Opinião

Exigência de regularidade é ilegal para aproveitamento de crédito fiscal

Autores

  • João Luiz Vidal Jr.

    é bacharel em direito e jornalismo pós-graduado em direito tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e advogado associado no escritório Baruel Barreto Advogados.

  • Pedro Halembeck de Arruda

    é bacharel em direito pela USP pós-graduado em direito tributário brasileiro pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) ) e advogado associado no escritório Baruel Barreto Advogados.

10 de janeiro de 2024, 7h03

Em 2 de janeiro de 2024, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa (IN) nº 2.170/23, regulamentando a habilitação das pessoas jurídicas interessadas no aproveitamento de crédito fiscal decorrente de subvenção de investimentos, previsto pela Lei nº 14.789/23 em substituição ao antigo regime.

Dentre os aspectos regulamentados pela IN RFB nº 2.170/23, chama atenção que o deferimento da habilitação foi condicionado à regularidade fiscal de tributos federais, exigência que não aparece na Lei nº 14.789/23. Seu suporte legal seria o artigo 60 da Lei nº 9.069/95, que genericamente condiciona a concessão ou reconhecimento de incentivo ou benefício fiscal, relativos a tributos federais, à comprovação pelo contribuinte de sua regularidade fiscal perante a União.

Contudo, como a Lei nº 14.789/23 nada prevê acerca da regularidade fiscal do contribuinte para aproveitamento do crédito, aparenta haver antinomia com a regra geral da Lei nº 9.069/95, solucionada pelo artigo 2º, § 2º, da Lindb com a prevalência da norma específica (Lexis specialis derogat gerali).

Especialmente ao se considerar que a Lei nº 9.069/95, fruto da conversão da MP nº 1.097/95, tinha como objeto o sistema monetário, sendo norma essencialmente de direito financeiro. Já a Lei nº 14.789/23, conversão da MP nº 1.185/23, dispõe sobre habilitação de crédito fiscal decorrente das subvenções de investimento, ou seja, é norma eminentemente tributária.

Não bastasse, as Leis nº 12.973/14, 10.637/02 e 10.833/03, que excluíam as subvenções de investimento das bases de cálculo do IRPJ/CSLL e do PIS/Cofins, também não previam a necessidade de o beneficiário possuir situação fiscal regular.

Nem deveriam prever, pois o benefício fiscal relacionado à subvenção de investimento tem nítido caráter extrafiscal, visando que as pessoas jurídicas implantem, ampliem, modernizem ou diversifiquem seu empreendimento econômico no território do ente federativo que concedeu a subvenção.

Nessa linha, a exclusão da subvenção das bases dos tributos acima, como ocorria anteriormente, ou a permissão de creditamento, como passou a prever a Lei nº 14.789/23, visa a atrair novos negócios ou ampliá-los. Logo, dificultar o acesso do contribuinte a tal incentivo parece destoar da mens legis.

Além disso, sem textual previsão legal, a IN RFB nº 2.170/23 não poderia extrapolar sua função regulamentadora para criar exigência não prevista na norma instituidora do benefício fiscal.

Como bem alerta a ministra Regina Helena Costa do Superior Tribunal de Justiça, existe “a prática, infelizmente reiterada, de, por meio de tais atos, expedirem-se normas que, a pretexto de propiciarem a adequada execução da lei tributária, geram deveres ou impõem restrições a direitos nela não previstos, pelo que acabam por vulnerá-la, diante de sua manifesta incompatibilidade” [1] .

O professor Luís Eduardo Schoueri bem esclarece que o poder regulamentador conferido aos atos da administração pública, pela lei, não é carta branca, pois “[…] deve o ato da Administração observar os contornos legais, permanecendo o poder regulamentar dentro das raias que lhe foram postas pela Constituição Federal”. [2]

Embora o assunto seja controvertido na jurisprudência, existem precedentes recentes dos Tribunais Regionais Federais da 1ª, 3ª e 5ª Região afastando a necessidade de comprovação de regularidade fiscal pelo contribuinte beneficiário de incentivo fiscal, quando exigida apenas por ato infralegal.

O Decreto nº 5.906/06 exigia certidão de regularidade fiscal para que empresas produtoras de bens e serviços de informática pudessem usufruir do benefício fiscal previsto nas Leis nº 8.248/91 e 10.637/02. Ao analisar sua legalidade, o TRF-3 consignou que “o decreto regulamentador extrapolou os limites legais ao prever restrição não disposta na lei instituidora, em flagrante violação ao princípio da legalidade. Referido princípio está previsto no artigo 37 da Constituição” [3].

Em linha similar, o TRF 5 também concluiu que […] a Administração, sob pretexto de regulamentar, extrapolar os limites legais, uma vez que a Lei nº 8.989/1995, que autoriza isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI na aquisição de veículo por pessoa com deficiência, portanto, específica para o caso, não exige a certidão de regularidade fiscal para concessão do benefício” [4].

Por sua vez, o TRF 1 também afastou a necessidade de apresentação de certidão de regularidade fiscal para fruição dessa isenção de IPI, pois, “atos normativos de natureza administrativa que visam regulamentar normas gerais e abstratas têm como função a complementação da disciplina contida em lei strictu sensu, sendo vedado extrapolar os limites da legislação em sede de decreto regulamentar, sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal” [5].

Portanto, eventuais negativas de habilitação dos interessados ao aproveitamento de créditos previsto pela Lei nº 14.789/23, com fundamento na exigência de regularidade fiscal trazida pela IN RFB nº 2.170/23, podem ser questionadas judicialmente, buscando-se o reconhecimento de extrapolação do caráter regulamentar.

 


[1] COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário – Constituição e Código Tributário Nacional – 9. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

[2] SCHOUERI, L. E. A legalidade e o poder regulamentar do Estado: atos da administração como condição para aplicação da lei tributária. In Estudos de Direito Tributário em homenagem ao Professor Roque Antonio Carrazza. 1 ed. São Paulo: Malheiros, 2014, v. 1, p. 191-218.

[3] TRF-3, 4ª Turma, ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL – 0017379-25.2015.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal ANDRE NABARRETE NETO, julgado em 18/11/2022, Intimação via sistema DATA: 22/11/2022

[4]TRF-5 – Ap: 08063282820214058300, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO, Data de Julgamento: 25/01/2022, 4ª TURMA.

[5] TRF-1 – AC: 10056215920204013600, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL HERCULES FAJOSES, Data de Julgamento: 09/11/2021, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: REPDJ 11/11/2021 PAG REPDJ 11/11/2021 PAG.

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