Reflexões Trabalhistas

Será o fim do Direito do Trabalho?

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2 de maio de 2025, 8h00

Neste dia 2 de maio, que passou a ser considerado pelo MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) ponto facultativo, permitindo a emenda do feriado do dia 1º de Maio, gostaria de escrever sobre a evolução do direito do trabalho e as novas tecnologias; sobre a proposta da diminuição da jornada e o fim da escala 6×1; ou ainda, sobre o adiamento da vigência da NR-1, que postergou para 2026 a obrigatoriedade de medidas sobre saúde mental no trabalho.

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Entretanto, o Direito do Trabalho corre o risco de desaparecer e assim como inúmeros doutrinadores, juristas, sociólogos, professores, jornalistas e operadores da área trabalhista, não posso me furtar a tratar do embate promovido pelo STF contra o Direito e a Justiça do Trabalho.

Não é de hoje o desprestígio da Justiça do Trabalho. Me lembro de ter ouvido, há mais de 30 anos, quando ainda era aluna do curso de Direito, que se o advogado não tivesse conhecimento e preparo, ainda lhe sobraria a área trabalhista, já que não seria tão complicado fazer um acordo na Justiça do Trabalho, muitas vezes chamada de “justicinha”, não só pelo número de conciliações, mas porque sempre defendeu o trabalhador, ou seja, o cidadão e a cidadã que acorda cedo, usa transporte público, trabalha muitas vezes sem intervalo e em sobrejornada, e ainda se vê obrigado(a) a procurar a Justiça para receber as verbas rescisórias devidas.

Recentemente, descobri que ter “emprego CLT” e “carteira assinada” virou sinônimo de ofensa entre crianças e adolescentes, pois significaria o mesmo que não ter sucesso [1].

De fato, passados mais de cem anos da instituição do dia 1º de Maio como feriado em comemoração ao Dia Internacional do Trabalhador [2], o futuro não me parece alvissareiro.

Ao contrário, os direitos de proteção dos trabalhadores, a tal “carteira assinada” e os direitos dela decorrentes, correm o risco de desaparecer.

Como se sabe, no mês passado, o Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes, reconheceu a repercussão geral do Tema 1.389 e suspendeu todos os processos que discutem a chamada “pejotização”.

Aliás, também não é de hoje que as decisões da Suprema Corte têm “confundido” os conceitos de terceirização e “pejotização”, de relação de emprego e relação de trabalho, forçando uma interpretação equivocada da Carta Constitucional e da CLT.

Para Marco Aurélio dos Anjos [3], a referida decisão “vai além de uma deliberação sobre competência ou técnica jurídica” pois “se traveste de legalidade para operar uma manobra política de contenção jurisdicional”.

E acrescenta, de forma clara e precisa, que “mais do que uma medida de efeito prático, trata-se de um gesto simbólico e disciplinador”, pois se a Justiça do Trabalho se recusa reiteradamente em aplicar os precedentes da Suprema Corte sobre terceirização e liberdade de organização produtiva, “resta-lhe o castigo da mordaça processual.”

Sobre o tema, Rosangela Rodrigues Lacerda e Silvia Teixeira do Vale [4], explicam com perfeição, que “o Supremo Tribunal Federal passou a decidir que as teses que liberaram a terceirização em atividade-fim igualmente liberaram o trabalhador para ser autônomo e poder decidir se desejaria ser empregado ou ‘pejotizado’.” Para as autoras, “é como se o trabalhador, pessoa física, prestadora de serviços em favor de outrem, de forma dependente, passasse, de uma hora para a outra, a ter plenos poderes de negociação, com total autonomia, podendo optar por ser celetista ou PJ.”

As críticas às decisões do Supremo em matéria trabalhista são muitas e fundamentadas. Afinal, não basta que o trabalhador esteja fantasiado de PJ para deixar de ser empregado; não se concebe a retirada da competência da Justiça Trabalhista de julgar as relações trabalho expressamente prevista no artigo 114 da CF; ou, de reconhecer a existência de vínculo empregatício, considerando nulos de pleno direito os atos que desvirtuam, impedem ou são capazes de fraudar a aplicação da lei, nos termos do artigo 9º da CLT.

Afinal, a legalização das fraudes pelo STF “é a maior ameaça que paira neste Dia dos Trabalhadores”, como garante o colunista do UOL, Leonardo Sakamoto [5].

Lorena Vasconcelos Porto [6] faz uma comparação brilhante entre a Batalha de Dunquerque, de 1940, e o reconhecimento da repercussão geral do Tema 1.389 pelo STF, já que existe “a possibilidade de legitimação da fraude e de retirada da competência da Justiça do Trabalho com efeito vinculante”.

Assim como praticamente a totalidade da comunidade jurídico-trabalhista, na qual me incluo, Francisco Alberto da Mota Peixotto Giordani [7], se mostra indignado e decepcionado com o desacerto da decisão do ministro Gilmar Mendes. Afinal, os “prêmios” concedidos pelo STF aos trabalhadores neste Dia Internacional do Trabalhador, todos listados por Conrado Hübner Mendes [8], estão longe, mas muito longe mesmo, de promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e, especialmente, o trabalho decente para todas e todos, conforme descrito no Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 8 da Agenda 2030 [9].

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[1] ‘Crianças demonizam CLT’: carteira assinada vira ofensa entre jovens

[2] Portal da Câmara dos Deputados – O feriado foi instituído pelo Decreto n. 4.859, de 26 de setembro de 1924, pelo então presidente Arthur Bernardes, determinando que, a partir de 1º de maio de 1925, o dia fosse “consagrado à confraternidade universal das classes operárias e em comemoração dos mártires do trabalho”.

[3] Pejotização: caminho aberto para a blindagem da fraude

[4] ‘Pejotização’ do trabalho: o que está em jogo no Supremo

[5] STF legalizar fraudes é maior ameaça que neste Primeiro de Maio

[6] Lorena Porto – STF X Direito do Trabalho: Batalha de Dunquerque

[7] Portal – Federação dos Empregados no Comércio do Estado de São Paulo

[8] STF homenageia o trabalhador brasileiro – 30/04/2025 – Conrado Hübner Mendes – Folha

[9] Sustainable Development Goal 8: Trabalho decente e crescimento econômico | As Nações Unidas no Brasil

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