Opinião

Há muito soberania deixou de ser barreira às sentenças estrangeiras

Autor

  • Augusto Assad Luppi Ballalai

    é advogado no escritório Ballalai Advocacia. Mestre em Direito Público com o tema Cooperação Judiciária Internacional pela Unisinos. Professor de Direito Internacional Público e Privado desde 2002. Especialista em compliance com a LGPD e GDPR DPOaaS (DPO as a service).

22 de março de 2024, 14h17

Nesta quinta-feira (21/3), o ministro Luiz Fux, do STF, negou Habeas Corpus impetrado pela defesa do ex-jogador Robinho, por se insurgir contra a aplicabilidade imediata da pena, tendo em vista que ainda pende recurso no Brasil.

A justiça internacional é um preceito perseguido pela sociedade em nível global, em vista de se coibir a impunidade do agente que pretende se livrar da persecução penal.

Há diversos obstáculos que distanciam este objetivo da realidade judiciária, sendo o principal deles o fato de não haver reconhecimento das mudanças que o Direito Internacional vem sofrendo.

Especialmente nos últimos anos, a cooperação judiciária internacional vem ganhando contornos bem definidos em diversos países do mundo, criando uma rede colaborativa em todas as matérias do Direito.

Sem barreira

Há muito a soberania nacional deixou de ser uma barreira às sentenças estrangeiras.

Atualmente, países como o Brasil estão legislando a favor do cumprimento dos tratados internacionais e da reciprocidade entre países.

Reconhecer a validade e cumprir uma sentença estrangeira em território nacional é uma mostra soberana de que o Poder Judiciário do país homologante está em consonância com o combate à evasão internacional de condenados.

Neste caso, temos duas situações a serem ponderadas. Primeiro o Brasil não extradita seus nacionais, em razão da garantia prevista na CF/88. Segundo a homologação de sentença estrangeira não tem o mesmo sentido do pedido de cumprimento da pena em solo nacional.

Na primeira consideração, é necessário citar o artigo 5º, inciso LI do texto constitucional:

nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei;

Robinho é brasileiro nato e, portanto, está inserido na primeira parte do texto. Deste modo, há evidente inconstitucionalidade de qualquer acolhimento do pedido de extradição.

Nesse sentido, no caso em comento, a questão não envolve a extradição do ex-jogador, mas, a análise de um pedido de homologação da sentença estrangeira e a imediata transferência do cumprimento da pena em solo brasileiro.

No HC impetrado no STF, a defesa do ex-jogador alegou que não houve trânsito em julgado da sentença. Contudo, o ministro Fux acertadamente decidiu que:

A sentença condenatória proferida na Itália transitou em julgado em 2022. Remetida ao Brasil, foi homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, para fins de “transferência de execução da pena” imposta ao paciente, nos termos do art. 100, parágrafo único, da Lei 13.445/2017 (…)

A homologação de sentença estrangeira é uma modalidade processual que não pode ser requerida sem a existência do trânsito em julgado no país onde tramita o processo criminal, entre outros requisitos do artigo 963, do CPC.

Assim, o próprio STJ decidiu previamente que houve o trânsito em julgado na sessão de julgamento do HDE nº 7986/IT:

Serão aplicáveis as normas da Lei n. 7.210/1984 — LEP para o cumprimento da transferência da execução de pena. Considerando-se que a sentença penal condenatória expedida pela Justiça Italiana de há muito transitou em julgado e que eventuais recursos que venham a ser interpostos em relação a esta decisão não possuirão efeito suspensivo (…).

Deve-se ressaltar, neste ponto, que o fato ocorreu na Itália no ano de 2013 e o processo criminal, portanto, transitou em julgado no ano de 2022.

Importante observar que o Código de Processo Civil brasileiro, aplicado subsidiariamente ao direito processual penal, cria os fundamentos para a Cooperação Judiciária Internacional, prevendo que a cooperação pode se dar por meio de tratado ou por reciprocidade. Mas em seu artigo 26, § 2º, cria uma excepcionalidade prevendo que:

“Não se exigirá a reciprocidade referida no § 1º para homologação de sentença estrangeira.”

Natureza administrativa

Reprodução GE

Sendo assim, é necessário frisar que o processo de homologação tem natureza administrativa, por estar afeto à administração da Justiça pelo STJ.

Mesmo a sentença condenatória tendo natureza criminal, o reconhecimento da sentença estrangeira não reavalia o seu mérito. Há apenas uma análise da validade do julgamento e da sua eficácia no país de origem, entre outros requisitos previsto no Regimento Interno do STJ, em seus arts. 216, C, 216-D, e 216-F.

Vale informar que a homologação pode ser parcial, mas para que isso ocorra, ela necessariamente deve afrontar nossa legislação nacional, ou a ordem pública.

Porém, como o fato tem o mesmo tipo penal aqui e na Itália e como a pena no Brasil também leva à privação de liberdade, há uma declaração legislativa de que em nosso país, tal crime não deve passar impune.

O caso em comento advém do disposto no art. 100, da Lei 13.445/2017, relativo a transferência de Execução da Pena. A Lei de Migração estabelece que:

Nas hipóteses em que couber solicitação de extradição executória, a autoridade competente poderá solicitar ou autorizar a transferência de execução da pena, desde que observado o princípio do non bis in idem.

Os requisitos para se homologar o pedido de transferência são basicamente os mesmos da homologação de sentença estrangeira. Isso porque para se autorizar a transferência, é necessário dar validade à sentença por meio de homologação.

Sendo assim, neste caso, a decisão se restringe a possibilidade ou não de cooperação nacional com a autoridade italiana e, não sendo possível a extradição, a obrigatoriedade do brasileiro cumprir pena em território nacional.

È válido dizer que o texto do artigo 100 da lei citada prescreve a transferência da execução da pena em casos em que é lícito solicitar a extradição. O ato de requerer a extradição é uma possibilidade em tese e é razoável que haja pedidos de extradição de brasileiros natos e naturalizados. Ocorre que não há como extraditar brasileiros natos.

Assim, no caso do HDE nº 7.986/IT, do ex-jogador Robinho, foi possível pedir a homologação de sentença estrangeira e como há fundamentos para o pedido de extradição em tese, a decisão seguiu todos os elementos da legislação brasileira para permitir a transferência de cumprimento da pena imposta na Itália.

E mais, respeitou nossa constituição em matéria penal e administrativa e em especial, os princípios das relações jurídicas da sociedade internacional previstos no preâmbulo e no artigo 4º, incisos II e IX, da CF.

Desta forma, o Brasil demostrou seu compromisso com a ordem internacional ao participar de redes colaborativas judiciárias capazes de promover os direitos humanos, em especial garantir o direito das vítimas de crimes cometidos no estrangeiro, evitando a impunidade dos condenados em definitivo, que se evadem do cumprimento da pena, mesmo sendo brasileiros natos.

Autores

  • é advogado no escritório Ballalai Advocacia. Mestre em Direito Público, com o tema Cooperação Judiciária Internacional pela Unisinos. Professor de Direito Internacional Público e Privado desde 2002. Especialista em compliance com a LGPD e GDPR, DPOaaS (DPO as a service).

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