Convenção sobre Diversidade Biológica [5], que reforça a necessidade de conservação dos ecossistemas costeiros e marinhos. Esses compromissos demandam uma postura ativa do Estado na promoção da transição energética e na adoção de práticas sustentáveis, colocando em xeque a expansão da exploração petrolífera em áreas de alta vulnerabilidade ecológica.

O princípio da precaução, consolidado na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento [6], estabelece que a ausência de certeza científica absoluta sobre um possível impacto ambiental não pode ser usada como justificativa para postergar medidas de proteção. No caso da Margem Equatorial, esse princípio deveria orientar as decisões regulatórias, visto que ainda há incertezas significativas sobre os efeitos ambientais da exploração petrolífera na região.

Por outro lado, defensores da exploração da Margem Equatorial argumentam que a atividade pode gerar benefícios econômicos e fortalecer a segurança energética do Brasil. O governo federal, por meio da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), tem defendido que a exploração de petróleo na Margem Equatorial pode impulsionar o crescimento regional, gerar empregos e fortalecer a indústria nacional [7].

Entretanto, a perspectiva do desenvolvimento precisa ser avaliada à luz dos compromissos internacionais e da realidade da mudança climática. Em um momento em que países desenvolvidos avançam na redução da dependência de combustíveis fósseis, a aposta na exploração petrolífera pode representar um modelo econômico ultrapassado e desalinhado com as tendências globais de descarbonização.

Desafios institucionais na regulação do Estado de Direito (ambiental)

No caso brasileiro, um dos principais problemas é o descompasso entre a formulação de normas e sua implementação prática, particularmente em setores estratégicos como regulação ambiental (climática) e econômica.

A fragilidade estrutural dos órgãos responsáveis pela fiscalização e implementação de políticas ambientais no Brasil compromete a efetividade do Estado de Direito regulatório, criando um cenário no qual as normas ambientais existem formalmente, mas sua aplicação é deficiente e inconsistente. A redução do orçamento dos órgãos ambientais tem sido um dos principais entraves para a fiscalização e implementação eficaz das políticas ambientais. Entre 2019 e 2022, o Ibama e o ICMBio sofreram cortes significativos em seus recursos financeiros, limitando sua capacidade de atuação em operações de controle e combate ao desmatamento e à degradação ambiental.

A diminuição de 9% no orçamento para prevenção e controle ambiental (de R$ 422 milhões para R$ 383,5 milhões), identificada no PLOA 2024, enfraquece os mecanismos de fiscalização, afetando a capacidade do Ibama de monitorar impactos ambientais e garantir o cumprimento das exigências normativas [8].

No caso da Margem Equatorial, a concessão de blocos exploratórios vem sendo questionada justamente pela falta de garantias ambientais robustas e fiscalização adequada. Um dos pontos centrais do debate envolve a capacidade institucional do Estado de monitorar e mitigar riscos ambientais, incluindo possíveis vazamentos de óleo e impactos sobre comunidades costeiras e ecossistemas marinhos. A fragilidade fiscalizatória dos órgãos ambientais levanta dúvidas sobre a efetividade do licenciamento e da compensação ambiental exigida para atividades de alto risco, como a perfuração de poços petrolíferos.

A disputa pela exploração da Margem Equatorial expõe a tensão entre segurança jurídica e proteção ambiental dentro do Estado de Direito. O setor petrolífero argumenta que a exploração é essencial para o crescimento econômico e a segurança energética nacional, mas sem um aparato regulatório robusto e devidamente financiado, há o risco de que a concessão de blocos ocorra sem a devida fiscalização ambiental e monitoramento técnico. A perda de credibilidade do Estado de Direito na governança ambiental é agravada quando o enfraquecimento institucional resulta na aprovação de empreendimentos sem garantias concretas de proteção ambiental, aumentando a vulnerabilidade do ecossistema marinho da região.

Conclusão

A crise climática exige regulação ambiental eficaz e responsiva. No Brasil, o enfraquecimento dos mecanismos de fiscalização e a instabilidade normativa comprometem a governança ambiental e a credibilidade do Estado de Direito. O caso da Margem Equatorial exemplifica essa fragilidade, ressaltando a necessidade de aperfeiçoamento regulatório e reforço institucional.

Medidas necessárias incluem:

1. Fortalecimento da fiscalização ambiental e previsibilidade normativa;
2. Adoção de mecanismos de controle rigorosos para atividades exploratórias;
3. Compatibilização da política energética com compromissos climáticos;
4. Investimentos em fontes renováveis para assegurar segurança energética a longo prazo.

