Opinião

Direito constitucional a uma avaliação adequada no contexto da educação inclusiva

Autor

  • Frank Ferreira

    é advogado criminalista membro efetivo na Comissão de Diversidade e Gênero da OAB–CE e especialista em acessibilidade diversidade e inclusão.

23 de março de 2024, 13h23

Na perspectiva da educação inclusiva, existem diversas discussões ainda presentes, seja por falta de conhecimento teórico ou legislativo. No entanto, há muito a ser feito para assegurar uma educação inclusiva para todos os alunos.

Nesse contexto, há uma questão muito relevante: a avaliação dos estudantes com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação. Muitos professores ou profissionais ligados à educação ainda enfrentam desafios para lidar de maneira precisa com a avaliação desses alunos.

Sabe-se que a inclusão não se resume apenas a “incluir”, mas em criar um ambiente em que todos os alunos na sala possam participar de forma inclusiva nas atividades e conteúdos inerentes à aula. É evidente que alguns necessitarão de adaptações. A questão é como realizar uma avaliação desses alunos para determinar seu progresso na aprendizagem.

É um desafio enfrentado por muitos professores, tanto das redes públicas quanto privadas. Há relatos de que isso esteja relacionado a questões de formação dos profissionais, especialmente aqueles que não possuem capacitação para receber esses alunos.

No entanto, a Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência) é clara em seu artigo 28, incisos X e XI [1], que o Poder Público deve assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:

[…] X – adoção de práticas pedagógicas inclusivas pelos programas de formação inicial e continuada de professores e oferta de formação continuada para o atendimento educacional especializado; XI – formação e disponibilização de professores para o atendimento educacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras, de guias intérpretes e de profissionais de apoio; […].

No Ceará, existe o Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará (Creaece), que oferece qualificações para professores e outros profissionais da educação, visando a prepará-los para a educação inclusiva. Mesmo sendo advogado, tive a oportunidade de realizar dois cursos de aperfeiçoamento pelo Creaece, com ênfase na educação inclusiva.

Aproveitamento escolar deve ser avaliado

De acordo com Maria Teresa Eglér Mantoan [2], os critérios de avaliação e de promoção devem ter como base o aproveitamento escolar que está previsto no artigo 24 da Lei nº 9.394 (LDB), devendo ser reestruturado, com intuito de executar os princípios constitucionais, da igualdade, do direito ao acesso, à permanência na escola básica, bem como ao acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, conforme a capacidade de cada indivíduo.

Conforme o artigo 24, inciso V, da Lei nº 9.394/96 (Diretrizes e Bases da Educação Nacional) [3], o rendimento escolar observará os seguintes critérios:

  • a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;
  • b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos com atraso escolar;
  • c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verificação do aprendizado;
  • d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito;
  • e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de preferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições de ensino em seus regimentos; […].

A jurisprudência [4] já entendeu pela avaliação individualizada. Veja-se:

EMENTA: REEXAME NECESSÁRIO – APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DIREITO – EDUCAÇÃO – MENOR – PESSOA COM DEFICIENCIA – PROSSIFIONAL DE APOIO – PROFESSOR – AVALIAÇÃO EDUCACIONAL – ESTUDO INDIVIDUALIZADO. 1 – O texto constitucional dispõe que a educação é direito de todos e dever do Estado, devendo o ensino ser ministrado visando à igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. 2 – Evidente que constitui um pressuposto incumbido ao poder público o desenvolvimento de projeto pedagógico, com atendimento educacional especializado (AEE) e demais serviços razoáveis para atender às características dos estudantes com deficiência, bem como disponibilizar professores e profissionais de apoio escolar para o atendimento, em caso de necessidade. 3 – A Lei de diretrizes e bases da educação nacional assegura a contratação de professores capacitados para atendimento dos alunos com deficiência, de forma a garantir sua integração nas classes comuns. 4 – Necessário realizar uma avaliação educacional individualizada aos alunos com deficiência, para indicar, com a devida fundamentação pedagógica, as medidas imprescindíveis para a efetiva inclusão, como a necessidade ou não de professores e de profissionais de apoio. (TJ-MG – AC: 10145190112857003 Juiz de Fora, Relator: Jair Varão, Data de Julgamento: 02/09/2021, Câmaras Cíveis / 3ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/09/2021).

Contudo, a professora Maria Teresa Eglér Mantoan esclarece que “o ensino individualizado/diferenciado para os alunos que apresentam déficits intelectuais e problemas de aprendizagem é uma solução que não corresponde aos princípios inclusivos, pois não podemos diferenciar um aluno pela sua deficiência”[5].

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Posto isto, Maria Teresa Eglér Mantoan ensina que “os alunos aprendem nos seus limites e se o ensino for, de fato, de boa qualidade, o professor levará em conta esses limites e explorará convenientemente as possibilidades de cada um” [6].

Portanto, torna-se compreensível a importância de evitar condutas segregacionistas durante o processo de avaliação, pois isso configuraria uma situação de discriminação e exclusão, totalmente em desacordo com as premissas constitucionais que asseguram ao aluno o direito à inclusão e permanência no âmbito escolar.

Cuidado com o bullying

Em alguns casos, é possível perceber que há uma diversidade de alunos na sala de aula. No entanto, mesmo com a inclusão destes na sala de aula, ainda ocorrem situações de bullying. Assim, é fundamental que o professor esteja atento ao desenvolvimento dos alunos, identificando as dificuldades que podem estar contribuindo para tais episódios de bullying. Além disso, é importante acompanhar o progresso dos estudantes para compreender as barreiras no processo de aprendizagem.

