Opinião

Revisão de decisões, acordos e TACs em face do Tema 935 do STF

Autor

  • Eduardo Bestetti

    é advogado sócio do escritório NBKA (Neves Bestetti e Kraemer Advocacia) especialista em Direito Material e Processual do Trabalho e mestre e doutorando em Direito pela UFRGS.

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24 de maio de 2024, 19h19

Com a decisão de 12 de setembro de 2023 do plenário do Supremo Tribunal Federal, que aprovou a tese para o Tema 935 de Repercussão Geral (é constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição), muitas entidades sindicais que sofreram inquéritos civis ou processos judiciais, firmando termos de ajustamento de conduta, acordos judiciais e até mesmo sendo condenadas passaram a se perguntar como fazer para a decisão valer em seus casos.

Valdecir Galor/SMCS

De fato, não foram poucos os casos em que o Ministério Público do Trabalho acionou as entidades sindicais buscando que elas se abstivessem da cobrança de contribuições assistenciais de não associados, mesmo eles sendo beneficiados pelas normas coletivas, levando à condenação ou à assinatura de acordos judiciais e TACs, com o compromisso de abstenção de cobrança de contribuições assistenciais em relação a esses trabalhadores. Esse é o entendimento que foi rechaçado pelo STF, permitindo a instituição da contribuição assistencial em relação a todos os trabalhadores — resguardado o direito de oposição individual —, com a fonte de autorização da cobrança sendo a assembleia geral, com a participação de não associados.

Como a determinação — seja por sentença, seja por acordo — de abstenção de cobrança de contribuições assistenciais a não associados se trata de uma relação de trato continuado, com efeitos posteriores à sentença que condena ou homologa acordo, as sentenças e os acordos judiciais podem ser revistos pela via da Ação Revisional, nos termos do artigo 505, inciso I e do artigo 966, § 4º, ambos do CPC.

Sobre as relações de trato continuado, afirmam Marioni, Arenhardt e Mitidiero (2016, p. 604): “Porque duradouras, são passíveis de modificação em seu estado de fato e de direito, o que pode evidenciar a necessidade de nova disciplina jurisdicional”. Extraem-se, daí, os requisitos para a propositura da ação revisional:

  • a) o trânsito em julgado de decisão condenatória;
  • b) a relação ser de trato continuado, como são as que impõem regras futuras para cobranças de contribuições assistenciais;
  • c) alteração das condições de fato ou de direito, tendo evidentemente ocorrido alteração de direito a partir de 12 de setembro de 2023 com a aprovação do Tema 935.

Não se pode exigir que ocorra o trânsito em julgado do processo ARE 1.018.459 RG no STF, que aprovou o Tema 935 e atualmente pende de julgamento de embargos de declaração opostos pela Procuradoria Geral da República e pela Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos). O requisito do trânsito em julgado não encontra amparo legal e as alterações de direito já se consolidaram com a nova redação do Tema 935.

Spacca

Sobre os TACs, o Tribunal Superior do Trabalho admitiu o ajuizamento de ação revisional em face de alterações de direito no julgamento do Recurso de Revista TST-RR-1030-74.2010.5.08.0001, fazendo constar da ementa: “2. Nas relações jurídicas de trato sucessivo, entre as quais se inserem as constituídas por meio da celebração de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em que previstas obrigações de fazer e não fazer com efeitos permanentes e prospectivos, a alteração do estado de fato ou de direito autoriza a retificação do quanto ajustado, com fundamento no art. 471 do CPC de 1973 (atual art. 501 do CPC de 2015) c/c o art. 769 da CLT”.

Ações revisionais

Dessa forma, demonstrado que plenamente cabível o ajuizamento de ações revisionais, seja em face de acordo judicial homologado, sentença transitada em julgado e TACs a fim de adequar comandos relativos à cobrança de contribuição assistencial com a atual redação do Tema 935 do STF.

No entanto, há que se atentar para a eficácia temporal da decisão. Como a alteração de direito se perfectibilizou apenas com o julgamento de 12 de setembro de 2023, eventual determinação restritiva, inclusive com imposição de multa, dificilmente poderá ser revisada se o fato gerador for anterior a esta data. Nesses casos, as partes envolvidas — sindicato e Ministério Público do Trabalho — devem chegar a uma solução razoável que considere o estipulado no Enunciado nº 11 da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho:

EXECUÇÃO DE TAC/ACP. No processo de execução de TAC ou ACP o Procurador oficiante, no exercício de sua independência funcional e de acordo com seu juízo de conveniência e oportunidade, poderá renegociar prazos e condições de cumprimento das obrigações principais, bem como o valor da multa respectiva, inclusive para dispensá-la parcial ou integralmente, quando o interesse público assim o exigir e a medida se revelar oportuna e compatível com as metas do Ministério Público do Trabalho.

Assim, já tendo sido pacificada a questão pelo STF e havendo eventuais irregularidades anteriores a 12 de setembro de 2023, as partes envolvidas devem chegar a uma solução conciliada que afaste as pesadas multas impostas às entidades sindicais por uma irregularidade que sequer persiste no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista o interesse público na preservação das entidades sindicais e na necessidade de sua sustentação financeira para prosseguir com as atividades de negociação coletiva e fiscalização das relações de trabalho.

As conclusões, portanto, são de que:

  • (a) é cabível o ajuizamento de ação revisional nos casos de sentença transitada em julgado, acordo judicial homologado e TACs para anulação de disposições que limitem a cobrança de contribuição assistencial a trabalhadores não associados e/ou que não reconheçam a assembleia da categoria como fonte de autorização para a cobrança;
  • (b) a decisão de anulação retroagirá até a data de 12 de setembro de 2023;
  • (c) eventual infração anterior a 12 de setembro de 2023 deve ser objeto de conciliação entre a entidade sindical e o MPT à luz do Enunciado nº 11 da Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público do Trabalho.

 

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Referências

Marinoni, Luiz Guilherme. Arenhart, Sérgio Cruz. Mitidiero, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

Autores

  • é advogado, sócio do escritório NBKA (Neves, Bestetti e Kraemer Advocacia), especialista em Direito Material e Processual do Trabalho e mestre e doutorando em Direito pela UFRGS.

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