Opinião

Lei 14.859/2024 corrige uma das grandes injustiças do Perse

Autor

  • Marcelo Jose Luz de Macedo

    é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf. Vice-presidente da 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara. Especialista em Direito Tributário pelo Ibet-SP mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e doutorando em Direito Tributário na USP.

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25 de maio de 2024, 7h01

Após quase um mês da aprovação do Projeto de Lei nº 1.026/2024 pelo Senado, foi publicada a Lei nº 14.859/2024, que “Altera a Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021, para estabelecer alíquotas reduzidas no âmbito do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos — Perse; e revoga dispositivo da Medida Provisória nº 1.202, de 28 de dezembro de 2023”.

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A recente revisão da Lei nº 14.148/2021 resultou na exclusão de 14 atividades econômicas que anteriormente estavam abrangidas pelo programa [1]. Apesar disso, uma mudança positiva merece destaque: a eliminação da exigência retroativa de inscrição regular no Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), conforme indicado na nova redação do artigo 4º, §5º:

“§5º. Terão direito à fruição do benefício fiscal de que trata este artigo, condicionada à regularidade, em 18 de março de 2022, ou adquirida entre essa data e 30 de maio de 2023, de sua situação perante o Cadastro dos Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), nos termos dos arts. 21 e 22 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008 (Política Nacional de Turismo), as pessoas jurídicas que exercem as seguintes atividades econômicas: restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00).”

Período maior

Perceba-se que a norma ampliou o período para a regularização da inscrição no Cadastur. Antes, a inscrição era exigida até a data limite de 18/3/2022. Agora, contudo, o período foi estendido, permitindo que contribuintes inscritos no período compreendido entre 18/3/2022 e 30/5/2023 se beneficiem do programa.

Trata-se de uma alteração importante, pois uma das grandes discussões atinentes ao Perse envolvia justamente a exigência do Cadastur. Em um primeiro momento, em razão dela ter sido criada por meio de portaria, e depois, porque a lei que trouxe tal previsão estabeleceu que o seu cumprimento deveria ser retroativo [2].

Explicamos.

A obrigatoriedade de inscrição no Cadastur não estava inicialmente contemplada pela Lei nº 14.148/2021, a qual instituiu o Perse, somente tendo sido implementada com a Portaria do Ministério da Economia (ME) nº 7.163/2021. Ocorre que a função precípua desse ato administrativo era tão somente dispor sobre os códigos das atividades econômicas enquadradas na definição de setor de eventos, de modo que, ao criar a obrigação do Cadastur, ultrapassou sua competência, restringindo indevidamente o alcance dos benefícios do Perse.

Apenas em 30/5/2023, decorridos quase dois anos da publicação da Portaria ME nº 7.163/2021, a exigência de inscrição no Cadastur foi introduzida na legislação por meio da Lei nº 14.592/2023, publicada em 30/5/2023. Sucede que a referida norma acabou condicionando a fruição dos benefícios do Perse à regularidade da inscrição no Cadastur na data de 18/3/2022, ou seja, de maneira retroativa, muito antes da sua própria publicação, em 30/5/2023.

Reação

Os contribuintes, então, passaram a ingressar com medidas judiciais para que a Justiça reconhecesse a ilegalidade (no primeiro momento em razão da portaria) e a inconstitucionalidade (no segundo momento com a imposição retroativa) da exigência do Cadastur, garantindo-se o direito de usufruir dos benefícios do Perse, independentemente da inscrição regular em 18/03/2022.

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Como é de praxe em nosso país, foram proferidas as mais diversas decisões sobre o tema, não havendo uma uniformidade na jurisprudência, o que compromete a própria previsibilidade e integridade do nosso ordenamento jurídico. Contudo, o foco deste texto não é analisar detalhadamente os precedentes sobre a matéria. Em vez disso, destacaremos algumas decisões que, em nossa visão, ofereceram uma análise precisa e acertada do tema em discussão.

Em sentença proferida em 10/4/2023, nos autos do processo nº 0809727-22.2022.4.05.8400, o juiz federal Magnus Augusto Delgado, da 1ª Vara Federal do Rio Grande do Norte, concluiu que “afigura-se ilegal o § 2º do art. 1º da Portaria ME n.º 7.163/2021 ao criar exigência não prevista em lei para a adesão ao Perse”.

