Opinião

Direito do consumidor em tempos tecnológicos: venda de iPhone sem carregador

Autor

  • Andressa Lourenço Gonçalves

    é especialista em Proteção de Dados diretora de Privacidade e Proteção de Dados na AACGC bacharel em Direito pela UniSuam pós-graduanda em Direito Digital pela UniSuam e certificada DPO (Data Protection Officer) pela G8 Academy.

7 de março de 2024, 20h39

Nos últimos anos, a crescente integração da tecnologia em nossas vidas tem sido acompanhada por uma série de desafios legais e éticos, especialmente no campo dos direitos do consumidor.

A venda de dispositivos eletrônicos, como smartphones, tornou-se uma prática comum em todo o mundo, permitindo que milhões de pessoas acessem informações, comuniquem-se instantaneamente e realizem uma variedade de tarefas cotidianas de forma mais eficiente.

No entanto, essa conveniência também trouxe à tona questões relacionadas à transparência nas práticas comerciais das empresas de tecnologia e à proteção dos direitos dos consumidores.

Um exemplo recente e emblemático desse debate é o caso envolvendo a Apple Computer Brasil e um consumidor que adquiriu um iPhone sem o carregador incluso.

A situação levantou questões importantes sobre a ética das práticas de venda das empresas de tecnologia e os direitos dos consumidores em relação à venda de produtos essenciais para seu funcionamento adequado.

Este artigo examina mais de perto esse caso específico, destacando as implicações legais e éticas da prática de venda casada no contexto tecnológico e a importância da legislação de proteção ao consumidor nesse cenário.

A prática da venda casada

A venda casada é uma prática comercial proibida por lei que consiste em condicionar a venda de um produto ou serviço à aquisição de outro, sem que haja uma justificativa técnica ou econômica para essa vinculação. Em outras palavras, é quando um fornecedor obriga o consumidor a adquirir um produto ou serviço adicional para poder adquirir o bem ou serviço desejado.

Essa prática fere os direitos do consumidor, uma vez que limita sua liberdade de escolha e prejudica sua capacidade de tomar decisões conscientes e informadas. Além disso, a venda casada pode resultar em prejuízos financeiros para o consumidor, que muitas vezes é obrigado a adquirir produtos ou serviços desnecessários apenas para ter acesso ao que realmente deseja.

Reprodução

No contexto jurídico, a venda casada é considerada uma infração ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e está prevista no artigo 39, inciso I, que veda a prática de condicionar o fornecimento de produtos ou serviços ao fornecimento de outros produtos ou serviços, bem como no artigo 51, inciso IV, que declara nulas as cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas abusivas ou que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada.

Além disso, o artigo 36º, §3º, XVIII, da Lei nº 12.529/2011, considera a referida conduta como infração à ordem econômica e prevê multas para os casos de sua ocorrência.

Portanto, tanto fornecedores quanto consumidores devem estar cientes dos direitos e deveres estabelecidos pela legislação consumerista para evitar e combater a prática de venda casada, garantindo assim relações comerciais mais transparentes, justas e equilibradas.

O caso em questão envolve a Apple e um consumidor que adquiriu um iPhone, apenas para descobrir que o carregador não estava incluído na caixa do produto. O consumidor foi informado de que teria que adquirir o carregador separadamente por um valor adicional, configurando assim o que é conhecido como venda casada.

Nesse cenário, os consumidores, ao adquirirem um dispositivo tão cobiçado, se deparam com a surpresa desagradável de não encontrar o carregador necessário para utilizá-lo adequadamente. A prática de vender o aparelho e o carregador separadamente levanta questões importantes sobre a ética das práticas comerciais das empresas de tecnologia e os direitos do consumidor.

Legislação e proteção do consumidor

A prática de venda casada é proibida por lei, uma vez que viola os direitos do consumidor ao impor a compra de um produto adicional para o uso adequado do bem principal. No caso em questão, a Justiça reconheceu a ilegalidade dessa prática e condenou a empresa ao pagamento de indenização por danos morais e materiais ao consumidor prejudicado. Ou seja: vai receber os R$ 219 corrigidos, pago pelo carregador, além dos R$ 3 mil por danos morais.

Em seu voto, o relator, desembargador Claudio de Mello Tavares, afirmou que ficou evidente que a prática em questão se configura, na verdade, como venda casada e essa prática lesa o consumidor e prevê indenização.

“Já que o acessório afigura-se essencial ao uso do bem principal, acarretando ofensa patrimonial e desvio produtivo passíveis de indenização”, escreveu o magistrado em sua decisão.

A importância da decisão judicial

A importância das decisões judiciais reside no fato de que elas têm o poder de estabelecer precedentes legais, orientando e influenciando futuros casos semelhantes. Quando um tribunal reconhece e condena a prática de venda casada em um caso específico, isso cria um precedente que pode ser utilizado como referência em casos futuros.

Além disso, as decisões judiciais têm o potencial de dissuadir os fornecedores de praticarem a venda casada, uma vez que as sanções impostas pelos tribunais podem incluir multas, indenizações por danos morais e materiais, além de outras medidas corretivas.

Por fim, a decisão judicial favorável ao consumidor  neste caso concreto, reforça a importância da legislação de proteção ao consumidor em tempos tecnológicos. Ela serve como um precedente significativo para casos futuros envolvendo práticas abusivas por parte das empresas no mercado de tecnologia.

Conclusão

O caso da venda de iPhone sem carregador é um lembrete importante de que, apesar dos avanços tecnológicos, os direitos do consumidor devem ser protegidos e respeitados. A decisão judicial destaca a necessidade de as empresas agirem de forma ética e transparente em suas práticas comerciais, garantindo assim uma relação equilibrada e justa com os consumidores.

Em conclusão, a prática de venda casada é uma violação dos direitos dos consumidores, que compromete a liberdade de escolha e fere os princípios da ética e da transparência nas relações de consumo. Ao impor ao consumidor a aquisição de um produto ou serviço indesejado como condição para a obtenção de outro, a venda casada desrespeita as normas legais e os princípios do direito do consumidor.

É fundamental que os órgãos de defesa do consumidor e os tribunais estejam atentos e atuantes na coibição dessa prática abusiva, aplicando sanções e garantindo a reparação dos danos causados aos consumidores afetados. Além disso, é importante que os consumidores estejam cientes de seus direitos e denunciem casos de venda casada às autoridades competentes, contribuindo para a efetiva proteção de seus interesses.

Por fim, a conscientização da sociedade sobre a ilegalidade e os prejuízos da venda casada é essencial para combater essa prática e promover relações de consumo mais justas e equilibradas. O respeito aos direitos dos consumidores e a garantia da livre escolha são pilares fundamentais para a construção de uma sociedade mais democrática e inclusiva.

 


Referências bibliográficas
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FILHO , Sérgio Cavalieri . Programa de Direito do Consumidor. 5. ed. Brasil: Atlas, 2019. ISBN 8597021241.

Autores

  • é especialista em Proteção de Dados, diretora de Privacidade e Proteção de Dados na AACGC, bacharel em Direito pela UniSuam, pós-graduanda em Direito Digital pela UniSuam e certificada DPO (Data Protection Officer) pela G8 Academy.

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