Opinião

A PPP prisional: o presídio de Erechim como vanguarda de soluções

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20 de janeiro de 2024, 17h15

“Da cadeia e da miséria, parece que ninguém escapa. Se não é a miséria, é a cadeia. (…) Naqueles estabelecimentos as pessoas eram sujeitas a toda sorte de humilhações desnecessárias – correntes, cabeças raspadas, roupa vergonhosa, ou seja, eram privadas do principal motor das pessoas fracas para levar uma vida boa: a preocupação com a opinião das outras pessoas, a vergonha, a consciência da dignidade humana. (…)”

No livro Ressurreição, Tolstói construiu a frase antológica sobre o cenário prisional: miséria, barbárie e caos. O livro foi publicado em 1899, mas, ainda hoje, perpetua-se o “Estado de Coisas Inconstitucionais” — como bem pontuou o Supremo Tribunal Federal. Não é necessário conhecer o Direito para assumir que existe algo de errado na forma como administramos os nossos presídios. O problema é notório.

Mudam-se os doutrinadores, mudam-se os tempos e estamos acostumados em defender os direitos humanos e a dignidade da pessoa humana. Talvez o problema seja mais urgente do que análises infindas sobre os direitos violados. À luz de efetiva concretização dos direitos fundamentais, cansamos das descrições e buscamos prescrições. Não é por acaso que a corrente neoconstitucionalista ganhou escopo, forma e vigor.

Foi nesse sentido que uma possível solução adveio com o surgimento, em 2023, do presídio de Erechim. As parcerias público-privadas são equivocadamente — apesar da notória adesão do instituto— interpretadas pela população leiga.  As parcerias público-privadas não são privatizações e possuem duas modalidades: patrocinada e administrativa, ambas definidas na Lei nº 11.079/04.

A modalidade patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas eu envolve, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. Já a concessão administrativa, de acordo com a lei,  é o contrato de prestação de serviços de que a administração pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.

A conceituação é importante porque serve para remediar a confusão do público leigo na questão. Quando tratamos do sistema prisional — ponto delicado de efetivação e privação de direitos fundamentais— a explicação é essencial. Assim com a distinção. Não trata-se aqui da interferência do agente privado no “poder de polícia” do agente público [1]. Os responsáveis enfatizam: a atividade específica seguirá a cargo de policiais penais.

O caso do presídio Erechim é, antes de tudo, uma promessa de gestão e de análise de eficiência. A sociedade não ganha com a precariedade, assim como os presos não ganham com a violação de direitos.

É no sentido de “gestão” que o presídio de Erechim, na mesma medida, distancia-se  do complexo prisional de Minas Gerais. O Rio Grande do Sul pode fornecer um leading case de como lidar com diferentes agentes — com intenções diferentes dentro da parceria — diante de uma PPP prisional.

Cumpre destacar: um contrato de parceria é um contrato de partilha de riscos. A  partir do momento em que o Estado — sobrecarregado pela atividade fiscalizatória, pela função de de execução de sentença, julgamento, policiamento e controle de atividade policial — ainda é incumbido de gerir, o risco é patente.

Calha que o ônus de uma gestão deficitária reparta-se perante à sociedade. Não somente os risco orçamentário, mas, na mesma medida, os risco de não obtermos o que almejamos na integração de uma pena a um indivíduo. Damásio de Jesus empregou no seu conceito de pena — na medida de ser uma ação aflitiva de um Estado ao autor de uma infração penal — o intuito de evitar novos delitos.

Não evitamos novos delitos utilizando os mesmo métodos. É preciso delegar. O caso de Erechim, nesse sentido, é uma incorporação da  “delegação” ao sistema prisional. O intelectual potiguar Câmara Cascudo (1898-1986) definiu delegação como a “transferência funcional da potência política pessoal sem diminuição de sua essência simbólica”, assim como atribui a delegação como “o ponto mais alto da inteligência realizadora”.

Talvez seja o momento de compreender o caso Erechim como um exemplo de delegação. Partilham-se os benefícios, da mesma maneira que se espera a verdadeira concretização de pretensões outrora já destacadas. São tempos de “ressurreições” concretas, não ficcionais.

 


[1] https://www.estado.rs.gov.br/definida-empresa-que-sera-responsavel-por-ppp-de-presidio-em-erechim

 

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