Ainda em suas palavras, “as restrições decorrentes do combate à pandemia não atingiram apenas as empresas que estavam cadastradas no Cadastur e são prestadoras das atividades econômicas definidas em lei como autorizadoras à participação no Perse. Lei nº 14.148/22, mas que estavam factualmente ativas durante o período em que se verificaram os efeitos das medidas de combate à Covid-19, também sofreram com o temporário e obrigatório fechamento, não havendo por que deixá-las fora do programa que concede benefícios que, de alguma forma, as compensem pelos prejuízos suportados no auge do período pandêmico”.

Já em acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), nos autos do processo nº 0811299-90.2022.4.05.0000, o desembargador Federal Francisco Alves dos Santos Júnior asseverou que “o §2º, do art. 1º, da Portaria ME nº 7.163/2021 ultrapassou o poder regulamentar conferido à Administração Fazendária uma vez que criou limitação para fins de adesão ao Perse não prevista em Lei, devendo ser afastada”, de sorte que “não cabe ao poder regulamentar da Administração estabelecer limitações onde a lei não o fez”.

Por fim, no que diz respeito à exigência retroativa instituída pela Lei nº 14.592/2023, o mesmo TRF-5, em acórdão proferido à unanimidade no processo nº 0809727-22.2022.4.05.8400, sob relatoria da Desembargadora Federal Joana Carolina Lins Pereira, consignou que “a despeito da inclusão da exigência de prévio registro no Cadastur a partir da Lei nº 14.592, de 30 de maio de 2023, depreende-se sua inaplicabilidade às pessoas jurídicas que (como a demandante) haviam buscado sua inscrição no Perse anteriormente ao seu advento”, posto que tal exigência “não poderiam se aplicar de forma retroativa, alcançando períodos e fatos anteriores à sua vigência”.

Medida prudente

É imperativo reconhecer que a atuação do Congresso Nacional em revisar a Lei nº 14.148/2021, extinguindo a exigência retroativa de inscrição regular no Cadastur na data de 18/3/2022, revela-se como um passo essencial para solucionar as questões já dirigidas aos Poder Judiciário [3] e evitar futuras intervenções desnecessárias.

Essa ação prudente e oportuna proporciona aos contribuintes devidamente registrados até 30/05/2023 a plena fruição dos benefícios do Perse. Tal medida não apenas corrige um vício da legislação, mas também reafirma o compromisso do Legislativo com a justiça e a equidade, assegurando que aqueles que cumpriram suas obrigações não sejam injustamente prejudicados.

Neste sentido, é inegável que a alteração legislativa promovida representa um avanço significativo na proteção dos interesses dos contribuintes e na garantia da segurança jurídica tão vital para o desenvolvimento econômico e social do país.

 


[1] Foram excluídas do programa as seguintes atividades: Albergues, exceto assistenciais (5590-6/01); Campings (5590-6/02); Pensões (alojamento) (5590-6/03); Outros alojamentos não especificados anteriormente (5590-6/99); Produtora de filmes para publicidade (5911-1/02); Serviço de transporte de passageiros – locação de automóveis com motorista (4923-0/02); Transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, municipal (4929-9/01), intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/02); Organização de excursões em veículos rodoviários próprios, municipal (4929-9/03), intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/04); Transporte marítimo de cabotagem – passageiros (5011-4/02); Transporte marítimo de longo curso – passageiros (5012-2/02); Transporte aquaviário para passeios turísticos (5099-8/01); e Atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos e atrações similares (9102-3/01).

[2] Embora isso represente um avanço, nos parece que ainda é possível discutir se a nova norma não contém um problema de retroatividade, tendo em vista que a exigência de inscrição regular no Cadastur continua vinculada a uma norma anterior, no caso a Lei nº 14.592/2023.

[3] Muito embora se reconheça que alguns contribuintes podem questionar o fato de a nova norma fazer referência a um marco temporal pretérito (publicação da Lei nº 14.592/2023) para exigência da regularidade no Cadastur.

Autores

  • é conselheiro titular da 1ª Seção do Carf, vice-presidente da 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara, especialista em Direito Tributário pelo Ibet-SP, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e doutorando em Direito Tributário na USP.

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