Opinião

Planejamento tributário como ferramenta para evitar a sonegação fiscal

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21 de janeiro de 2024, 7h16

O presente artigo aborda o planejamento tributário empresarial como uma alternativa eficaz para promover o melhor entendimento da complexa legislação tributária e, consequentemente, evitar a prática de atos ilícitos, sobretudo, o crime de sonegação fiscal.

O planejamento tributário é conceituado como uma atividade preventiva no âmbito dos negócios jurídicos e permite que a empresa se planeje para obter economia fiscal, seja evitando a constituição de obrigações tributárias, seja na recuperação de crédito de ICMS [1].

É como se o advogado tributarista desenhasse um mapa para os empresários, levando em consideração suas particularidades, apontando quais os caminhos e possíveis teses jurídicas para manter a perenidade da atividade empresária [2].

As práticas acima são de elisão fiscal e constituem uma ferramenta lícita capaz de proporcionar vantagens legais aos players do mercado [3].

Atualmente, o direito penal econômico é uma realidade e vem sendo frequentemente aperfeiçoado pelo Fisco federal, estadual e municipal, bem como pelo Ministério Público e pela Polícia Federal e Civil por meio da constituição de núcleos especializados de combate às práticas financeiras ilícitas.

Na abordagem criminológica moderna, o direito penal econômico é “[…] o conjunto das práticas anti-sociais das elites econômico-financeiras, mediante a utilização das empresas, lesivas do patrimônio da coletividade e do Estado” [4].

Para o conceito jurídico, o direito penal econômico protege bem jurídico supraindividual, como por exemplo: erário público, economia popular e relações de consumo, e estão espalhados em diversos tipos penais de legislações extravagantes.

No entanto, a abordagem será restrita aos crimes de sonegação fiscal praticados por particulares e previstos na Lei nº 8.137/90, bem como serão elencadas as possíveis consequências à pessoa física e jurídica, sempre utilizando o planejamento tributário como plano de fundo para evitar a responsabilização penal.

O crime de sonegação fiscal se constitui com o não pagamento devido de determinado tributo ao Fisco, com a utilização de meios fraudulentos que visam suprimir ou reduzir a obrigação [5].

O que é suprimir ou reduzir um tributo? O ato de suprimir um tributo significa que a pessoa física ou jurídica não realizam o pagamento devido, por sua vez, reduzir equivale ao pagamento parcial.

A Lei 8.137 de 1990 traz a definição dos crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. Em seu artigo 1º, incisos I a V, tem-se as condutas práticas referentes aos atos de suprimir ou de reduzir um tributo, sendo: (1) a omissão de informação ou a prestação de declaração falsa; (2) fraude com a inserção de elementos inexatos ou sua omissão; (3) falsificação ou alteração de nota fiscal; (4) elaboração, fornecimento, distribuição ou utilização de documento falso ou inexato; (5) negar ou não fornecer nos casos obrigatórios a nota fiscal ou documento equivalente [6].

Os crimes presentes no artigo 1º da Lei 8.137/90 tipificam a conduta de suprimir ou reduzir os tributos, ou as contribuições, assim como suas obrigações acessórias. A consumação da sonegação fiscal ocorre com a constituição definitiva do crédito tributário, ou seja, no lançamento da obrigação, nos termos da Súmula Vinculante nº 24 [7].

Dessa forma, não se exige uma finalidade específica na conduta do agente, bastando apenas a vontade livre e consciente de não pagar ou de pagar parcialmente o tributo.

O crime de sonegação fiscal é verificado de acordo com a competência de apuração tributária, sendo anual, mensal ou trimestral.

O ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação), ISS (Imposto Sobre Serviços), IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), PIS (Programa de Integração Social) e a COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) são de competência mensal, enquanto que o IRPJ (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica) e a CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) são de competência trimestral e o IRPF (Imposto de Renda de Pessoa Física) é de apuração anual [8].

Então, caso um empresário suprima ou reduza mais de um tributo de mesma competência e na mesma conduta, ele está praticando um crime único, pois o crime é contra a ordem tributária. Tem-se, como exemplo, a emissão de uma Nota Fiscal subfaturada com a redução de diversos tributos estaduais na mesma conduta, nesse caso, o contribuinte irá responder por um único crime de sonegação, não havendo concurso de crimes [9].

No entanto, se o contribuinte realizar fraudes específicas e diversas com o intuito de suprimir ou reduzir os tributos em contextos distintos responderá pelo concurso material de crimes.

O narrado acima enquadra-se na seguinte situação: o empresário emite uma ordem de compra de uma mercadoria internacional com o intuito de sonegar o II (Imposto de Importação). Quando a mercadoria chega ao Brasil, o empresário realiza novas fraudes para suprimir ou reduzir o IRPJ. Portanto, verifica-se a existência de várias condutas fraudulentas em contextos fáticos e tributos distintos, razão pela qual responde pelo concurso material do artigo 69 do Código Penal.

Conforme a Súmula Vinculante nº 24, não há a tipificação de crime material (não se aplica aos crimes formais previstos no artigo 2º da Lei 8.137/90) contra a ordem tributária antes do lançamento definitivo do tributo, conforme previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/90.

A súmula vinculante surgiu para consolidar a jurisprudência da corte, podendo retroagir a fatos ocorridos antes da sua edição (11-12-2009) [10]. Dessa forma, a contagem prescricional do crime de sonegação começa a ser contada na data da constituição do débito tributário [11], conforme julgamento do HC nº 81.611/DF.

