Opinião

A confusão entre depósito integral e seguro ou fiança bancária como garantia do crédito tributário

Autor

  • Phelippe Toledo Pires de Oliveira

    é procurador da Fazenda Nacional mestre pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne mestre e doutor em Direito Tributário pela USP e professor do Ibmec-Brasília tendo sido pesquisador visitante em Berkeley Londres e Viena.

23 de janeiro de 2024, 6h32

A Constituição determina em seu artigo 146, III, b, que compete à lei complementar estabelecer normas gerais em matéria tributária, especialmente em relação à obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência. Por conta disso, as hipóteses de suspensão crédito tributário encontram-se expressamente previstas no Código Tributário Nacional.

O artigo 151 do CTN trouxe um rol de situações em que o crédito tributário pode ter sua exigibilidade suspensa, isto é, não pode ser cobrado pela administração tributária. Entre eles encontram-se a moratória e o parcelamento, as reclamações e os recursos administrativos, medida liminar ou tutela antecipada a favor do contribuinte e o depósito do montante integral.

Para que o depósito configure hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, é necessário que ele abranja não somente o tributo propriamente dito como também os seus acessórios, como a multa — moratória ou de ofício —, os juros e, quando houver, o encargo legal cobrado para a cobrança de dívida, que nos tributos federais pode chegar a 20%.

De há muito a Corte Superior fixou o entendimento de que, para suspender a exigibilidade do crédito tributário, o depósito deve corresponder à integralidade do débito e ser realizado em dinheiro. Esse entendimento encontra-se consubstanciado na Súmula 112 do STJ: “O depósito somente suspende a exigibilidade do crédito tributário se for integral e em dinheiro”.

A fiança bancária e o seguro garantia se equiparam à penhora por expressa disposição do artigo 9º, § 3º, da Lei 6.830/80 e permitem ao contribuinte a obtenção de certidão positiva com efeitos de negativa (CPEN), a teor do artigo 206 do CTN. No entanto, esses instrumentos não se assemelham ao depósito integral para fins de suspensão da exigibilidade dos créditos tributários.

É verdade que, em relação aos créditos de natureza não tributária, o STJ possui decisão no sentido de que  seria possível a suspensão da exigibilidade do crédito a partir da apresentação do seguro garantia (REsp 1.381.254/PR). Recentemente, inclusive, a corte afetou a matéria sob o rito dos recursos repetitivos para uniformizar o entendimento sobre a matéria (Tema 1.203).

Mas a discussão se restringe aos créditos não tributários. Em relação aos créditos tributários, o STJ consolidou o entendimento, quando do julgamento do RESp 1.156.668/DF, de que “a fiança bancária não é equiparável ao depósito integral para fins de suspensão da exigibilidade ante a taxatividade do art. 151 do CTN e o teor do Enunciado Sumular n. 112 desta Corte” (Tema 378).

Mas, se tanto na hipótese de depósito integral quanto na hipótese de apresentação de fiança bancária ou seguro garantia, o contribuinte faz jus à certidão positiva com efeitos de negativa. Então, qual seria a diferença de o contribuinte efetuar o depósito ou apresentar uma garantia? A principal diferença está justamente nos efeitos da suspensão da exigibilidade do crédito.

A suspensão da exigibilidade do crédito implica a suspensão de toda e qualquer medida de cobrança. Assim, se efetuado o depósito antes de sua inscrição em dívida ativa, o crédito sequer será inscrito, tampouco ajuizada a execução. Por sua vez, se o contribuinte apresentar fiança bancária ou seguro garantia, não há óbice à inscrição em dívida e ajuizamento da execução.

Outra diferença é que o depósito judicial em dinheiro faz cessar a responsabilidade do contribuinte pela atualização monetária e juros de mora (artigo 9º, §4º, da Lei 6.830/80), que passa a ser de responsabilidade do banco onde realizado o depósito. A própria legislação indica quais são os bancos onde devem ser realizados os depósitos (artigo 32 da Lei 6.830/80).

No caso da fiança bancária e seguro garantia, os valores devidos pelo contribuinte deverão ser atualizados até o efetivo pagamento. Essa é a razão pela qual a Fazenda exige que conste desses instrumentos que o valor garantido pela instituição financeira ou seguradora seja atualizado pelos mesmos índices de atualização da dívida ativa — no caso dos tributos federais, a Selic.

É muito comum a propositura pelos contribuintes de medida cautelar antecipatória de garantia mediante a apresentação de fiança bancária ou seguro garantia. Isso normalmente ocorre após o encerramento da discussão na esfera administrativa, mas antes do ajuizamento da execução fiscal, para permitir ao contribuinte a obtenção de CPEN.

Sendo a garantia suficiente, o contribuinte fará jus à respectiva certidão. Mas nada impede que a execução fiscal daquele crédito seja ajuizada, situação em que a cautelar é, de regra, extinta. Nessa situação, tratando-se de tributos federais, ajuizada a execução, haverá o acréscimo do encargo legal de 20%, o que não aconteceria tivesse o contribuinte efetuado o deposito integral.

Em conclusão, a apresentação de fiança bancária e seguro garantia equipara-se a penhora por expressa previsão legal, permitindo ao contribuinte a obtenção de CPEN. No entanto, esses instrumentos não ensejam a suspensão da exigibilidade do crédito tributário obtida com o depósito integral, ainda que se possa porventura cogitar tal efeito para o crédito não tributário.

Autores

  • é procurador da Fazenda Nacional, mestre pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne, mestre e doutor em Direito Tributário pela USP e professor do IBMEC-Brasília, tendo sido pesquisador visitante em Berkeley, Londres e Viena.

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