Opinião

Impactos do julgamento da ADI 5.941 na cobrança do crédito tributário

Autor

  • Phelippe Toledo Pires de Oliveira

    é procurador da Fazenda Nacional mestre pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne mestre e doutor em Direito Tributário pela USP e professor do Ibmec-Brasília tendo sido pesquisador visitante em Berkeley Londres e Viena.

4 de março de 2023, 6h33

A execução fiscal é um instrumento ultrapassado para a cobrança de créditos tributários. Editada na década de 1980, com propósito de dar maior eficácia e rapidez na cobrança do crédito público, a Lei 6.830, conhecida como LEF (Lei de Execuções Fiscais), não conseguiu a alcançar tal finalidade. Nem mesmo as alterações posteriores da LEF, o advento  da Lei 10.522/02, em relação aos créditos federais, e o novo CPC, conseguiram impulsionar o instrumento.

No entanto, recente decisão do Supremo Tribunal Federal na ADI 5.941, julgada em 9 de fevereiro de 2023, pode dar um "empurrãozinho" na cobrança do crédito tributário. Tal decisão acabou sendo, de certa forma, ofuscada por conta da discussão envolvendo os efeitos da coisa julgada em matéria tributária, objeto do RE 949.296 e RE 955.227 (Temas nº 881 e 885, respectivamente), julgada no dia anterior. Mas, afinal, do que tratou tal decisão?

Em discussão na referida ADI estava a constitucionalidade do artigo 139, IV, do CPC, que prevê a possibilidade de o juiz determinar medidas coercitivas para o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária. A  decisão proferida na ADI 5941 declarou constitucional o dispositivo do CPC com a condição de que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade [1].

A questão não é de todo nova. Há alguns anos, a 3ª Turma do STJ, no REsp 1.788.950/MT, já havia se manifestado pela possibilidade de medidas coercitivas atípicas, desde que observadas algumas balizas como a observância do contraditório e proporcionalidade [2]. Porém, alguns meses depois, a 1ª Turma do STJ, quando da apreciação do HC 453.870, entendeu no sentido contrário, isto é, de que  não se aplicaria tais medidas nas execuções fiscais [3].

Agora, portanto, é possível cogitar que o juiz da execução fiscal — que por sua natureza, tem por objeto uma prestação pecuniária — autorize a apreensão de passaporte e de CNH do executado caso este não pague a dívida em cobrança na execução fiscal ou ainda que o juiz não permita ao devedor participar em concurso ou licitação pública, ainda que indiretamente a obrigatoriedade de apresentação de CND para participar do certame licitatório já cumpra esse propósito.

A apreensão de passaporte de quem possui dívida tributária em aberto não é nenhuma "jabuticaba". Existe previsão semelhante em outros ordenamentos jurídicos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o fisco pode notificar o Departamento de Estado, para que esse revogue ou não renove o passaporte do devedor. Todavia, para que isso ocorra, necessário que a dívida apresente certas características, entre as quais ser superior a US$ 59 mil [4].

As medidas coercitivas previstas no artigo 139, IV, do CPC, não tem a pretensão de fazer  com que as execuções fiscais se tornem efetivas na cobrança de créditos tributários. Para tanto, seria necessária uma total reformulação desse instrumento, que vem se mostrando vetusto para tal finalidade. Demais disso, a utilização dessas medidas não deverá ocorrer de forma indiscriminada para todo e qualquer devedor.

É preciso ter em mente que grande parte dessas medidas são destinadas àqueles devedores pessoas físicas, visto que pessoas jurídicas não possuem passaporte nem CNH. Nesse sentido, é de se cogitar a possibilidade de apreensão de CNH e passaporte de devedores, notadamente grandes devedores, seja em razão de cobrança de dívida própria, seja por conta de redirecionamento contra os sócios de dívidas que originalmente eram da sociedade.

Além disso, a efetividade de medidas como a apreensão de passaporte dependerá muito do perfil do devedor. A medida tem o potencial de afetar aqueles devedores que, não obstante seu passivo tributário, efetuam viagens a lazer para o exterior com frequência ou moram em outro país. Entretanto, não afetará devedores que não viajam ao exterior ou aqueles com dupla cidadania, que poderão utilizar o passaporte de outro país para viajar.

Enfim, a decisão na ADI 5.941 sedimentou a possibilidade de adoção, pelos juízes, de medidas coercitivas como a apreensão de passaporte e de CNH, inclusive nas ações pecuniárias. No entanto, não resta claro até que ponto os juízes aplicarão tais medidas no âmbito das execuções fiscais e quais os critérios utilizarão para analisar o seu impacto sobre os direitos fundamentais do devedor, bem assim a proporcionalidade e razoabilidade de tais medidas. É esperar para ver.

 


[1] STF, Pleno, ADI 5941/DF, relator ministro Luiz Fux, j. 09/02/2023, DJe 17/02/2023.

[2] STJ, 3ª Turma, REsp nº 1.788.950/MT, relator ministro Nancy Andrighi, j. 23/04/2019, DJe 26/04/2019.

[3] STJ, 1ª Turma, HC 453.870/PR, relator ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. 25/06/2019, DJe 15/08/2019.

[4] Para detalhes sobre o procedimento de revogação e negativa de emissão de passaportes em razão de dívidas tributárias nos EUA, conferir: https://www.irs.gov/irb/2018-03_IRB.

Autores

  • é procurador da Fazenda Nacional, mestre pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne, mestre e doutor em Direito Tributário pela USP e professor do IBMEC-Brasília, tendo sido pesquisador visitante em Berkeley, Londres e Viena.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!