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Reativo, TCU muda visão e impulsiona arbitragens com o poder público

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21 de março de 2024, 20h11

A partir da mudança na Lei de Arbitragem em 2015, que permitiu a inclusão de   cláusulas arbitrais em contratos que envolvem a administração pública, o Tribunal de Contas da União teve de mudar sua visão sobre o tema. Até aquele momento, o órgão de controle enxergava conflitos deste instituto de solução de conflitos com o interesse público dos contratos.

Um dos temas da primeira mesa do evento foi a guinada do TCU em relação às arbitragens que envolvem a administração pública

Hoje, o TCU não só passou a validar a prática, como fomentou uma alternativa de resolução de conflitos com a criação da Secex Consenso.

Mesmo com a mudança na norma, a resistência do tribunal perdurou até 2020, quando foi proferido acórdão paradigma naquela corte (TC 000.723/2020-7) em ação que questionava a legalidade de cláusulas de contratos administrativos com possibilidade de arbitragem em câmaras privadas, quando dizem respeito a temas das agências reguladoras.

“A arbitragem é um instrumento de política pública que tem o efeito de aumentar a segurança jurídica e melhorar o ambiente institucional da desestatização da infraestrutura. O instituto é apto a enfrentar o problema da excessiva judicialização dos contratos de concessão, sendo um meio alternativo de composição de conflitos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis”, diz trecho do acórdão, cuja relatoria foi do ministro Vitao do Rêgo, consagrando a adesão – ao menos parcial – do TCU às arbitragens que envolvem entes públicos.

Esse foi o fio condutor dos debates no primeiro dia do V Congresso de Arbitragem na Administração Pública, organizado pela Escola Superior da Advocacia-Geral da União (ESAGU) e pela Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp. Conforme reportado pela revista eletrônica Consultor Jurídico, essas arbitragens correspondem a quase 11% do total que chega às câmaras — maior percentual dos últimos cinco anos — e lideram em termos de valores.

“Se pegarmos as decisões do TCU sobre arbitragem, até 2020, ou até um pouco antes da aprovação da lei, diziam que não podia usar arbitragem, citavam a indisponibilidade do interesse público e a questão da publicidade. Era um monte de restrições em relação ao uso da arbitragem pela administração pública. E, claro, o gestor público frente a esse tipo de decisão e de compreensão dos órgãos de controle, ele não vai inovar, porque corria o risco na sua pessoa física”, diz Eugênia Marolla, procuradora do estado de São Paulo.

Essa visão mais conservadora, diz a procuradora, que impedia a conversa entre o público e privado, acabou suprimindo o “florescimento e o grande boom da arbitragem envolvendo a administração pública”.

Segundo ela, tanto sob a perspectiva econômica do Estado, do ponto de vista da atração de investimentos estrangeiros, quanto do ponto de vista da doutrina, que passou a valorizar mais a conciliação e a resolução de conflitos por outras maneiras que não o Judiciário, influenciaram na mudança de percepção dos órgãos de controle sobre o tema. “A gente vê, hoje, que o tribunal avançou na consensualidade”, diz Marolla.

Outro ponto citado é que o TCU percebeu que muitos desses problemas envolvendo concessionárias e os entes públicos resultavam em obras paradas, e que a arbitragem poderia ser um procedimento mais veloz e eficaz no sentido de fazer com que as empresas cumpram o que foi acordado.

“Preciamos fazer as coisas andarem, destravar as obras paradas, porque obra parada é dinheiro público mal gasto. Foi uma mudança de paradigma muito significativa.”

180 graus

A mudança de rota foi intensa a ponto de o próprio TCU criar, no final de 2022, uma secretaria voltada à consensualidade (Secex Consenso). Com a consolidação da legalidade das cláusulas arbitrais envolvendo a administração pública — e a eficácia, nas arbitragens, das equipes da Advocacia-Geral da União que defendem os interesses do Estado e das autarquias frente às empresas — houve um movimento de levar esses litígios à Secex, mais barata e que tem como finalidade buscar um acordo entre as partes.

“O TCU foi reativo às arbitragens desde o princípio”, diz Sílvio Caracas, secretário de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos do TCU. “Por meio da Secex, o tribunal instituiu outra forma de resolução de conflitos dentro de um ambiente próprio do TCU.” Segundo ele, três processos de arbitragem foram suspensos devido aos acordos na secretaria — dois na área de telefonia e um na área de aeroportos.

Hoje, a secretaria tem 9 auditores e 26 casos, o que “já passou do limite”, conforme dito por Caracas. “A gente está com fila de espera. O caso da Oi é de R$ 200 bilhões, temos que ser bem pontuais nas escolhas. É impossível que o tribunal tenha vários casos, a gente tem que trabalhar em casos e muito relevantes em que o interesse público está latente e tem de ser resolvido rápido.”

Ponto de atenção

Outro convidado que analisou o arco percorrido pelo TCU, que saltou da negação da arbitragem com os entes públicos para a criação de uma secretaria com atuação exclusiva no consensualismo, foi o professor da Universidade de São Paulo Gustavo Justino. Ele diz que enxerga com bons olhos a atuação do tribunal neste sentido, mas que existe um ponto de atenção nos processos que foram suspensos nos tribunais arbitrais em razão da busca de acordo na Secex.

“Acho muito positiva essa integração, mas, talvez, aqueles que lidam com arbitragem têm de olhar de forma investigativa. Porque eventualmente pode se chegar à neutralização da arbitragem. Não é o que está acontecendo, mas tenho certa preocupação sobre em que momento elas vão atuar, porque, quando falamos de arbitragem, falamos de litígio.”

Sobre o atual momento do instituto, Justino diz que as clásulas passaram de acessórios e se tornaram necessárias para os órgãos públicos, sob pena de União, estados e municípios não receberem o que foi acordado nos contratos com as concessionárias. Nos casos de relicitação e de prorrogação desses contratos em determinados setores, diz, fica mais evidente a necessidade de se incluir cláusulas arbitrais.

“Ainda que não seja obrigatória, a arbitragem vai acabar se impondo em virtude da hermenêutica da lei como um todo.”

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