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PL que recomenda critérios para preventiva viola presunção de inocência

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24 de março de 2024, 16h30

Apresentado no começo de fevereiro deste ano pelo senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), o Projeto de Lei 10/2024 recomenda quatro situações em que a prisão em flagrante deve ser convertida em preventiva. E a proposta do ex-juiz foi duramente criticada pelos criminalistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico, que apontam, entre outros problemas, a violação do princípio da presunção de inocência.

Especialistas criticaram duramente a proposta de Moro sobre prisão preventiva

Aprovado neste mês na Comissão de Segurança Pública do Senado, o texto, que promove alterações no Código de Processo Penal, está agora na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da mesma casa legislativa.

As quatro possibilidades em que a conversão da prisão em flagrante em prevetiva é recomendada pelo PL são as seguintes: “Haver provas que indiquem a prática reiterada de infrações penais pelo agente; ter a infração penal sido praticada com violência ou grave ameaça contra pessoa; ter o agente já sido liberado em prévia audiência de custódia por outra infração penal, salvo se por ela tiver sido bsolvido posteriormente; ou ter o agente praticado a infração penal na pendência de inquérito ou ação penal”. Na prática, segundo os críticos do texto, acusados podem ser mantidos sob custódia automaticamente antes de serem julgados.

“Inútil e ilegal” são as características que definem o projeto, no entendimento de Fernando Fernandes, mestre em Criminologia e Direito. Ele destaca que os motivos para a prisão preventiva já estão estabelecidos no artigo 312 do CPP e podem ser decretados sempre que as medidas alternativas não forem suficientes.

“Uma lei que recomenda, como essa faz, é inútil porque ou estão presentes os requisitos e a prisão é necessária ou a prisão é ilegal”, explica o criminalista.

Para ele, o PL parte da falsa ideia de que os juízes soltam de maneira exagerada em audiências de custódia. “Os magistrados analisam a necessidade da prisão preventiva, não havendo, devem soltar.”

Luiza Vasconcelos Oliver, conselheira da seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), considera o projeto “casuístico”. Além disso, ela lembra que o texto elenca situações em que sempre é recomendada a decretação da prisão, o que considera “extremamente problemático”. “Dá margem para imposição automática da prisão em determinados casos.”

A advogada explica que a audiência de custódia foi implementada como um mecanismo de proteção do preso, evitando excessos e abusos e impedindo prisões desnecessárias e ilegais. “O PL subverte a essência da audiência de custódia, pois incentiva a decretação das prisões preventivas diante de critérios objetivos.”

Violação de direitos humanos

Para o advogado e professor Wellington Arruda, membro da Comissão Especial de Direito Penal da OAB-SP, a aplicação indiscriminada da prisão preventiva pode ser vista como uma violação dos direitos humanos, especialmente quando não há justificativa concreta e individualizada que sustente a necessidade dessa medida extrema.

“O PL parece comprometer a análise cuidadosa e individualizada de cada caso, que deveria ser a norma. Isso viola não apenas a garantia da presunção de inocência, mas também o princípio da proporcionalidade”, afirma Arruda.

Outros problemas apontados pelo criminalista são o possível prejuízo para o sistema penitenciário, com o aumento da população carcerária, e a sobrecarrega do sistema judicial.

“O aumento potencial de prisões preventivas pode piorar ainda mais o sistema judiciário, prolongando os prazos processuais e retardando a administração da Justiça, não só para os indivíduos diretamente afetados, mas para o sistema como um todo.”

Nota de protesto

Na semana passada, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) publicou uma nota de protesto contra o projeto do senador Moro. O documento lembra que a audiência de custódia é um direito garantido a todas as pessoas presas, que devem ser apresentadas a um juiz em até 24 horas, independentemente do tipo de delito praticado.

A audiência de custódia é prevista em acordos internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto de São José da Costa Rica e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Mariana Dias, diretora-executiva do IDDD, destaca que a audiência se presta justamente a avaliar a necessidade da decretação da prisão preventiva, e se é possível a substituição por medidas cautelares.

“A regra deve ser sempre a liberdade”, diz Mariana. “Há tempos existia ali a decretação da prisão preventiva compulsória, e a gente avançou no sentido de trazer requisitos, e agora a gente tem a audiência de custódia. Então, estamos voltando para trás nos direitos e nas garantias individuais.”

A visão de Moro

Em resposta às críticas dos criminalistas, o senador Sérgio Moro afirmou à ConJur que a audiência de custódia se tornou, em várias situações, “uma porta giratória para criminosos perigosos, e há casos de estupradores, membros do crime organizado e infratores sendo colocados em liberdade”.

O ex-juiz acrescentou que o objetivo de seu projeto não é eliminar a audiência de custódia, mas formular critérios para orientar os julgadores, apresentando as situações em que os presos não devem ser libertados.

De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil teve desde janeiro de 2015 mais de 1,4 milhão de audiências de custódia, com a concessão da liberdade em 592.778 casos.

 

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