Jornalista não precisa indenizar Hang por replicar e comentar notícia
2 de maio de 2025, 20h17
Embora não haja uma hierarquia formal entre os direitos fundamentais, em caso de conflito, a liberdade de expressão deve ser protegida de forma mais robusta, devido à sua relevância para a democracia e o pluralismo político.
Com esse entendimento, a 2ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina negou na quarta-feira (30/4) indenização ao empresário Luciano Hang, dono da rede de lojas de departamento Havan, em função de críticas feitas por um jornalista em um canal do YouTube.

Hang pedia indenização por falas de jornalista em canal de YouTube
A decisão muda o posicionamento anterior do próprio TJ-SC, que, no último ano, havia condenado o réu a pagar uma indenização de R$ 100 mil, além de retirar o vídeo do ar.
Na ação, Hang contestou falas de Helder Maldonado, apresentador do canal Galãs Feios. O jornalista reproduziu uma reportagem do portal de notícias UOL sobre um suposto relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que apontava inconsistências e irregularidades na fortuna do empresário, bem como seu envolvimento em ilícitos como lavagem de dinheiro e agiotagem.
Hang alegou que o relatório nunca existiu e que Maldonado extrapolou os limites da liberdade de expressão ao reproduzir informações falsas e ofensivas, sem cumprir seu dever de verificar a veracidade antes de divulgá-las. Por isso, pediu a retirada do vídeo do ar e a indenização por danos morais.
Já o réu indicou que apenas reproduziu e comentou a notícia veiculada pelo UOL. Ele argumentou que as críticas eram legítimas e baseadas em fatos já divulgados na mídia.
Após a condenação no último ano, Maldonado apresentou embargos de declaração e alegou que a decisão não o considerou como jornalista no exercício de sua profissão. Já Hang argumentou que a profissão não eximia o réu da responsabilidade por calúnia e difamação.
Proteção a jornalistas
O desembargador João Marcos Buch, relator do caso, concordou que, no último ano, o tribunal não considerou o réu como jornalista. Ele explicou que tal atividade é essencial para a democracia, pois informa o público sobre questões importantes e traz críticas necessárias para fomentar o pluralismo e a diversidade de opiniões.
“Enquanto influenciadores digitais não possuem as mesmas proteções legais que os jornalistas e podem ser responsabilizados por informações falsas ou difamatórias, atuando principalmente em plataformas digitais e redes sociais, os jornalistas são protegidos por normas que garantem o sigilo da fonte e se responsabilizam pela veracidade e precisão das informações”, apontou.
Na decisão de 2024, a única menção a conteúdo jornalístico dizia respeito à notícia do UOL, e não ao réu.
Para o relator, retirar o vídeo do ar é uma “medida extremamente gravosa”, pois se trata da opção que mais restringe o direito à liberdade de expressão. Segundo ele, poderia ser garantido o direito de resposta ao empresário.
Em outro processo, Hang conseguiu direito de resposta no UOL. Na visão de Buch, se essa foi a solução adotada para o portal, a retirada do vídeo é uma punição desproporcional para Maldonado, cujo canal “possui alcance limitado”.
O magistrado apontou que, nas diferentes redes sociais, o jornalista tem entre 76 mil e 500 mil seguidores. Já Hang tem seis milhões de seguidores somente no Instagram, enquanto a Havan tem nove milhões.
Credibilidade da informação
Buch lembrou de precedente vinculante do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual um jornal só pode ser responsabilizado por reportagens em que o entrevistado acusa alguém falsamente da prática de crime se, à época, havia indícios concretos da falsidade e o veículo não verificou a veracidade das alegações.
De acordo com o desembargador, à época da publicação da reportagem do UOL, não havia indícios concretos de falsidade da acusação. Além disso, Maldonado apenas se baseou na divulgação do texto do portal, que é uma das principais fontes de notícias online do Brasil, “frequentemente lembrado por sua precisão e confiabilidade”.
O réu também comprovou que outros veículos de informação, “igualmente tradicionais”, mencionaram a existência do relatório da Abin. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) também afirmou ter recebido o documento.
Ou seja, Maldonado apenas fez comentários a partir de textos jornalísticos de meios de comunicação tradicionais, “sob contexto plausível de informações”.
Mais do que isso, o jornalista apresentou diversas notícias, investigações, inquéritos e decisões judiciais que mencionavam o envolvimento de Hang em fraudes, dívidas tributárias, crimes contra o sistema financeiro nacional, propaganda eleitoral irregular, assédios trabalhistas e disseminação de fake news.
Segundo Buch, o empresário tem se envolvido em várias polêmicas ao longo dos anos. Assim, para o relator, a reprodução das acusações é um “ato razoável, atrelado a acontecimentos contextualizados a outras polêmicas” envolvendo o autor, sem intuito de difamá-lo, injuriá-lo ou caluniá-lo “de forma gratuita, descabida e desarrazoada”.
O magistrado apontou que a responsabilização por eventuais danos morais deve ser direcionada aos criadores do conteúdo. Portanto, no caso de Maldonado, “deve prevalecer o direito constitucional de liberdade de expressão e imprensa, com vedação à censura”.
Pessoa conhecida
Buch ainda ressaltou que Hang é uma “pessoa pública bastante exposta” pelas polêmicas nas quais se envolve, é visto com frequência na mídia e tem um histórico de participação ativa em eventos políticos, muitas vezes ao lado de figuras importantes, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Quando o direito à honra e à imagem das pessoas com exposição pública entra em conflito com o próprio interesse público, a preservação da livre manifestação do pensamento tem prioridade em relação aos requerimentos de proteção do interesse individual”, assinalou.
Em outras palavras, com a ressalva de ofensas graves, “pessoas públicas estão mais sujeitas a críticas e comentários devido à sua notoriedade”.
Ele considerou “nítida” a tentativa de Hang intimidar o réu, que é um “mero jornalista à frente de um canal do YouTube, com poucos seguidores em comparação com o grande poderio econômico, estrutural, material, estratégico pessoal” do autor.
Por fim, o desembargador lembrou que o empresário foi considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral devido ao uso da estrutura de sua empresa, de seu poderio financeiro e de fake news para influenciar o eleitorado a não votar em partidos de esquerda.
“Enquanto as chamadas fake news são notícias sabidamente falsas divulgadas com a intenção de enganar as pessoas e influenciar seus comportamentos, a crítica promovida pelo vídeo em questão, ainda que supostamente exagerada, satírica e humorística, não retrata tal intento”, finalizou.
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Processo 5013639-89.2021.8.24.0011
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