Logo, é evidente que se realize uma avaliação que envolva a participação de todos os alunos na sala, uma vez que isso também constituirá uma abordagem para lidar com possíveis situações de bullying que possam ocorrer em alguns casos. Os trabalhos desenvolvidos em grupos colaboram para o desenvolvimento de habilidades sociais, troca de conhecimentos, estimulam a criatividade e promovem a responsabilidade. É importante adaptar as atividades de grupos para assegurar a participação de todos os alunos.

Segundo Maria Teresa Eglér Mantoan [7], é necessário que haja uma avaliação que supra o caráter classificatório de notas e das provas, substituindo por uma visão diagnostica da avaliação escolar quando se ensina a turma toda.

Diante disso, há uma decisão que já assegurou o direito de uma aluna com deficiência a receber uma avaliação adequada. A não concessão desse direito causou danos à aluna, resultando em sua reprovação. A instituição de ensino teve, portanto, a obrigação de reparar os danos sofridos. Veja-se o julgado [8]:

APELAÇÃO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. Má prestação de serviços educacionais pela Ré à Autora, criança com deficiência e necessidades especiais. Decurso de todo um ano letivo sem prova nos autos de que a Ré tenha promovido efetivas adequações de métodos pedagógicos e de avaliação da aluna diante de patente dificuldade de aprendizado, para além das medidas ordinárias já adotadas, culminando na reprovação da Autora, sem os registros escolares devidos. Indenização por danos morais que deve observar patamar indenizatório razoável, à luz da concretude dos fatos e da capacidade econômica das partes. RECURSO DE APELAÇÃO DA AUTORA PARCIALMENTE PROVIDO.

(TJ-SP – AC: 10059988020208260405 SP 1005998-80.2020.8.26.0405, Relator: Berenice Marcondes Cesar, Data de Julgamento: 24/08/2021, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/08/2021)

O ensino tradicional utiliza um método de avaliação mais convencional, direcionado para um tipo específico de aluno. Esse sistema deve ser evitado no contexto da educação inclusiva. À vista disso, é necessário compreender que “o ensino seletivo é ideal para gerar indisciplina, competição, discriminação e preconceitos e também para categorizar os bons e os maus alunos, por critérios que são, em geral, infundados” [9].

Sem o direito a uma avaliação digna que possa refletir adequadamente a aprendizagem do aluno, é possível afirmar que houve diretamente uma violação ao princípio constitucional protegido pelo artigo 205 e seguintes, no qual o Estado tem o dever de garantir o direito pleno à educação. Em observância aos princípios contidos no artigo 206 da Constituição de 1988 [10]:

  • I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
  • II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
  • III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
  • IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
  • V – valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
  • VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
  • VII – garantia de padrão de qualidade.
  • VIII – piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal.
  • IX – garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.

No mais, é direito do aluno ter igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, conforme preceitua o artigo 3º da Lei nº 9.394/96. Sem uma avaliação adequada, não há que falar em igualdade ou permanência, uma vez que a avaliação faz parte de toda a estrutura educacional para a aprendizagem. Sua aplicação de forma inadequada feriria os princípios contidos na Lei nº 9.394/96 e na nossa Constituição.

 

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Referências
BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em: 06 fev. 2024.

BRASL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.   Acesso em: 19 mar. 2024.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 06 fev. 2024.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG – Ap Cível/Rem Necessária: AC 0112857-41.2019.8.13.0145 Juiz de Fora. Julgamento: 12 de setembro de 2021. Relator: Jair Varão. Jusbrasil. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-mg/1277882158/inteiro-teor-1277882227>. Acesso em: 06 fev. 2024.

BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP – Apelação Cível: AC 1005998-80.2020.8.26.0405 SP 1005998-80.2020.8.26.0405. Julgamento: 24 de agosto de 2021. Relator: Berenice Marcondes Cesar. Jusbrasil. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/1269531919>. Acesso em: 06 fev. 2024.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer?. Paulo: Moderna, 2003.


[1] BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em: 06 fev. 2024.

[2] MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer?. Paulo: Moderna, 2003, p. 25.

[3] BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 06 fev. 2024.

[4] BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG – Ap Cível/Rem Necessária: AC 0112857-41.2019.8.13.0145 Juiz de Fora. Julgamento: 12 de setembro de 2021. Relator: Jair Varão. Jusbrasil. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-mg/1277882158/inteiro-teor-1277882227>. Acesso em: 06 fev. 2024.

[5] MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer?. Paulo: Moderna, 2003, p. 36.

[6] Ibidem, p. 36.

[7] MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer?. Paulo: Moderna, 2003, p. 39.

[8] BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP – Apelação Cível: AC 1005998-80.2020.8.26.0405 SP 1005998-80.2020.8.26.0405. Julgamento: 24 de agosto de 2021. Relator: Berenice Marcondes Cesar. Jusbrasil. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/1269531919>. Acesso em: 06 fev. 2024.

[9] MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer?. Paulo: Moderna, 2003, p. 40.

[10] BRASL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.   Acesso em: 19 mar. 2024.

Autores

  • é advogado criminalista, membro efetivo na Comissão de Diversidade e Gênero da OAB–CE e especialista em acessibilidade, diversidade e inclusão.

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