Opinião

Mudança na classificação dos processos na saúde: vitória da classe médica

Autor

  • Samuel Anderson Nunes

    é advogado no escritório Fachin Advogados Associados e mestrando em Direito Econômico e Desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

22 de março de 2024, 12h19

No cenário jurídico brasileiro, uma mudança significativa promete alterar a forma como os processos relacionados à saúde são catalogados e compreendidos, tanto por profissionais da área médica quanto pela sociedade em geral.

Reprodução

Recentemente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma atualização na denominada tabela processual unificada (TPU), substituindo a terminologia “erro médico” por “danos materiais e/ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde” na classificação de processos e decisões judiciais relativos a serviços de saúde.

Esta alteração, fruto de um requerimento do Colégio Brasileiro de Cirurgiões com apoio do Conselho Federal de Medicina realizado no ano de 2013, representa uma mudança fundamental não apenas na nomenclatura, mas também no reconhecimento da complexa dinâmica da assistência médica.

‘Erro médico’

A antiga classificação “erro médico” na catalogação de processos e decisões judiciais relativos a serviços de saúde induzia a uma interpretação equivocada do ocorrido, sugerindo que o médico, individualmente, seria sempre o responsável por qualquer insucesso ou adversidade na prestação de serviços de saúde.

Ocorre que, muitas vezes, as intercorrências são resultados da dinâmica da equipe de saúde como um todo, ou até de aspectos operacionais e de infraestrutura, como os serviços de hotelaria dentro de uma unidade de saúde, que podem escapar completamente ao conhecimento da equipe médica.

Contudo, a simples participação do médico em um processo que discutiu a existência ou não de um erro médico era suficiente para que os pacientes e a população em geral encontrasse o seu nome associado ao termo “erro médico” em decisões judiciais, a partir de uma simples pesquisa pelo seu nome na Internet.

Isso dava a entender que o médico havia sido condenado por cometer algum erro na prestação dos serviços de saúde, mesmo nos casos em que ao final do processo ficou comprovado que os erros foram causados por situações fora da sua atuação. É o caso, por exemplo, dos danos causados aos pacientes por má conduta do hospital, corpo de enfermagem ou por outros profissionais e circunstâncias fora do seu controle.

Spacca

Portanto, esta terminologia que até então empregada simplificava e ignorava a natureza complexa e multifatorial dos cuidados de saúde, associava indevidamente a responsabilidade e a culpa aos médicos nos casos em que não teve culpa alguma, colocando em risco sua imagem e reputação profissional.

Para os médicos que atuam de forma individual e autônoma, cujas carreiras são construídas e mantidas com base na confiança e na credibilidade, essa associação poderia ter consequências ainda mais graves na sua reputação.

Com a substituição para o termo “danos materiais e/ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde”, o CNJ passa a reconhecer que os desafios e os resultados adversos em saúde podem ser o resultado de uma série de fatores complexos, muitos dos quais estão bem além da influência direta de um único profissional de saúde. Com isso, desvincula o profissional da ideia de culpa automática, protegendo sua reputação e permitindo uma análise mais objetiva e detalhada dos incidentes.

Este avanço representa uma vitória tanto para os profissionais de saúde, como também para os pacientes e para todo o sistema de saúde, promovendo um ambiente mais seguro e transparente, baseado na confiança mútua.

Autores

  • é advogado no escritório Fachin Advogados Associados e mestrando em Direito Econômico e Desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

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