A proteção climática deve ser elemento estruturante do Estado de Direito, assegurando a estabilidade econômica e social de forma sustentável.

 


Referências

AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (ANP). Oferta Permanente de Concessão (OPC): ANP aprova inclusão de 218 blocos na Margem Equatorial. Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/canais_atendimento/imprensa/noticias-comunicados/oferta-permanenteconcess

ao-opc-anp-aprova-inclusao-de-218-blocos-na-margem-equatorial. Acesso em: 01 mar. 2025.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Convenção sobre Diversidade Biológica. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/biodiversidade-e biomas/biodiversidade1/convencao-sobre-diversidade-biologica. Acesso em: 01 mar. 2025.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 708. Relator(a): Min. Rosa Weber. Brasília, DF, julgado em 06 abr. 2022. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=763392091. Acesso em? 01 mar. 2025.

INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (INESC). Meio Ambiente e Clima no PLOA 2024. Brasília: INESC, 2023. Disponível em: https://www.inesc.org.br. Acesso em: 01 mar. 2025.

NAÇÕES UNIDAS. Declaração do Rio de Janeiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 6, n. 15, p. 219-223, ago. 1992. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ea/a/szzGBPjxPqnTsHsnMSxFWPL/?lang=pt. Acesso em: 01 mar. 2025.

WALDRON, J. The Concept and the Rule of Law. Georgia Law Review. v. 43. n. 1. Disponível em: http://digitalcommons.law.uga.edu/lectures_pre_arch_lectures_sibley/29. Acesso em: 25 fev. 2025.

WALDRON, J. The Rule of Law as an Essentially Contested Concept. In MEIERHENRICH, J.; LOUGHLIN, M. The Cambridge Companion to the Rule of Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2021, p. 121-136.

[1] WALDRON, J. The Concept and the Rule of Law. Georgia Law Review. v. 43. n. 1. Disponível em: http://digitalcommons.law.uga.edu/lectures_pre_arch_lectures_sibley/29. Acesso em: 25 fev. 2025.

[2] NAÇÕES UNIDAS. Declaração do Rio de Janeiro. Estudos Avançados, São Paulo, v. 6, n. 15, p. 219-223, ago. 1992. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ea/a/szzGBPjxPqnTsHsnMSxFWPL/?lang=pt. Acesso em: 01 mar. 2025.

[3] WALDRON, J. The Rule of Law as an Essentially Contested Concept. In MEIERHENRICH, J.; LOUGHLIN, M. The Cambridge Companion to the Rule of Law. Cambridge: Cambridge University Press, 2021, p. 121-136.

[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 708. Relator(a): Min. Rosa Weber. Brasília, DF, julgado em 06 abr. 2022. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=763392091. Acesso em? 01 mar. 2025.

[5] BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Convenção sobre Diversidade Biológica. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/assuntos/biodiversidade-e-biomas/biodiversidade1/convencao-sobre-diversid

ade-biologica. Acesso em: 01 mar. 2025.

[6] NAÇÕES UNIDAS. Declaração do Rio de Janeiro, op. cit., s. p.

[7] AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIOCOMBUSTÍVEIS (ANP). Oferta Permanente de Concessão (OPC): ANP aprova inclusão de 218 blocos na Margem Equatorial. Disponível em: https://www.gov.br/anp/pt-br/canais_atendimento/imprensa/noticias-comunicados/oferta-permanenteconcess

ao-opc-anp-aprova-inclusao-de-218-blocos-na-margem-equatorial. Acesso em: 01 mar. 2025.

[8] INSTITUTO DE ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS (INESC). Meio Ambiente e Clima no PLOA 2024. Brasília: INESC, 2023. Disponível em: https://www.inesc.org.br. Acesso em: 01 mar. 2025.

Autores

  • é advogado, bacharel em Direito pelo Centro Universitário LaSalle do Rio Janeiro (Unilasalle-RJ), mestrando em Direito pelo Programa de Pós-graduação em Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (PPGDC-UFF), especialista em Direitos Difusos e Coletivos, MBA em Gestão Pública e Sustentabilidade (Fundace-USP), membro do Instituto de Direito Administrativo do Rio de Janeiro (Idarj), do Instituto de Direito Administrativo Sancionador Brasileiro (Idasan), do Grupo de Pesq., Ens. e Ext. em D. Administrativo Contemporâneo (GDAC) e do Centro para Estudos Empírico-Jurídicos (Ceej).

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!