Opinião

Como fazer testamentos e doações em vida no planejamento sucessório

Autor

  • Raul Bergesch

    é advogado na área do Direito Empresarial especialista em proteção patrimonial sócio fundador do escritório Bergesch Martin Advogados membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS Subseção de Novo Hamburgo.

12 de março de 2024, 6h02

O planejamento sucessório é o instituto pelo qual um particular, ainda em vida, formula como se dará a sucessão do seu patrimônio por seus herdeiros, após a sua morte. Dentre as inúmeras vantagens do planejamento da sucessão, destaca-se a propensão em evitar conflitos familiares, a considerável redução da carga tributária dependendo da estratégia utilizada, bem como evitar o burocrático e complexo processo judicial de inventário, permitindo que o acesso aos bens seja imediato.

Para tanto, algumas estratégias são utilizadas por advogados como a utilização do testamento, do seguro de vida, a previdência privada, os fundos imobiliários para famílias com grande número de imóveis, doações, criação de holdings patrimoniais e familiares, e outros.

Neste artigo, estudaremos duas principais formas de planejamento sucessório utilizadas atualmente: o testamento e as doações, analisando como podem ser usados estrategicamente para uma transferência de patrimônio, visando a um planejamento eficiente e seguro.

O testamento, conforme lecionado por Elpídio Donizetti (2021) em sua obra Curso de Direito Civil, é um negócio jurídico unilateral por meio do qual uma pessoa dispõe de seu patrimônio e faz outras disposições de última vontade para depois de sua morte, conforme artigo 1.857, caput e § 2º do Código Civil.

Por ser um instrumento causa mortis, ou seja, somente surte seus efeitos após a morte do testador, sua principal característica é ser revogável até o momento da morte, o que permite sua alteração, quantas vezes forem necessárias, enquanto estiver o testador em vida.

Em se tratando de planejamento, a revogabilidade do testamento acaba se tornando o principal ponto pelo qual o instrumento jurídico pode ser usado como estratégia para o particular se organizar em quesito sucessório ainda em vida.

Apesar da recomendação ser a de que todos tenham um plano sucessório para evitar conflitos e burocracias, é mais comum que o planejamento sucessório seja realizado por indivíduos e famílias com maior poder aquisitivo, tendo em vista que as chances de uma entrada superior de ativos durante a vida do particular são maiores e, consequentemente, seu manejo e administração serão mais complexos, considerando a quantidade de negócios que essas famílias provavelmente já possuem.

123RF

Contando com a revogabilidade do testamento enquanto permanecer vivo, o particular tem a liberdade de dispor também o patrimônio que entrar posteriormente ao testamento, além da imprevisibilidade de surgir outros herdeiros durante seu período de vida.

No caso da doação, conforme o artigo 538 do Código Civil, assim como o doutrinador Donizetti (2021) conceitua em sua obra supracitada, esta se caracteriza como um contrato por meio do qual uma das partes, denominado doador, se obriga a transferir a propriedade de uma coisa à outra parte, denominada donatária, por pura e simples liberalidade.

Enquanto o testamento é um instrumento de planejamento sucessório que visa a um momento futuro, o contrato de doação é um instrumento que observa o momento presente, uma vez que, apesar de revogável, suas hipóteses são extremamente restritas, conforme o artigo 555 do Código Civil, abrangendo apenas casos de ingratidão ou por inexecução de encargo.

Por outro lado, é fundamental observar que, por se tratar de um negócio jurídico unilateral, a ele se aplicam as normas gerais de nulidade e anulabilidade de qualquer outro negócio jurídico, previstas nos artigos 166 e 171 do Código Civil, respectivamente. Vejamos:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV – não revestir a forma prescrita em lei;

V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:

I – por incapacidade relativa do agente;

II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.

Vantagens

Uma das grandes vantagens do uso do contrato de doação como forma de planejamento sucessório é a existência de uma cláusula chamada reserva de usufruto vitalício. Isso quer dizer que, até o momento de sua morte, o doador permanece como usufrutuário do bem, ou seja, beneficia-se do direito ao uso e à percepção dos frutos gerados pelo bem até o fim de sua vida.

Atualmente, o maior desafio que os adeptos ao planejamento sucessório vêm enfrentando é a recente aprovação da reforma tributária, que modificou o regime de estabelecimento de alíquota do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) que, como o próprio nome evidencia, deve ser pago ao fisco sempre que houver doação ou herança.

Anteriormente à reforma tributária, a alíquota do ITCMD era estipulada pelo próprio estado, podendo ter porcentagem fixa ou progressiva, o que ajudava no processo de planejamento de estratégias sucessórias para minimizar as cargas tributárias exorbitantes brasileiras.

Após a reforma, as alíquotas passam a ser necessariamente progressivas, ou seja, quanto maior a quantia da doação ou da herança, maior a porcentagem da alíquota dentro do teto e piso estabelecidos por lei complementar pelo respectivo estado.

Dessa forma, concluímos que, apesar dos desafios após a aprovação da reforma tributária e as vagas informações que ainda temos por falta de legislação complementar acerca das alíquotas do ITCMD, que impactam diretamente nas heranças e, no caso em questão, principalmente nas doações, o que dificulta estabelecer estratégias consistentes no atual momento, o testamento e o contrato de doação seguem sendo instrumentos amplamente utilizados no procedimento de planejamento patrimonial devido à sua segurança jurídica.

Isso assegura que, mesmo não podendo garantir o impedimento com 100% de certeza dos conflitos íntimos entre familiares e herdeiros em relação ao patrimônio, ao menos oferece a segurança de que o patrimônio familiar está devidamente organizado e administrado, evitando maiores dores de cabeça futuramente.

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Referências
https://warren.com.br/magazine/planejamento-sucessorio/#:~:text=Muitas%20pessoas%20não%20sabem%2C%20mas,ato%20da%20assinatura%20do%20contrato.

https://www.pucrs.br/direito/wp-content/uploads/sites/11/2021/01/taina_lima.pdf

https://www.migalhas.com.br/depeso/399984/testamento-no-planejamento-sucessorio-aspectos-legais-e-praticos

DONIZETTI, Elpídio. Curso de Direito Civil. São Paulo: Grupo GEN, 2021. E-book. ISBN 9788597027921. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788597027921/. Acesso em: 22 fev. 2024.

Autores

  • é advogado na área do Direito Empresarial, especialista em proteção patrimonial, sócio-fundador do escritório Bergesch Advogados, mentor de advogados e membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial (Ibrademp) e da Comissão de Direito Falimentar da OAB-RS, subseção de Novo Hamburgo.

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