Opinião

Avanços do Judiciário no combate aos crimes ambientais na Amazônia Legal

Autor

  • Daniela Madeira

    é juíza federal do TRF-2 atualmente conselheira do CNJ doutora em Processo Civil pela Universidade Complutense de Madrid. Mestre em Processo Civil pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). Membro da Comissão Permanente de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 2030.

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5 de setembro de 2024, 9h21

O Dia da Amazônia, celebrado hoje (5/9), é uma boa oportunidade para falarmos sobre a conscientização e a preservação do pulmão do planeta e sobre um dos maiores desafios enfrentados pelo sistema judicial brasileiro: o combate às cadeias de lavagem de bens e capitais, à corrupção e às organizações criminosas relacionadas a crimes ambientais na Amazônia Legal e a atuação do Poder Judiciário para evitar e punir a prática.

Barcos navegam em rio na Amazônia

Composta por nove estados do Brasil, a Amazônia Legal é um ecossistema crucial para o equilíbrio climático global e para a biodiversidade. No entanto, essa área tem sido alvo de práticas ilícitas, como desmatamento ilegal, grilagem de terras, exploração ilegal de madeira e mineração ilegal, muitas vezes financiadas e sustentadas por redes criminosas complexas.

Os crimes ambientais na Amazônia Legal frequentemente estão ligados a esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro. Essas atividades ilícitas são lucrativas e geram grandes somas de dinheiro, que precisam ser “lavadas” para parecerem legais. O processo de lavagem de dinheiro na região muitas vezes envolve a compra e venda de propriedades rurais, exploração de recursos naturais e a utilização de empresas de fachada para ocultar a origem ilegal dos recursos.

A atuação do Judiciário na repressão aos crimes ambientais na Amazônia Legal envolve várias frentes, desde a investigação e punição dos responsáveis até a desarticulação das organizações criminosas envolvidas. Para isso, o Judiciário tem utilizado a legislação específica para lavagem de dinheiro (Lei nº 9.613/1998) para rastrear e bloquear ativos provenientes de crimes ambientais. A aplicação de medidas como o bloqueio de contas bancárias, confisco de bens e o uso de cooperação internacional tem sido essencial para impedir que os recursos ilegais circulem e financiem novas atividades criminosas.

Além disso, julgar crimes ambientais tem a tarefa de impor penas que sejam proporcionais à gravidade dos danos causados ao meio ambiente. Isso inclui a aplicação de sanções penais e civis, como a reparação dos danos, multas substanciais, e, em casos graves, a prisão dos envolvidos. A aplicação da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) tem sido um instrumento fundamental nessa atuação.

Política nacional e outras iniciativas

O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) instituiu, em 2021, um importante instrumento para combater esses crimes: a Política Nacional do Poder Judiciário para o Meio Ambiente (Resolução CNJ nº 433), que representa um avanço significativo na luta contra os crimes ambientais. Além disso, a capacitação contínua e o uso de ferramentas tecnológicas por magistrados têm aprimorado a precisão e eficácia das decisões em matéria ambiental. Outro avanço, é a colaboração entre diferentes órgãos, que facilita a resolução de conflitos complexos, tornando as operações contra crimes ambientais mais eficientes.

A resolução tem inspirado iniciativas inovadoras em tribunais de todo o Brasil, demonstrando o potencial transformador da norma para a Justiça Ambiental e a implementação da Política. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), por exemplo, desenvolveu uma plataforma digital que integra dados ambientais, permitindo que magistrados e servidores acessem informações sobre processos, áreas protegidas, indicadores de qualidade ambiental e outras informações relevantes para a tomada de decisão.

Já o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), tem utilizado ferramentas de geoprocessamento para analisar dados ambientais e auxiliar na tomada de decisão em processos que envolvem questões territoriais e ambientais. Criou ainda indicadores de desempenho para acompanhar a evolução da tramitação de processos ambientais e a efetividade das decisões judiciais.

Focados na política, alguns tribunais têm autorizado o uso de drones para a realização de perícias ambientais, agilizando o processo e reduzindo custos. Ainda tem a criação de bancos de dados de jurisprudência ambiental, iniciativa que facilita a consulta de precedentes e a identificação de soluções inovadoras para problemas ambientais. E muitos têm criado grupos de trabalho para discutir e implementar as diretrizes da resolução, além de criar parcerias com universidades e centros de pesquisa para a troca de conhecimento entre o meio acadêmico e o Judiciário.

Spacca

Apesar dos avanços, ainda existem medidas essenciais para que a Justiça possa atuar de maneira mais eficaz na repressão aos crimes ambientais na Amazônia Legal, como o fortalecimento da cooperação interinstitucional entre o Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, Ibama.

Nova metodologia

Para identificar de forma mais concreta os impactos dos crimes ambientais, o CNJ divulgou, recentemente, os resultados da pesquisa intitulada “Crimes Ambientais na Amazônia Legal”, que envolveu esforços conjuntos do Conselho Nacional de Justiça, da Associação de Magistrados do Brasil e da Associação Brasileira de Jurimetria, e empregou uma metodologia inédita para a obtenção dos resultados apresentados, envolvendo tanto uma perspectiva quantitativa quanto qualitativa.

