Opinião

Impossibilidade da tributação do PIS e da Cofins sobre o hold back pago pelas concessionárias

Autor

  • Aline Müller

    é jornalista e advogada tributarista pós-graduanda em Direito Tributário pelo Ibet-RS e pela PUC-RS associada do WLM (Woman In Law Mentoring Brazil) e sócia do escritório Hickmann Advogados.

4 de março de 2024, 11h18

A relação comercial existente entre as montadoras e as concessionárias é complexa e, em decorrência disso, são elaborados diferentes contratos e convenções com o objetivo de regulamentar a respectiva relação.

Neste cenário, inclui-se o que se convencionou a chamar de “hold back”. Trata-se, em síntese, de uma parcela compulsória que é exigida das concessionárias quando adquirem os veículos e as peças junto à montadora. Com a inserção da respetiva parcela, busca-se tornar mais equilibrada e igualitária a exploração da marca e da atividade por todos os concessionários.

Preços nas concessionárias
Na prática, a Lei Ferrari (Lei nº 6.729/79) regulamenta os contratos comerciais firmados entre as montadoras e as concessionárias, sendo que um dos pontos sensíveis regulamentados pela respectiva lei é a questão envolvendo os preços praticados pelos concessionários.

Neste sentido, antigos os artigos 13 e 14 da Lei Ferrari estabeleciam que o preço praticado pelo concessionário deveria ser determinado pela montadora, sendo que neste valor seria incluído o valor da margem de comercialização. Vejamos o teor dos artigos em questão:

“Art. 13. As mercadorias objeto da concessão deverão ser vendidas pelo concessionário ao preço fixado pelo concedente. Parágrafo único. A esses preços poderá ser acrescido o valor do frete, seguro e outros encargos variáveis de remessa da mercadoria ao concessionário e deste para o respectivo adquirente.

Art. 14. A margem de comercialização do concessionário nas mercadorias objeto da concessão terá seu percentual incluído no preço ao consumidor. Parágrafo único. É vedada a redução pelo concedente da margem percentual de comercialização, salvo casos excepcionais objeto de ajuste entre o produtor e sua rede de distribuição.”

Buscava-se, desta forma, estabelecer um valor mínimo para que a operação permitisse a lucratividade do concessionário.

Guerra de preços
Ocorre que, com a evolução das atividades comerciais, a Lei Ferrari foi alterada e, neste momento, determinou-se que o preço praticado pelos concessionários seria livre. Ou seja: o concessionário teria liberdade para determinar: (1) o preço final de negociação dos bens fornecidos pela montadora; e, ainda, (2) a margem de comercialização não seria mais incluída, obrigatoriamente, no preço do bem.

Entretanto, o cenário introduzido pela alteração da Lei Ferrari gerou uma “guerra de preços” [1], tendo em vista que se concedeu autonomia total para que as concessionarias estabeleçam os preços dos produtos.

Hold back e tributação
Na prática, quando as concessionárias adquirem os veículos das montadoras para revenda devem pagar um adicional — que varia entre 1% a 1,5% — para um fundo de aplicação que é administrado pela própria montadora. Posteriormente, esse valor é devolvido, com juros, para as concessionárias, tratando-se do “hold back”.

Divulgação

Em síntese, portanto, ao adquirir um veículo ou uma peça, a concessionária deverá pagar duas coisas diferentes: (1) o valor do bem adquirido; e, ainda, (2) o “hold back”. Ocorre que, posteriormente, após a efetiva quitação das faturas junto à montadora, este último valor é obrigatoriamente devolvido para a concessionária.

 

Claramente, a devolução supracitada nada mais é do que um modo de recuperação do custo, o qual atua de forma a garantir a margem de comercialização.

O “hold back”, portanto, é utilizado unicamente como forma de assegurar que os custos da operação sejam cobertos e não haja prejuízo.

Noutros termos, trata-se de mera devolução, uma vez que os valores recebidos pela concessionária não caracterizam faturamento e sequer figuram como receitas operacionais.

Logo, não sendo receita, não há que se falar em incidência de tributação pelo PIS e pela Cofins.

Entendimento da PGFN
Ocorre que, na prática, o Fisco Federal entende que os valores devolvidos a título de “hold cack” representam parte da margem de lucro das concessionárias.