A conduta prevista no artigo 2º, inciso I, da Lei 8.137/90, constitui crime de natureza formal, semelhante àquele previsto no inciso IV do artigo 1º da Lei 8.137/90, qual seja: ato de fazer uma declaração falsa ou omitir declaração ou empregar fraude para não realizar o pagamento do tributo ou pagá-lo de forma parcial. Neste caso, não exige a constituição definitiva do crédito tributário [12].

No inciso II, também do artigo 2º, da Lei 8.137/90, tem-se a situação de apropriação indébita, pois o empresário deixa de recolher no prazo legal o valor do tributo ou da contribuição social que tenha sido descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação. Como é o caso do IR (Imposto de Renda) retido na fonte do funcionário e não repassado ao Fisco.

Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal (RHC 163.334/SC, 18-12-2019), nos casos de ICMS ou IPI cobrados do consumidor final, fica a cargo do empresário realizar o recolhimento ao Fisco, caso não seja realizado o pagamento ocorre a apropriação indébita do imposto [13].

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.867.109/SC, determinou que não há exigência de um dolo específico, mas apenas genérico para configuração do crime de apropriação indébita [14]. Essa jurisprudência mudou o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça o qual deveria ser comprovado o dolo específico para configuração do crime de apropriação indébita.

A consumação da prática de apropriação indébita se dá com a contumácia do contribuinte, não se exigindo a clandestinidade, nem mesmo o elemento subjetivo especial do tipo. Portanto, basta que haja o vencimento do prazo para o reconhecimento do imposto descontado do funcionário (IR) ou cobrado do consumidor (ICMS e/ou IPI) acompanhado de uma conduta omissiva reiterada do contribuinte em não realizar o repasse para o Fisco [15].

A prática da sonegação fiscal pelo empresário é uma forma estúpida de se economizar tributos, pois é um crime e a pena de reclusão é de 2 a 5 anos e multa para os crimes do artigo 1º, inciso I a V, e de detenção de 6 meses a 2 anos e multa para as condutas previstas no artigo 2º, inciso I a V, ambos da Lei 8.137/90.

As formas de sonegação fiscal são de conhecimento da Receita Federal e com o cruzamento de dados e investigação é possível encontrar as fraudes realizadas pelos contribuintes.

Com o Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) os documentos fiscais, como Nota Fiscal, passaram a ser emitidos de forma eletrônica, garantindo o acesso da Receita Fiscal.

O Fisco realiza o cruzamento de dados por meio de algumas declarações entregues pelo empresário, sendo algumas delas: (1) DOI (Declaração sobre Operações Imobiliárias, (2) ECF (Escrituração Contábil Fiscal), (3) Dirf (Declaração do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte), (4) Decred (Declaração de Operações com Cartão de Crédito).

Com essas declarações a Receita Federal consegue verificar as informações e variações patrimoniais e financeiras, conseguindo identificar a prática da sonegação fiscal.

Desse modo, é importante que o empresário utilize o planejamento tributário para obter economia com o pagamento dos impostos de forma legal. Com uma análise do faturamento da empresa e do regime tributário, pode-se encontrar as melhores alternativas para se economizar com o pagamento dos tributos, obtendo programas de isenção e incentivos fiscais, assim como possíveis recuperação de crédito e aplicação de teses administrativas e/ou judiciais.


[1] BOGO, Luciano Alaor. Elisão tributária: licitude e abuso do direito. 349 f. Dissertação

(Mestrado em Direito) – Programa de Pós- Graduação em Direito, Universidade Federal do

Paraná, Curitiba, 2005, pág 191.

[2] GRECO, MARCO AURÉLIO. Planejamento Tributário. Ed. 4. São Paulo, Quartier Latin, 2019, pág. 84.

[3] CREPALDI, Silvio. Planejamento tributário. Pinheiros, São Paulo: Editora Saraiva, 2021, pág. 53.

[4] DOS SANTOS, Gérson Pereira. Direito penal econômico. Saraiva, 1981. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5613916/mod_resource/content/0/SANTOS%2C%20Juarez%20Cirino.%20Direito%20penal%20econ%C3%B4mico.%20Revista%20de%20Direito%20Penal%20e%20Criminologia..pdf>. Acesso em: 13.01.2024.

[5] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. Ed. 12. São Paulo: Saraiva, Educação, 2021, pág. 620.

[6] BRASIL, Lei nº 8.137/90, de 27 de dez de 1990. Lei de Crimes Contra a Ordem Tributária. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8137.htm>. Acesso em: 08.01.2024.

[7] BRASIL, STF. Súmula Vinculante nº 24. Disponível em:    <https://portal.stf.jus.br/textos/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante>. Acesso em: 08.01.2024.

[8] COSTA, Regina Helena. Código tributário nacional comentado: em sua moldura constitucional. Ed. 3. Rio de Janeiro, Forense, 2023, pág 133-201.

[9] BRASIL, STJ, REsp nº 1294687/PE, 6ª Turma. Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 15-10-2023.

[10] BRASIL, STF. HC nº 126072 AgR. 2ª Turma. Min. Rel. Dias Tóffoli, julgado em 02-02-2016.

[11] BRASIL, STF. HC nº 81.611/DF, Tribunal Pleno, julgado em 13-05-2005.

[12] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. Ed. 12. São Paulo: Saraiva, Educação, 2021, pág 614.

[13] BRASIL, STF. RHC 163.334/SC. Min. Rel. Roberto Barroso, julgado em 13-11-2020.

[14] BRASIL, STJ. AgRg no REsp nº 1867109/SC, 6º Turma. Min. Rel. Laurita Vaz, julgado em 04-09-2020.

[15] BRASIL, STF. RHC 163.334/SC. Min. Rel. Roberto Barroso, julgado em 13-11-2020.

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