Opinião

COP-28: balanços, reflexões e perspectivas

Autores

  • Talden Farias

    é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

  • Marcelo Bedoni

    é advogado e assessor jurídico especializado da PGE-RR mestre em Ciências Jurídicas pela UFPB bacharel em Direito pela UFRR e membro da Laclima.

4 de janeiro de 2024, 13h21

O Acordo de Paris, aprovado em 2015, na COP-21, é um tratado que desenha obrigações de ordem coletiva, isto é, todos os países coletivamente devem manter o aumento da temperatura global inferior a 2º C e buscar esforços para limitar o aumento em 1,5º C, além de aumentar a capacidade de adaptação e conduzir os fluxos financeiros rumo a um desenvolvimento de baixa emissão de gases de efeito estufa e resiliente às mudanças climáticas, sendo esses os objetivos do tratado [1].

A arquitetura de objetivos coletivos do Acordo de Paris é tratada pela literatura jurídica especializada como uma forma única e inovadora no direito internacional [2]. Alguns exemplos podem esclarecer essa natureza coletiva, como o dever que todas as Partes possuem de apresentar, atualizar e aumentar a ambição das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC [3], na sigla em inglês) (artigo 3º); ou ainda o dever de aumentar o apoio prestado aos países em desenvolvimento, afim de permitir maior ambição de suas metas (artigo 4º, item 5) [4].

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva

Para manter essa estrutura, um dos mecanismos previstos no Acordo de Paris é o Global Stocktake (Avaliação Global), considerado, assim como as obrigações coletivas, uma inovação [5]. O desafio desse mecanismo não é nada singelo, sua missão é simplesmente de monitorar o progresso de quase todos os países do mundo face a um objetivo global determinado. Pela primeira vez, na COP-28, esse instrumento foi aplicado, como estabelecido no artigo 14, item 2, do tratado, que previu a primeira avaliação para 2023, e posteriormente uma a cada cinco anos [6].

Assim, a COP-28 já iniciou com o desafio significativo de avaliar as ações tomadas pelos países na política climática internacional e nacional, e de propor novos direcionados por meio da Avaliação Global. Para Dubai, também restou a apresentação da estrutura do Fundo de Perdas e Danos, criado na COP-27, no Egito. Além disso, a COP-28 resultou em decisões relevantes e até inéditas a respeito dos combustíveis fósseis. O presente texto se concentrará nessas três importantes discussões.

Primeira avaliação global
Com relação à meta de mitigação, há um reconhecimento da ocorrência de “importantes avanços coletivos” com o Acordo de Paris, pois permitiu superar a previsão de aumento de 4 ºC na temperatura global, antes da aprovação do tratado, para um aumento entre 2,1º C e 2,8º C com a plena implementação das mais recentes NDC’s apresentadas pelos países. Em contrapartida, as metas gerais do próprio tratado ainda estão distantes, com o reconhecimento de uma “considerável preocupação” com os níveis de emissões atuais e com o decorrer do tempo, que torna a meta cada vez mais difícil de cumprimento [7].

Para a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, isto é, a de manter o aumento da temperatura global em 1,5º C, a Avaliação Global lista uma série de esforços globais que deverão ser tomados, como triplicar a capacidade de energias renováveis e duplicar a taxa média anual de melhoria da eficiência energética até 2030; acelerar os esforços globais para implementar sistemas de fontes de energia com emissões líquidas zero até meados do século ou antes disso; realizar a transição dos combustíveis fósseis de forma justa, ordenada e equitativa; acelerar a implantação de tecnologias com zero ou baixas emissões, como energia renovável, energia nuclear, captura e remoção de carbono; acelerar e aumentar substancialmente a redução das emissões de gases de efeito estufa além do dióxido de carbono, em especial o metano até 2030; acelerar a redução das emissões do transporte rodoviário; e eliminar progressivamente, o mais rapidamente possível, subsídios ineficientes para combustíveis fósseis que não estão dirigidos para reduzir a pobreza energética ou favorecer a transição justa [8].

Para a adaptação climática, a Avaliação Global aponta para a necessidade de “medidas urgentes, graduais e transformadoras” e indica uma série de medidas que deverão ser tomadas até 2030, como reduzir significativamente a escassez de água, melhorar a resiliência climática contra os perigos relacionados a água e garantir o acesso a água potável segura e acessível para todos; alcançar a resiliência climática da produção alimentar e agrícola; alcançar a resiliência climática contra as consequências das mudanças climáticas para a saúde; reduzir os efeitos do clima nos ecossistemas e acelerar as soluções baseadas na natureza; aumentar a resiliência das infraestruturas e dos assentamentos humanos; reduzir substancialmente os efeitos adversos sobre a erradicação da pobreza e dos meios de subsistência; e proteger o patrimônio cultural [9].

A Avaliação Global aborda também temas além da mitigação e da adaptação, como financiamento, transferência de tecnologia e perdas e danos [10]. É um balanço amplo e completo da política climática desde a COP-21. E não deve ser interpretado apenas como mero enunciado de intenções, haja vista que o Artigo 14, item 3, do Acordo de Paris estabelece que o “[…] resultado da avaliação global subsidiará as Partes para que atualizem e fortaleçam, de maneira nacionalmente determinada […]” [11], ou seja, cada país deve guiar as suas políticas e ações pelo resultado dessa avaliação.

Fundo de Perdas e Danos
O primeiro dia da COP-28 foi marcado pelo entusiasmo, por causa da operacionalização do Fundo de Perdas e Danos, que até o último da conferência, atingiu as cifras de 729 milhões de dólares [12]. A ideia de um fundo específico para perdas e danos não é uma novidade, propostas existem desde 1991, mas só em 2022, na COP-27, os países concordaram com a criação do fundo no âmbito do Acordo de Paris [13], sendo de fato aprovado em Dubai.

