Opinião

País não pode mais adiar debate sobre custeio da Previdência

Autor

  • Wagner Balera

    é professor titular na Faculdade de Direito da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e livre-docente e doutor em Direito Previdenciário pela mesma universidade.

30 de janeiro de 2024, 11h16

Por ter sido o Decreto Legislativo 4.682, de 24 de janeiro de 1923, o ato que institui no Brasil a previdência social, com a criação de caixas de aposentadorias e pensões para os ferroviários, em nível nacional, essa data passou a ser referida como o Dia da Previdência Social.

Advirta-se, para logo, que não foi essa a primeira lei de proteção social pátria porque, como se sabe, quatro anos antes dela, fora dado à estampa o Decreto nº 3.724/1919 (Lei de Acidentes de Trabalho).

Cabe festejar?
Mas, como datas são apenas convenções (quem sabe em que momento no tempo estamos situados hoje? Desde quando se conta o tempo?), é de se indagar, isso sim, se é digna de comemorações a efeméride aqui referida.

E a resposta será, invariavelmente, sim e não.

Sim, porque a previdência social veio para ficar como o mais importante programa de seguridade brasileiro e, desde 1934, foi elevada à dignidade constitucional.

Todos os meses, com rigor e método, milhões de beneficiários recebem a única quantia que podem ter como certa e, possivelmente, único bem a garantir-lhes a subsistência.

O não, porém, se deve ao fato de se ver protelada a discussão necessária sobre a verdadeira reforma previdenciária que se impõe.

Com os dias contados
O sistema, tal como concebido pelo modelo bismarckiano, não resistirá por muito tempo e, se não forem apontados caminhos diferenciados, pode largar na rua da amargura boa parte daqueles que confiam na sua aparente seguridade.

Para não irmos muito longe, nem mesmo as fontes de custeio existentes e demarcadas pela Constituição são respeitadas na respectiva integralidade.

Dia sim, e no outro também, são retirados do campo da incidência fatos notoriamente demarcados como de exigência contributiva. Também são protelados infindas vezes os pagamentos de débitos de devedores contumazes, quase que num incentivo para que não cumpram a seu tempo a obrigação tributária.

Agora mesmo está a se discutir estranhável retirada do campo da incidência de parcela significativa de setores contributivos importantes. O grave não é que setor deve pagar mais ou que setor deve pagar menos. Tema que se confunde com a equidade no custeio. E, sim, cabe definir que outras fontes de custeio substituirão aquelas de que o Estado, generosamente, está abrindo mão.

Sem contrapartida
É irritante, e impede a comemoração desse dia, que uma emenda constitucional — já advertia Otto Bachof (jurista alemão) para o fenômeno das normas constitucionais inconstitucionais — tenha riscado da Constituição o elementar comando, segundo o qual toda a supressão de fonte de custeio há de ter concomitante indicação daquela que a substituirá de imediato, como elementar decorrência da regra da contrapartida.

É o que propôs o artigo 30 da Emenda nº 103, de 2019, ao cuidar do passado da contribuição sobre a folha, única fonte de custeio efetivamente sujeita ao fenômeno da tributação vinculada. Enfim, os romanos bem definiam certas normas como monstra legum.

Urgência do debate
Força concluir que as incertezas decorrentes da aprovação recente da reforma tributária parecem apontar para novas turbulências no capítulo do financiamento da seguridade social.

Sem querer passar mensagem de pessimismo, aqui cabe advertir para a urgente necessidade de debate corajoso do fenômeno previdenciário e se, e somente se, a seguridade social estiver devidamente assegurada a todos, aí sim será o caso de entoarmos os parabéns.

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