Opinião

Expansão do direito de sustentação oral em decisões interlocutórias de mérito pelo uso da analogia

Autor

  • Fernando Albuquerque

    é advogado atua em questões relacionadas às áreas do Direito Tributário e do Direito Administrativo-Econômico com ênfase em Contratações Públicas e Improbidade Administrativa e membro da Comissão de Estudos Tributários da OAB/CE.

1 de março de 2024, 15h21

A teor do que dispõe o artigo 5º, inciso LV, da Constituição de 1988, asseguram-se “aos litigantes” o exercício do contraditório e da ampla defesa, com os “meios e recursos a ela inerentes”.

Entre os instrumentos pelos quais se exerce a ampla defesa, há destaque para a sustentação oral, através do qual a defesa técnica verbaliza seus argumentos perante cortes colegiadas, oportunizando que ressalte os aspectos de maior relevância, permitindo ainda o uso de recursos linguísticos, eloquência, figuras de linguagem, comunicação corporal, dentre outras técnicas de retórica e estratégias discursivas-argumentativas.

Neste contexto, o CPC prevê a possibilidade de nova sustentação oral nas hipóteses em que o recurso de apelação tiver de ser decidido pela técnica de julgamento ampliado (artigo 942).

Na mesma esteira de raciocínio, a corte especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu em questão de ordem que “o ministro que não participou do início do julgamento, com sustentação oral, fica impossibilitado de participar posteriormente do julgamento” [1].

No processo civil, o exercício deste importante mecanismo de defesa está disposto no artigo 937 do Código de Processo Civil, do qual se observa que, à exceção do julgamento do “agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência” (inciso VIII), todas as demais hipóteses de cabimento se fazem em recursos interpostos contra decisões capazes de produzir coisa julgada material.

Na mesma linha, a Lei nº 14.365/2022 inovou na Lei nº 8.906/94 ao prever a possibilidade da realização de sustentação oral nos agravos internos interpostos contra decisões monocráticas de relator capazes de produzir igual atributo [2].

Considerando que “o grau de ampla defesa varia de acordo com a consequência jurídica dos fatos imputados” [3], torna-se fácil a conclusão acerca da relevância da realização de sustentação oral em recursos interpostos contra decisões meritórias capazes de produzir coisa julgada material.

Por outra via, ao não prever a possibilidade da realização de sustentação oral em agravos de instrumento que guerreiam decisões de natureza meritória igualmente capazes de produzir coisa julgada material, temos que a legislação processual incorre em aparente incoerência sistemática ao estabelecer mecanismos de defesas assimétricos para julgamentos de recursos contra decisões com igual carga decisória e que são capazes de produzir a mesma consequência jurídica, circunstância esta que reclama a necessidade de solução, o que pode ser realizado mediante de revisão legislativa, de previsão regimental  [4], e até mesmo intermédio de uma interpretação corretiva, inclusive através do emprego da analogia.

Se na sistemática estabelecida no Código de Processo Civil pretérito, a diferença entre decisões interlocutórias e sentenças residia primordialmente em seu conteúdo decisório [5], atualmente se dá majoritariamente em razão do momento processual em que tais decisões são proferidas (artigo 203, §§1º e 2º), notadamente se tem ou não o efeito de por “fim à fase cognitiva do procedimento comum”, ainda que se trate de decisões com igual conteúdo e efeito jurídico.

Julgamento antecipado do mérito
Tomando como exemplo o “julgamento antecipado parcial do mérito” (artigo 356), o magistrado poderá proferir desde logo uma decisão com “conteúdo de sentença” que, por ser definida processualmente como “interlocutória”, deverá ser impugnada mediante agravo de instrumento (CPC, artigo 356, §5º), estando esta sujeita a execução definitiva depois de transitada em julgado (artigo 356, §3º), rompendo-se em definitivo o “dogma da unicidade da sentença” [6].

Muito embora o CPC preveja expressamente a admissão da realização de sustentação oral no recurso que se interpõe contra uma sentença em seu aspecto formal (artigo 937, inciso I), o mesmo é silente quanto a tal possibilidade naquele interposto em face de uma sentença em sentido material (decisão interlocutória que resolve parcialmente o mérito).

Importante destacar que a hipótese descrita no inciso VIII do artigo 937 do CPC acerca do cabimento da realização de sustentação oral no “agravo de instrumento interposto contra decisões interlocutórias que versem sobre tutelas provisórias de urgência ou da evidência” não implica em vedação aos agravos interpostos contra outras decisões.

Primeiro, devemos ter em mente que a realização de sustentação oral se encontra inserida no âmbito do exercício da ampla defesa — e em função da qual deve ser interpretada (CPC, artigo 1º) —, cujas hipóteses de admissão devem ser estendidas ao maior número de hipóteses possíveis [7], assegurando-se assim a máxima efetividade ao referido direito fundamental (CF, artigo 5º, §1º), o que permite realizar uma interpretação extensiva ao inciso I do artigo 937 do CPC para estabelecer a necessária simetria entre os instrumentos de defesas em recursos interpostos contra decisões com igual carga decisória e que são capazes de produzir a mesma consequência jurídica.

De modo diverso, o inciso VIII do artigo 937 do CPC consiste em norma limitadora ao exercício da ampla defesa e, portanto, deve ser interpretada restritivamente [8].

Não menos importante, destaca-se ainda que a realização de sustentação oral no julgamento de agravos de instrumentos interpostos contra decisões que julgam o mérito não apresenta qualquer prejuízo às partes — visto que ambas terão igual oportunidade.

