Opinião

Força jurídica da autonomia da vontade das partes nos planos de PLR

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6 de agosto de 2022, 9h18

Com a reforma trabalhista promovida por meio da Lei nº 13.467 de 2017, que alterou sobremaneira a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as relações jurídicas trabalhistas sofreram importante alteração de paradigma, principalmente no que diz respeito ao reconhecimento e valorização da autonomia da vontade coletiva.

Assim, com base no artigo 7º, incisos VI, XIII, XIV e XXVI, da Constituição, que privilegiam a autonomia privada no âmbito das negociações coletivas, a lei acima mencionada delimitou o que é ou não passível de ser negociado coletivamente, nos termos dos artigos 611-A e 611-B, introduzidos na CLT.

No rol contido no artigo 611-A da CLT constam os direitos suscetíveis de serem transacionados coletivamente, dentre os quais destacamos o direito de participação nos lucros e resultados (PLR), que importa ao presente texto.

Trata-se de direito fundamental previsto no artigo 7º, inciso XI da CF, que garante ao trabalhador a participação nos lucros ou resultados da empresa contratante, de forma desvinculada de sua remuneração, funcionando como um valioso instrumento para fomentar a distribuição de renda aos trabalhadores e incrementar seu engajamento e, consequentemente, sua produtividade.

A desvinculação da PLR da remuneração é relevante para que, sobre os valores distribuídos ao trabalhador a esse título, não incidam as quotas patronal e do segurado das contribuições previdenciárias, a contribuição ao RAT e as contribuições destinadas a outras entidades ou fundos, que podem ultrapassar o percentual de 40%, onerando excessivamente o direito social à participação nos lucros ou resultados, assegurado pela CF.

No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 10.101 de 2001 regulamenta os principais requisitos para a validade de um plano de PLR e, consequentemente, para a desvinculação de tais valores da figura de remuneração. Quando cumpridos tais requisitos, a PLR fica livre da incidência das contribuições acima mencionadas, conforme o artigo 28, §9º, alínea "j" da Lei nº 8.212 de 1991.

A força jurídica da autonomia da vontade das partes nas negociações coletivas também é relevante sob a ótica tributária, na medida em que a Receita Federal costuma lavrar autos de infração desconstituindo planos de PLR, muitas vezes fundamentados em questionamentos relativos ao conteúdo dos direitos substantivos e das regras adjetivas previstos, interferindo, deste modo, na vontade das partes que entabularam o plano.

Esses questionamentos, entre outros envolvendo os requisitos legais, tornaram a PLR a matéria previdenciária mais litigiosa no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão responsável por revisar as autuações da Receita, à luz da ampla defesa e do devido processo legal, conforme pesquisa coordenada pela professora Vanessa Rahal Canado, do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).

Para se ilustrar a tônica dos debates travados sobre o tema, houve situações em que a RFB lavrou auto de infração ao argumento de que os planos deveriam conter regras de distribuição de lucros atreladas à produtividade do trabalhador, não sendo válidos outros tipos de critérios, para a avaliação do trabalho desenvolvido.

A título de exemplo, mencionamos o acórdão nº 2301-002.491, proferido em 2012, no qual a 3ª Câmara da 1ª Turma Ordinária do Carf manteve a desconstituição de plano de PLR, para cobrança das contribuições sobre os valores distribuídos, por entender inadequada a fixação de metas relacionadas a horas trabalhadas. Também, no mesmo sentido, mencionamos o acórdão nº 2402-007.582, proferido em 2019, no qual a 4ª Câmara da 2ª Turma Ordinária do Carf invalidou plano de PLR que vinculava a distribuição dos lucros à existência de resultados positivos no período.

Em razão da alta litigiosidade tributária centrada no conteúdo do que foi acordado nos planos de PLR, o Poder Legislativo procurou solucionar o problema por meio da Lei nº 14.020 de 2020, que alterou o artigo 2º da Lei nº 10.101 de 2001, para assegurar que, na "fixação dos direitos substantivos e das regras adjetivas, inclusive no que se refere à fixação dos valores e à utilização exclusiva de metas individuais, a autonomia da vontade das partes contratantes será respeitada e prevalecerá em face do interesse de terceiros" (inclusive em face do interesse arrecadatório da RFB).

Assim, diante dessa recente proteção instituída na Lei, alinhada aos valores que guiaram a reforma trabalhista, a margem de questionamento por parte da Administração Tributária para desconstituir planos de PLR diminuiu, trazendo maior segurança jurídico-tributária na estruturação de planos dessa natureza.

Mas foi mais recentemente que o Poder Judiciário, por meio da sua mais alta instância, o Supremo Tribunal Federal (STF), contribuiu indiretamente para garantir uma proteção constitucional ainda maior aos acordos e convenções coletivas que têm por objeto a PLR. Isso porque, em junho deste ano, o Plenário da Suprema Corte julgou o ARE nº 1.121.633, fixando a seguinte tese de repercussão geral (tema 1.046): "São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".

Para a análise de todo esse contexto, é importante notar que o STF entendeu ser desnecessário que as partes especifiquem de forma explícita as vantagens compensatórias setoriais em acordos coletivos que venham a suprimir direitos trabalhistas transacionáveis. Ao decidir desse modo, a Suprema Corte se pôs a frear a jurisprudência trabalhista, que vinha até então acatando questionamentos quanto ao conteúdo dos acordos, exigindo como pressuposto de validade que a reciprocidade das concessões estivesse explicitada na norma coletiva.

Essa nuance importa para acordos de PLR, pela seguinte lógica: se o STF considera válidas as cláusulas de acordos coletivos que restringem direitos trabalhistas, mesmo quando não houver vantagem compensatória explicitada na norma, menos ainda poderão ser questionadas as cláusulas que concedem direitos. É justamente este o caso dos dispositivos que instituem critérios para concessão de PLR.

Com base nas razões de decidir fixadas pelos ministros que acompanharam o entendimento vencedor, é possível verificar que a autonomia da vontade das partes nas negociações coletivas (incluídas aí as que objetivem planos de PLR) possui tutela constitucional, não podendo ser questionada arbitrariamente pela Administração Tributária.

Diante dessa evolução legislativa e consolidação jurisprudencial que se sucedeu nos últimos anos, espera-se que as empresas voltem a enxergar os planos em questão como estrutura viável e segura, conferindo efetividade à PLR que, em razão de sua importância para o bem-estar e o engajamento dos trabalhadores, é estudada há anos pelas teorias da administração e foi alçada à categoria de direito social pelo constituinte brasileiro.

De todo modo, considerando-se o histórico de interpretações restritivas por parte das autoridades fiscais quanto aos requisitos legais da PLR, as empresas que distribuem essas participações aos seus trabalhadores devem ficar atentas a como todos esses fatos recentes serão encarados pela administração tributária.

Autores

  • é mestre e doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), com estágio de doutoramento na Fordham University School of Law, professora de Direito do Trabalho no curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, pesquisadora do Getrab-USP e advogada sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.

  • é advogada do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.

  • é pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV Direito) de São Paulo e do Núcleo de Pesquisas do Mestrado Profissional em Direito Tributário Internacional e Comparado (Nupem) do IBDT, conselheiro jurídico da Associação Brasileira das Empresas de Luxo (Abrael) e advogado no escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados.

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