O enfoque criminológico foi inédito: buscou-se fugir do senso comum de que o crime ambiental é oriundo de populações de baixa renda ou de pequenos garimpeiros, desmatadores ou caçadores para, pela primeira vez, lançar um enfoque nas organizações criminosas de grande porte e nos segmentos econômicos que, sob uma aparência de legalidade, auferem proveito desses crimes.

Esses achados são importantes por diversas razões, como para priorizar a persecução penal dos crimes ambientais não só para o cidadão economicamente ou socialmente vulnerável aos grandes grupos criminosos regionais, e fomentar uma cadeia de governança no setor privado, a partir de um aprimoramento da regulamentação pública.

Um dos pontos que chamou atenção como resultados de pesquisa foram a predominância dos crimes de desmatamento (45%) e, logo em seguida, de garimpo (40%) nos processos da Justiça Federal, mas também com número significativo de invasão e grilagem. O que demonstra que o crime ambiental, para sua ocorrência, vem acompanhado de diversas outras figuras típicas, aumentando a complexidade de sua apuração e capitulação

Especificamente três pontos chamaram mais atenção:

1) A atuação de narcomadeireiros e prática de tráfico de drogas por garimpeiros ilegais: os crimes ambientais por vezes é a primeira oportunidade criminosa de uma organização criada para o crime. Operação Corrida do Ouro, foi investigada organização criminosa que consistiria na atuação de policiais civis e militares, traficantes de drogas, pistoleiros e ex-políticos locais no garimpo denominado Serra do Caldeirão, na fronteira com a Bolívia, em processo do Mato Grosso.  O mesmo fenômeno ocorreu em diversos outros Estados pesquisados.

Também há relatos de garimpeiros que utilizam as aeronaves também para drogas, o que demonstra que a relação entre crimes ambientais e tráfico de drogas está muito mais forte e ligada do que se pensou anteriormente, sendo que esse modus operandi criminoso está perpassando vários Estados do Norte do país. A cadeira de corrupção de agentes públicos para crimes ambientais também abre margem para a corrupção em favor de outros crimes mais graves, tal como o tráfico de drogas.

2) O uso de greenwashing por parte de empresas intermediárias: empresas que querem receber crédito de carbono, certificações ambientais e/ou recursos de financiamento externo de grande porte tentam manipular as comunidades ou habitantes locais a assinarem documentos sem estarem devidamente esclarecidos. Seria a governança verde a todo e qualquer custo, em detrimento da vontade, esclarecimento e direitos das comunidades tradicionais. Tal como ocorreu no escândalo do trabalho escravo das vinícolas no sul do Brasil, na Amazônia há fenômeno similar chamado de greenwashing ou grilagem verde.

3) A preponderância de réus pessoa física (66%) e de pessoas de baixa renda quando ocorre o flagrante desses crimes. Acompanhado do achado qualitativo de que esses crimes são maciçamente dependentes do uso de laranjas e intermediários, com cooptação de pessoas da sociedade local em vulnerabilidade social, nos preocupa na perspectiva de que se deve pensar em políticas que priorizem a apuração macro e sistêmica desses crimes, preponderando a identificação do mandante ou dos líderes dessas organizações criminosas, bem como dos segmentos econômicos que dela depende, e não simplesmente a ponta da autoria.

Especialização é importante

Portanto, a complexidade dos crimes ambientais na Amazônia exige que magistrados e operadores do Direito estejam capacitados e especializados em questões ambientais e de lavagem de dinheiro. A criação de varas especializadas e a formação contínua são passos importantes nesse sentido e, embora a legislação brasileira seja robusta, é necessário aperfeiçoá-la para enfrentar os novos desafios impostos pelas práticas criminosas na Amazônia. Isso inclui a criação de mecanismos mais eficientes para a recuperação de ativos e o aumento das penas para crimes ambientais graves.

A Resolução CNJ nº 433/2021 marca um passo decisivo na consolidação da Justiça Ambiental no Brasil, oferecendo diretrizes claras e inovadoras para enfrentar os desafios impostos pelos crimes ambientais. Os avanços já observados demonstram o compromisso das instituições com a promoção da sustentabilidade e a proteção do meio ambiente. Contudo, a complexidade dos problemas exige esforços contínuos e, apesar dos desafios, o Judiciário tem feito progressos significativos.

Afinal, a proteção da Amazônia Legal não é apenas uma questão ambiental, mas também de justiça social e econômica, essencial para o futuro do Brasil e do planeta. E, para garantir um futuro sustentável, é imperativo que a Justiça continue a evoluir e se adaptar, enfrentando os desafios com determinação e inovação.

Autores

  • é juíza federal, conselheira do CNJ, doutora em Direito pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha), mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), presidente da Comissão Permanente de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 2030, membro da Comissão Permanente de Sustentabilidade e Responsabilidade Social, integrante do Comitê Gestor da Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição, integrante do Grupo Decisório do Centro de Inteligência do Poder Judiciário (CIPJ), integrante da Comissão Permanente de Sustentabilidade e Responsabilidade Social.

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