Tempo de julgamento
Por mais que possam alegar que o alargamento das hipóteses de sustentação oral no julgamento de agravos de instrumentos poderia implicar no aumento do tempo de julgamento de tais recursos, demandando maior número de sessões para tanto, o que poderia sugerir uma possível violação à celeridade processual e à duração razoável do processo, o que não passaria de mera hipótese, posto que tais ditames não impõem uma duração “máxima” para a solução do processo, mas sim uma adequada e que possibilite o exercício de outras garantias fundamentais do processo, entre ele a ampla defesa e o devido processo legal [9].

Ademais, além de inserida no contexto da ampla defesa, a possibilidade de sustentação oral também atende ao princípio da cooperação (CPC, artigo 6º) ao contribuir para um julgamento justo, pois através da exposição verbal é possível destacar razões de fato e/ou de direito eventualmente desapercebidos por integrantes do colegiado, o que por vezes motivou pedidos de vistas e até mudanças de votos, tendo efeito potencial de reduzir a interposição de outros recursos — sobretudo de embargos de declaração por omissão, contribuindo assim para a duração razoável do processo.

Assim, aplicando-se ela técnica de ponderação jurídica para resolver eventual conflito de valores fundamentais (CPC, artigo 489, §2º) entre duração razoável do processo e ampla defesa, a balança penderá em favor desta.

Em conclusão, a interpretação analógica do Código de Processo Civil abre a possibilidade de expansão da realização de sustentação oral além das situações expressamente indicadas em seu artigo 937, maximizando o princípio da ampla defesa e mantendo a coerência da legislação processual, além de contribuir para a própria duração razoável do processo.

 


[1] EREsp 1.447.624/SP, Rel. Min. Raul Araújo, Rel. Acórdão. Mina. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 11/10/2018.

[2] Art. 7º. Omissis. § 2º-B. Poderá o advogado realizar a sustentação oral no recurso interposto contra a decisão monocrática de relator que julgar o mérito ou não conhecer dos seguintes recursos ou ações: I – recurso de apelação; II – recurso ordinário; III – recurso especial; IV – recurso extraordinário; V – embargos de divergência; VI – ação rescisória, mandado de segurança, reclamação, habeas corpus e outras ações de competência originária.

[3] Voto do Min. Edson Fachin no julgamento da ADPF nº 378 – MC, j. 17.12.2015.

[4] Com base na delegação conferida pelo inc. IX do Art. 937 do CPC, alguns Tribunais de Justiça passam a admitir em seus Regimentos Internos a possibilidade da realização de sustentação oral em Agravo de Instrumento interposto contra decisões interlocutórias que julgam o mérito, tal como identificamos nos Regimentos Internos dos Tribunais de Justiça dos seguintes Estados: Acre (Art. 92, inc. II), Bahia (Art. 187, inc. I), Espírito Santo (Art. 134, §4º), Goiás (Art. 151, §8º), Maranhão (Art. 390, inc. I, “h”), Pernambuco (Art. 181, inc. III), PR (Art. 210, inc. III, “b”), Santa Catarina (Art. 175 §1º, Inc. II, “e”.2) e Sergipe (Art. 104, inc. XVI, “b”).

[5] Na vigência do CPC/73 (Art. 162), as Decisões Interlocutórias se dedicavam à decidir questões preparatórias, incidentais ou urgenciais, ao passo as Sentenças tinham o efeito de extinguir o processo com ou sem resolução do mérito. Situação excepcional ocorria no julgamento do mérito das Exceções de Pré-Executividade – atualmente de aplicabilidade restrita às Execuções Fiscais para as quais ainda há a necessidade de garantia prévia (LEF, Art. 16, §1º) –, a qual poderá ser realizado tanto por Sentença – caso implique na extinção do processo – ou por Decisão Interlocutória caso haja prosseguimento do feito (STJ, REsp 889.082/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 6/8/2008), sendo que ambas produzem Coisa Julgada Material.

[6] “O artigo 356 do CPC/2015 prevê, de forma clara, as situações em que o juiz deverá proceder ao julgamento antecipado parcial do mérito. Esse preceito legal representa, portanto, o abandono do dogma da unicidade da sentença. Na prática, significa dizer que o mérito da causa poderá ser cindido e examinado em duas ou mais decisões prolatadas no curso do processo. Não há dúvidas de que a decisão interlocutória que julga parcialmente o mérito da demanda é proferida com base em cognição exauriente e ao transitar em julgado, produz coisa julgada material (artigo 356, § 3º, do CPC/2015)” – STJ, Terceira Turma, REsp 1.845.542, Rela. Mina. Nancy Andrighi, DJe 14/05/2021.

[7] “É pela não taxatividade das fontes das garantias processuais que a Constituição (art. 5°, LV) assegura aos acusados em geral ‘o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes’” – Voto do Min. Edson Fachin no julgamento da ADPF nº 378 – MC, j. 17.12.2015.

[8] “As normas restritivas de direitos ou sancionatórias, especialmente quando em relação a direitos fundamentais, devem ser interpretadas restritivamente” – STJ, Primeira Seção, REsp 1.959.824, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 25/04/2023.

[9] “Um processo devido, por sua vez, guarda pertinência com a observância das demais garantias processuais elencadas pela Constituição Federal, pelos tratados internacionais dos quais o Brasil seja signatário, pelas disposições previstas nas leis de regência ou das garantias que decorram logicamente dessas normas” – Voto do Min. Edson Fachin no julgamento da ADPF nº 378 – MC, j. 17.12.2015.

Autores

  • é advogado e atua em questões relacionadas às áreas do Direito Tributário e do Direito Administrativo-Econômico, com ênfase em Contratações Públicas e Improbidade Administrativa.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!