Opinião

Golpe militar, 60 anos: STF deve rediscutir a Lei da Anistia de 1979

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26 de março de 2024, 6h04

Este mês de março marca os 60 anos do golpe militar de 1964 e o Supremo Tribunal Federal tem a oportunidade de definir, de uma vez por todas, se os crimes contra a humanidade cometidos pelo Estado brasileiro na época da ditadura, notadamente crimes de tortura contra desafetos políticos e desaparecimento forçado, estão abrangidos pela Lei de Anistia de 1979.

O assunto foi levado ao STF pela ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) nº 320, proposta pelo PSOL em 5 de maio de 2014, em que, recentemente, o relator, ministro Dias Toffoli, aventou a possibilidade de uma audiência pública para promover um amplo debate e, por fim, levar o tema a julgamento.

O ponto central da discussão jurídica é a aplicação das regras e princípios de direito internacional que estabelecem que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis e não podem ser objeto de anistia conferida pelo próprio Estado ofensor e, como consequência, busca-se o reconhecimento pelo Supremo de que a Lei de Anistia não alcança esses crimes.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos ao julgar o caso Gomes Lund e Outros (guerrilha do Araguaia) reconheceu que:

“as disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos graves de violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana, ocorridos no Brasil.”

Em outro julgamento histórico, ao julgar o caso Vladimir Herzog, a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Estado brasileiro promovesse o julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e assassinato do jornalista morto em 1975.

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Ditadura militar, Exército, totalitarismo

Essas normas de direito internacional, assim como as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, integram o direito brasileiro, porque o Brasil assim decidiu ao celebrar ou ratificar as diversas convenções internacionais que tratam do tema, tais como Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Estatuto de Roma, Convenção de Genebra de 1949, dentre outras.

A aplicação do direito internacional para a definição do alcance da Lei de Anistia conduz à inafastável conclusão de que os crimes de tortura e desaparecimento de presos e opositores políticos, praticados por agentes do estado, devem ser investigados e os agentes punidos, ainda que com décadas de atraso.

Nossa sociedade brasileira precisa conhecer o posicionamento do Judiciário sobre os crimes de lesa-humanidade que foram praticados de forma sistemática pelo estado brasileiro, até mesmo pelo caráter educativo que uma decisão dessa envergadura teria na formação dos cidadãos e na atuação dos demais agentes do estado.

A consequência mais nociva da anistia de 1979 — e de qualquer anistia, aliás — é justamente impedir que o Judiciário aprecie os atos anistiados e, com isso, não esclareça para a sociedade que esses atos constituem crimes, são atos ilícitos gravíssimos e que não são tolerados pelo estado democrático de direito.

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