Desta forma, para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) tais valores constituem receitas para as concessionárias e, portanto, devem compor a base de cálculo do PIS e da Cofins.

Contudo, a parcela paga a título de “hold back” não se encaixa em nenhuma das hipóteses autorizativas de incidência das referidas contribuições. Isso porque trata-se de mera reposição do patrimônio da concessionária, o qual foi diminuído quando ocorreu a primeira operação. Não se trata, portanto, de receita nova apta a ensejar a incidência de PIS e Cofins [2].

O que diz a doutrina?
Aires Barreto disciplina que “nem todos os valores que entram nos cofres das empresas são receitas. Ressalta que “[…] receitas são entradas que modificam o patrimônio da empresa, incrementando-o”. Ou seja, somente os “[…] aportes que incrementam o patrimônio, como elemento novo e positivo, são receitas”. Ao final, o referido Autor ainda destaca que somente estas receitas são tributáveis [3].

Em consonância, Solon Sehn, ao tratar sobre a diferença entre receita, reembolsos e indenizações ensina que:

“Receita constitui um ingresso de soma de dinheiro ou qualquer outro bem ou direito susceptível de apreciação pecuniária decorrente de ato, fato ou negócio jurídico apto a gerar alteração positiva do patrimônio líquido da pessoa jurídica que a aufere, sem reservas, condicionamentos ou correspondências no passivo. Daí resulta a não incidência do PIS/Pasep e da Cofins sobre ingressos recebidos a título de reembolso ou de indenização por dano emergente, que não repercutem positivamente no patrimônio líquido de que os recebe” [4].

Precedentes
A discussão foi levada por alguns contribuintes para os Tribunais Regionais Federais, sem que tenhamos ainda um posicionamento sedimentado acerca da questão. Isto porque há precedentes desfavoráveis na 1ª Turma do TRF-4 e na 3ª do TRF-5.

Por outro lado, a 2ª Turma do TRF-5 possui precedente favorável ao pleito das concessionárias. Verifica-se, portanto, que a divergência acerca da tributação do “hold back” persiste em diferentes instâncias.

Entretanto, recentemente, as concessionárias de veículos obtiveram decisão favorável no Carf para afastar a tributação do PIS e da Cofins incidente sobre o “hold back”.

Ao analisar o processo nº 11080.730216/2016-42, os conselheiros da 2ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção acolheram o pleito do contribuinte, no sentido de que no caso do “hold back” há apenas uma devolução do valor pago anteriormente e não um novo ingresso de valor. Deste modo, se não há receita, não há que se cogitar a incidência de PIS e Cofins.

Conclusão
A vitória dos contribuintes no Carf pode representar, em um primeiro momento, o início da implementação de um posicionamento que representa alívio às concessionárias. Contudo, o caminho a ser percorrido para a consolidação de um entendimento ainda é árduo e desafiador.

 


[1] Destaca-se que a Lei nº 8.132/90 foi responsável por alterar a Lei Ferrari, de modo que revogou o art. 14 e reeditou o art. 13, estabelecendo, dentre outras coisas, que “é livre o preço de venda do concessionário ao consumidor, relativamente aos bens e serviços objeto da concessão dela decorrentes”.

[2] O STF, no julgamento do RE nº 346.084-PR, fixou o entendimento de que receita consiste em “todos os valores que, recebidos da pessoa jurídica, se lhe incorporam à esfera patrimonial”. Verifica-se, portanto, que a receita bruta pressupõe novo ingresso – nova entrada – e incorporação ao patrimônio do contribuinte.

[3] BARRETO, Aires. ISS – Atividade-meio e Serviço-fim. RDDT 5/85. apud. PAULSEN, Leandro. Constituição e Código Tributário comentado à luz da doutrina e da jurisprudência. 18. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 529.

[4] SEHN, Solon. Não incidência de PIS/Pasep e da Cofins sobre reembolsos e indenizações. RDDT 162/58, mar. 2009. apud. PAULSEN, Leandro. Constituição e Código Tributário comentado à luz da doutrina e da jurisprudência. 18. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 529.

Autores

  • é jornalista e advogada tributarista, pós-graduanda em Direito Tributário pelo Ibet-RS e pela PUC-RS, associada do WLM (Woman In Law Mentoring Brazil) e sócia do escritório Hickmann Advogados.

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