Opinião

Fim da obrigatoriedade da separação de bens em casamento de pessoas com 70 anos ou mais

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12 de fevereiro de 2024, 9h13

No dia 1º de fevereiro deste ano, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu, por unanimidade, que o regime obrigatório de separação de bens nos casamentos de pessoas com mais de 70 anos pode ser alterado mediante a vontade das partes. Segundo o entendimento do plenário da Corte Superior ao julgar o Agravo em Recurso Especial nº 1.309.642 (Tema 1.236), a manutenção da obrigatoriedade da separação de bens, prevista no artigo 1.641, II, do Código Civil, viola o direito de autodeterminação da pessoa idosa. Ainda de acordo com o STF, essa determinação também se aplica às uniões estáveis.

Ao se posicionar dessa forma, a Suprema Corte, em eventuais divergências entre a vontade de herdeiros e a vontade da pessoa idosa dona do patrimônio, dá clara demonstração de prestigiar a vontade desta, em linha também com o que dispõe o estatuto da pessoa idosa.

Como funciona
O regime da separação de bens, até então obrigatório para pessoas com mais de 70 anos, estabelece que o patrimônio adquirido por um dos cônjuges ou companheiro ao longo da relação, seja ela casamento ou união estável, não se comunica automaticamente para o outro cônjuge ou companheiro. Ou seja, o cônjuge ou companheiro não tem direito à metade dos bens do outro quando do seu falecimento.

Nos termos do referido regime, para que o bem seja do casal, deverá constar expressamente em documento, como no caso de compra de um imóvel, cuja propriedade de ambos os cônjuges ou companheiros deve constar da escritura pública de aquisição do bem.

O caso concreto
O precedente em discussão tratava de divisão da herança de homem que faleceu deixando filhos e uma companheira, com quem começou sua união após os 70 anos. Em primeiro grau o entendimento foi no sentido da inconstitucionalidade do referido dispositivo do Código Civil, decidindo pela divisão da herança entre a companheira e os filhos do falecido.

Ao se manifestar sobre o tema, em sede de recurso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo excluiu a companheira da divisão da herança, aplicando ao caso a normativa do Código Civil que obriga a separação de bens para maiores de 70 anos.

No caso concreto, o STF manteve decisão do TJ-SP. O ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso, esclareceu que, como não houve manifestação prévia do casal sobre o regime de bens, deve ser aplicada à hipótese a regra do Código Civil.

Contudo, considerando a sensibilidade do tema, a Suprema Corte aproveitou a oportunidade para estabelecer um novo regramento para situações semelhantes.

Prováveis efeitos da decisão
Como fundamentos gerais da decisão do STF, tem-se que a exigência de separação de bens nos casamentos com pessoa maior de 70 anos viola o princípio da dignidade humana. Isso porque tal normativa impede que pessoas conscientes de suas escolhas decidam o destino que querem dar aos seus bens e desvaloriza a pessoa idosa, tratando-a como instrumento para assegurar o interesse dos herdeiros pelo patrimônio.

A decisão do Supremo Tribunal Federal certamente trará uma série de desdobramentos relevantes no âmbito do direito das sucessões. Ficará a cargo dos herdeiros, caso queiram questionar a decisão da pessoa idosa de não seguir o regime da separação de bens, provar que essa pessoa não gozava de plenas faculdades mentais quando da prática do ato, o que poderia ensejar a sua anulação. Entretanto, discutir as faculdades mentais de uma pessoa, especialmente após o seu falecimento, não costuma ser uma tarefa fácil.

Cientes das inúmeras controvérsias envolvendo atos praticados por pessoas idosas, é cada vez mais comum que tabeliães, ao lavrarem escrituras públicas, peçam às pessoas idosas que apresentem atestado médico declarando que gozam de plenas faculdades mentais. Essa prática, todavia, é questionada por determinada corrente de operadores do direito, ao argumento de que fere direitos existenciais da pessoa idosa, causando-lhe constrangimento.

Por outro lado, do ponto de vista prático, abre-se um leque de possibilidades para pessoas com 70 anos ou mais em atos como a elaboração de escrituras de testamento e de união estável, pactos antenupciais e criação de holdings familiares, dentre outros. Essas pessoas poderão dispor de seu patrimônio com maior liberdade, amparadas pelo princípio da autonomia da vontade, prestigiado pelo STF.

O entendimento do STF
Seguindo em sua linha de raciocínio, a Suprema Corte entendeu que o dispositivo do Código Civil em discussão gera discriminação, sem fundamento razoável, em virtude da idade, o que representa uma violação ao artigo 3º, IV, da Constituição. Nos termos desse dispositivo constitucional, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é exatamente promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Ainda de acordo com o STF, o caso tem repercussão geral, ou seja, a decisão deverá ser aplicada para todos os processos semelhantes que estejam em andamento nas demais instâncias da Justiça. Entretanto, o acórdão determina que a solução dada à controvérsia só pode ser aplicada para casos não encerrados, ou haveria o risco de reabertura de processos de sucessão já ocorridos, produzindo insegurança jurídica.

Conforme determinação do acórdão, para afastar a obrigatoriedade da separação de bens, é necessário manifestar esse desejo por meio de escritura pública, firmada em cartório. Ficou igualmente definido que pessoas acima de 70 anos que já estejam casadas ou vivam em união estável podem alterar o regime de bens, mas para isso é necessário autorização judicial (no caso do casamento) ou manifestação em escritura pública (no caso da união estável). Nessas situações, a modificação do regime de bens produzirá efeitos patrimoniais apenas para o futuro.

 

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