Opinião

Direito líquido e certo da empresa executada na substituição da penhora pelo seguro garantia

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31 de março de 2024, 13h26

Recentemente, o Tribunal Superior do Trabalho julgou pelo provimento de recurso ordinário em mandado de segurança para reconhecer o direito líquido e certo da parte devedora em substituir a penhora de dinheiro por seguro garantia [1].

A referida decisão é ótima para as empresas devedoras, pois, além de demonstrar posição jurisprudencial sobre um mecanismo de escape para as empresas executadas, que é o seguro-garantia, apresenta também a possibilidade de utilização do mandado de segurança como sucedâneo recursal.

O Código de Processo Civil estabelece no artigo 835, §2º [2], que o seguro-garantia judicial se equipara ao dinheiro para fins de requerimento de substituição da penhora, desde que o valor garantido pela apólice não seja inferior ao débito constante na petição inicial, acrescido de 30%.

No âmbito da Justiça do Trabalho, o seguro-garantia é disciplinado pelo Ato Conjunto TST.CSJT.CGIT nº 1, de 16 de outubro de 2019. Neste normativo existem algumas exigências adicionais para a aceitação do seguro-garantia, além do acréscimo de 30% sobre o valor executado e atualizado, a saber:

Art. 3º – A aceitação do seguro garantia judicial de que trata o art. 1º, prestado por seguradora idônea e devidamente autorizada a funcionar no Brasil, nos termos da legislação aplicável, fica condicionada à observância dos seguintes requisitos, que deverão estar expressos nas cláusulas da respectiva apólice:

I – no seguro garantia judicial para execução trabalhista, o valor segurado deverá ser igual ao montante original do débito executado com os encargos e os acréscimos legais, inclusive honorários advocatícios, assistenciais e periciais, devidamente atualizado pelos índices legais aplicáveis aos débitos trabalhistas na data da realização do depósito, acrescido de, no mínimo, 30%. […]

III – previsão de atualização da indenização pelos índices legais aplicáveis aos débitos trabalhistas;

IV – manutenção da vigência do seguro, mesmo quando o tomador não houver pago o prêmio nas datas convencionadas, com base no art. 11, §1º, da Circular 477 da SUSEP e em renúncia aos termos do art. 763 do Código Civil e do art. 12 do Decreto-Lei 73, de 21 de novembro de 1966;

V – referência ao número do processo judicial;

VI – o valor do prêmio;

VII – vigência da apólice de, no mínimo, 3 (três) anos;

VIII – estabelecimento das situações caracterizadoras da ocorrência de sinistro nos termos do art. 9º deste Ato Conjunto;

IX – endereço atualizado da seguradora;

X – cláusula de renovação automática.

Tais requisitos são condicionantes da validade e aceitação da apólice do seguro-garantia como substituição à penhora em dinheiro, de forma que o mínimo descumprimento dos requisitos já dá azo para a recusa do Juízo Trabalhista.

Entretanto, com o cumprimento de todos os requisitos indicados no ato conjunto, a substituição da penhora pelo seguro-garantia judicial constitui direito líquido e certo, conforme o julgamento do recurso ordinário em mandado de segurança nº 0001232-23.2019.5.05.0000, que foi ementado nos seguintes termos:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INDEFERIMENTO DA PETIÇÃO INICIAL. ATO COATOR QUE INDEFERIU O PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DE PENHORA EM NUMERÁRIO POR SEGURO-GARANTIA JUDICIAL. CABIMENTO DO MANDAMUS. MITIGAÇÃO DA OJ N.º 92 DA SBDI-2 DO TST. VIOLAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ART. 835 DO CPC E OJ N.º 59 DA SBDI-2 DO TST. PRECEDENTES. MANDADO DE SEGURANÇA ADMITIDO E SEGURANÇA CONCEDIDA. 1. A jurisprudência da SBDI-2 desta Corte Superior tem se orientado no sentido de reputar a recusa da substituição de penhora em dinheiro por seguro-garantia judicial como afronta a direito líquido e certo da parte, em face do que dispõem os arts. 805 e 835, § 2.º, do CPC de 2015 e a OJ n.º 59. E com amparo nesse entendimento, tem admitido a mitigação da OJ n.º 92, em razão da manifesta ilegalidade de tal recusa. […]

Com essa decisão, o Tribunal Superior do Trabalho demonstra sensibilidade frente às consequências que o ônus da execução trabalhista pode gerar nas empresas, especialmente quando má coordenada, bem como acena positivamente para um instrumento de escape para as empresas com débitos trabalhistas, que é o seguro-garantia judicial em substituição ao dinheiro.

Sabe-se que na forma do artigo 835, §1º, do CPC [3], o dinheiro é o bem prioritário à penhora, muito em razão do fato de possuir máxima liquidez, mas a norma processual civil não coloca como sendo o único e exclusivo bem passível de penhora, apesar de existir certa rigidez de entendimento neste sentido.

Menor ônus possível à parte executada

Spacca

São nestes momentos que os tribunais precisam ter maior sensibilidade, especialmente em razão da previsão contida no artigo 805, do CPC, sobre a observância das formas de execução que causem o menor ônus possível à parte executada [4], o que serve de base ao princípio da menor onerosidade ao executado.

Como se este aspecto já não fosse importante o suficiente, há ainda a relevância processual da decisão, que é representada na aceitação do mandado de segurança como sucedâneo recursal em meio à fase de execução.

A maioria esmagadora dos tribunais regionais do trabalho, via de regra, aplicam o entendimento exposto na Orientação Jurisprudencial 92 da SDI-1, no sentido de que o mandado de segurança não é cabível quando existir viabilidade recursal nos próprios autos[5].

Tanto é assim que, no julgamento do supracitado Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 1232-23.2019.5.05.0000, a divergência apresentada pelo ministro Aloysio Corrêa de Veiga — que não prevaleceu —, foi exatamente o de sequer conhecer o writ, em respeito à orientação jurisprudencial do próprio tribunal.

Por isso que a recente decisão também é importante sob o viés processual, porque demonstra que os tribunais, em especial o Superior do Trabalho, já vêm flexibilizando a regra quanto à impetração do mandado de segurança ainda que tenha recurso próprio para combater a decisão, principalmente quando se fala da fase de execução do processo trabalhista.

De todo modo, as principais consequências práticas dessa decisão são sentidas pelas empresas que podem enxergar o seguro-garantia como uma saída para garantir a execução sem se descapitalizar no valor integral executado, abrir margem para defesa em meio à fase de execução (com a consequente suspensão dos atos constritivos) e, consequentemente, ganhar mais fôlego para superar essa fase processual tão onerosa.

 


[1] Mandado de Segurança nº 0001232-23.2019.5.05.0000.

[2] CPC, artigo 835 – A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: […] § 2º Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.

[3] CPC, artigo 835 – […] § 1º É prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

[4] CPC, artigo 805. Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.

[5] TST, Orientação Jurisprudencial nº 92 – Mandado de Segurança. Existência de Recurso Próprio – Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial passível de reforma mediante recurso próprio, ainda que com efeito diferido.

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