Opinião

Operações em bolsa podem ter novas regras de submissão ao Cade

Autor

  • Luciana Martorano

    é sócia do Martorano Law mestre em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Economics e E-Commerce pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT).

13 de março de 2024, 13h13

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) conclui agora em março uma consulta pública para uma proposta de revisão das regras aplicadas às ofertas públicas de aquisição (OPA). A proposta está dividida em duas partes: a primeira delas é a minuta, que traz a revisão de diversos pontos da norma, incluindo a consolidação e a incorporação de precedentes do colegiado sobre o tema, que foram definidos ao longo dos últimos 20 anos. Já a minuta B sugere alteração na resolução CVM 77, que trata da recompra de debêntures.

A movimentação já iniciada no mercado em função das alterações que podem vir com a consulta pública mostra a importância de se relembrar as regras de submissão desse tipo de transação à autoridade de defesa da concorrência — o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

O risco de gun jumping

De acordo com a legislação atual, as operações realizadas em bolsa de valores recebem tratamento diferenciado por conta da natureza e velocidade do setor e, por isso, não precisam da aprovação do Cade antes de serem concretizadas.

Apesar dos critérios previstos na legislação atual serem extremamente objetivos, é muito importante que as empresas não percam de vista a necessidade de só efetivarem operações em bolsas de valores depois de uma análise minuciosa sobre se há ou não necessidade de submetê-la ao Cade.

É aconselhável também a avaliação sobre o risco potencial de essas transações serem posteriormente reprovadas pelas autoridades, se envolverem uma alta participação conjunta de mercado em que atuam.

É relevante alertar que, se há obrigatoriedade de notificação de uma operação junto ao Cade, mas isso não for feito, o resultado pode ser o enquadramento em prática ilícita de gun jumping – que significa “queima da largada”. O resultado pode ser a aplicação de pesadas multas às empresas envolvidas, chegando a R$ 60 milhões, além da anulação da própria operação.

Reprodução

Em 2023, tivemos uma acusação de gun jumping com ampla repercussão e que envolveu a venda da Oi Móvel às rivais Claro, TIM e Vivo. A ação acabou arquivada pelo Cade, mas outros três processos relativos a essa infração na concorrência só foram resolvidos após acordo para contribuição pecuniária que somou R$ 5,5 milhões.

A contribuição pecuniária é calculada a partir da aplicação do desconto sobre uma multa esperada, caso houvesse possibilidade de uma condenação por conduta relacionada a carteis.

Em 2022, o Cade aplicou a multa máxima de R$ 60 milhões a Veolia Environment e a Engie S.A. por não terem submetido à autarquia a operação de aquisição, pela Veolia, de ações detidas pela Engie e representativas de 29,9% do capital social e votante da Suez, empresa do setor de tratamento de água e resíduos. Detalhe: foi a própria Suez quem denunciou a infração às autoridades antitruste.

Quando as operações são sujeitas à notificação obrigatória ao Cade, não é permitido ao seu comprador o exercício de quaisquer direitos políticos relativos à participação adquirida até a aprovação por parte das autoridades. Essa regra serve para evitara concretização efetiva da operação antes do aval antitruste.

Nos casos em que é necessária uma intervenção imediata do novo acionista nas atividades da empresa em aquisição, o Cade pode até, em caráter excepcional, autorizar previamente o exercício desses direitos para proteger o pleno valor do investimento.

Critérios

As operações de Ofertas Públicas de Aquisição que precisam ser notificadas ao Cade obrigatoriamente são aquelas que estão incluídas nos critérios de faturamento bruto anual mínimo dos grupos econômicos previstos para OPA — nesse caso, vale para ambos: tanto por parte da empresa adquirida quanto do comprador.

Nessa mesma regra estão as operações que acarretam aquisição de controle, seja ele unitário ou compartilhado ou as operações que dão ao comprador a titularidade direta ou indireta de pelo menos 20% do capital social ou votante, nos casos em que a empresa investida não é concorrente nem atua em mercado relacionado de forma vertical.

Estão também nessa regra as empresas que dão ao comprador a titularidade direta ou indireta de 5% ou mais do capital social ou votante, sendo aqui o caso em que a empresa investida é concorrente e/ou atua em mercado relacionado, da mesma forma, verticalmente.

Em função de todas as sensibilidades apontadas aqui, o conselho para quem lidera tais operações é ficar atento, para não queimar na largada.

Autores

  • é sócia do Campos Mello Advogados em cooperação com o DLA Piper na área de Antitruste e Direito Concorrencial, com experiência representando clientes nacionais e internacionais de diversos setores perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e especialista nas áreas de controle de fusões e investigações de cartel.

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