Abuso processual

TRF-3 anula decisão que negou indenização a viúva de preso pela ditadura

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8 de março de 2024, 18h08

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (SP e MS) aceitou embargos de declaração do Ministério Público Federal e anulou acórdão que negou indenização por danos morais a Livonete Aparecida Torini, viúva de Antonio Torini, por danos morais decorrentes de sua perseguição política pelo aparato de repressão da ditadura militar.

MPF sustentou que acórdão do TRF-3 convalidou atos de repressão política

Filiado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), Antonio Torini era funcionário da montadora Volkswagen. Em agosto de 1972, ele foi preso na empresa e levado ao Departamento de Ordem Pública e Social (Dops) de São Paulo, na Rua Mauá, no centro, onde passou 49 dias sob tortura, segundo seu relato. Após sua libertação, foi demitido da Volkswagen — o departamento de segurança da companhia avaliou que ele “não era confiável”.

Em primeira instância, ele foi absolvido por falta de provas sobre um apoio ativo ao PCB. Contudo, o Ministério Público Militar recorreu e, em 1974, o Superior Tribunal Militar o condenou a dois anos de prisão. Ele deixou a cadeia em outubro de 1975. No entanto, não foi readmitido pela Volkswagen. Como passou a constar de “listas sujas” trocadas entre empresas, viveu desempregado até morrer, em 1998.

Representada pelos advogados Bruno Luis Talpai e Victor de Almeida Pessoa, a viúva de Torini, Livonete Aparecida Torini foi à Justiça pedir indenização por danos morais da União pela prisão e tortura de seu marido. Em novembro de 2020, a 3ª Vara Federal de Santo André condenou a União a pagar R$ 150 mil a Livonete. A Comissão de Anistia já havia se manifestado a favor do pagamento.

Idas e vindas
Em 2021, a 6ª Turma do TRF-3, por unanimidade, reverteu a sentença. Os magistrados entenderam que militante de esquerda que combateu a ditatura militar cometeu crime contra a segurança nacional. Portanto, ficou sujeito a supressões de direitos.

O relator do caso, desembargador Luis Antonio Johonsom Di Salvo, afirmou que, como Torini combatia o regime militar, sua prisão e supressão de direitos foram justificadas pelas leis da época.

“Isto é dito para que fique claro que a prisão, a incomunicabilidade, o julgamento e o banimento sofridos por Torini eram as consequências jurídicas de seus atos que tendiam à implantação de uma ditadura comunista no Brasil, em confronto com a opção política vigente. Logo, não há espaço para indenização do agente dessas condutas a ser paga, via judicial, pela União, eis que o infrator das leis vigentes era Antonio Torini, vinculado a movimentos e partidos defensores da ditadura do proletariado. Tanto era infrator, que foi anistiado.”

O Ministério Público Federal recorreu, argumentando que a decisão havia desrespeitado o Código de Processo Civil ao aplicar indevidamente o instituto da remessa necessária e ao não dar o adequado processamento à apelação da Advocacia-Geral da União.

A 6ª Turma reanalisou o processo e anulou a decisão por entender que a União não pôde se manifestar devidamente, já que nem sua apelação nem suas contrarrazões foram apreciadas. Com isso, o colegiado anulou a decisão anterior, com base no voto da relatora, juíza convocada Diana Brunstein.

O procurador regional da República Marlon Weichert afirma que “o acórdão incorreu em infeliz consideração ao insistir na qualificação de Torini como um criminoso”. Para Weichert, não é admissível que, na atualidade, o Judiciário considere válidas investigações realizadas pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), conduzidas com sequestros e torturas físicas e psíquicas dos suspeitos.

Nem mesmo a alegação de que se aplicou a lei da época é possível, pois se tratava de legislação incompatível com o Estado Democrático de Direito, diz o procurador.

Esses fundamentos do recurso do MPF não chegaram a ser discutidos na nova decisão, pois as falhas processuais reconhecidas eram suficientes para a anulação do acórdão. Com informações da assessoria de imprensa do MPF.

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Processo 5000493-21.2020.4.03.6126

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