O Fundo recém-criado tem o objetivo de “[…] ajudar os países em desenvolvimento que são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos das mudanças climáticas em termos de perdas e danos econômicos e não-econômicos, incluindo eventos climáticos extremos e eventos de início lento” [14]. Por perdas e danos, é importante destacar que um dos conceitos possíveis diz respeito ao resultado de “mitigação insuficiente” e de “adaptação climática”, ou seja, são medidas residuais à mitigação e à adaptação [15].

Trata-se de um mecanismo criado para os países mais ricos ajudarem os mais pobres por meio de doações não reembolsáveis e tecnicamente justificadas. A justificativa é que o sistema climático é global, de forma que a solidariedade planetária se faz necessária, bem como o fato de as nações mais desenvolvidas terem contribuído muito mais para o problema [16].

Vale destacar que o Fundo de Perdas e Danos fornecerá financiamento para enfrentar uma variedade de perdas e danos, tais como emergências, subida do nível do mar, deslocamento, migração, informações e dados insuficientes e infraestrutura necessária para a reconstrução e recuperação resilientes às mudanças climáticas [17]. Nos dias de hoje, em que os noticiários revelam desastres ao redor do mundo, e cada vez mais sérios, não restam dúvidas da importância da operacionalização do fundo.

Combustíveis fósseis
A COP-28 construiu, por meio do Consenso dos Emirados Árabes Unidos (The UAE Consensus), uma abordagem sem precedentes referente à transição de todos os combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de uma forma justa, ordenada e equitativa nesta década crítica para permitir que o mundo alcance emissões líquidas zero até 2050 [18]. Como resumiu a Ministra Marina Silva, do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, após “[…] 31 de anos de debate, e pela primeira vez, temos um resultado que leva em consideração uma trajetória de transição para longe desses combustíveis fósseis” [19].

Com a inclusão dos combustíveis fósseis na rota de transição energética, não restam dúvidas da relevância da construção desse consenso. É claro que ainda persistem muitas dúvidas de como ocorrerá essa transição, o que só aumenta a importância de negociações posteriores e da cooperação internacional. É digno de nota a observação da Ministra Marina Silva, ao destacar que “[…] os países desenvolvidos deveriam assumir essa liderança” [20].

Considerações finais
Entre os dias 30 de novembro a 13 de dezembro de 2023, foram discutidos e apreciados inúmeros temas pertinentes para o enfrentamento da crise climática na COP-28, em Dubai. Embora a conferência não tenha se resumido a Avaliação Global, a institucionalização do Fundo de Perdas e Danos e a transição dos combustíveis fósseis, esses três temas são de extrema relevância para a necessária cooperação internacional, para o cumprimento da neutralidade climática e para avaliar o andamento das ações tomadas pelos países.

Em Dubai, cumpriu-se mais uma etapa para a plena concretização de um direito climático, que pode ser conceituado como o “[…] ramo jurídico que visa alcançar a neutralidade climática, a partir de políticas que deverão ser adotadas urgentemente no nível nacional de mitigação de gases de efeito estufa e de remoção de emissões residuais, e de acordo com a obrigação coletiva de contenção da temperatura do sistema terrestre entre 1,5º C e abaixo de 2º C” [21].

O grande desafio da nossa geração é viabilizar a tomada de decisões em um período de emergência climática, ou seja, em “uma situação em que é necessária uma ação imediata para reduzir ou deter a mudança do clima e evitar danos graves e permanentes ao meio ambiente” [22]. Há uma notória contribuição para esse esforço com a Avaliação Global, o Fundo de Perdas e Danos e o indicativo de um futuro sem combustíveis fósseis. Resta agora acompanhar os próximos passos que serão dados nas negociações internacionais, inclusive daqui a dois anos, na COP-30, que acontecerá aqui no Brasil, em Belém, no Pará [23].

 


[1] BRASIL. Decreto 9.073, de 5 de junho de 2017. Promulga o Acordo de Paris […]. Brasília: Presidência da República, 2017. Artigo 2º.

[2] ZAHAR, A. Collective obligation and individual ambition in the Paris Agreement. Transnational Environmental Law, v. 9, n. 1, p. 165-188, 2020.

[3] A Contribuição Nacionalmente Determinada (Nationally Determined Contributions – NDC) é o instrumento central do Acordo de Paris, sendo uma declaração unilateral que acaba constituindo uma obrigação de conduta metas individualizadas de cada país. As NDCs devem passar por atualizações pelo menos a cada cinco anos, a fim de aumentar a sua ambição, podendo gerar obrigações jurídicas para os países.

[4] BRASIL, 2017.

[5] PEETERS, M. The global stocktake. In: CALSTER, G. V.; REINS, L. (Ed.). The Paris Agreement on Climate Change: a commentary. Cheltenham: Edward Elgar Publishin, 2021.

[6] BRASIL. Decreto n. 9.073, de 5 de junho de 2017. Promulga o Acordo de Paris […]. Brasília: Presidência da República, 2017.

[7] UNFCCC. First Global Stocktake. United Nations, 2023.

[8] UNFCCC. First Global Stocktake. United Nations, 2023.

[9] UNFCCC. First Global Stocktake. United Nations, 2023.

[10] UNFCCC. First Global Stocktake. United Nations, 2023.

[11] BRASIL. Decreto n. 9.073, de 5 de junho de 2017. Promulga o Acordo de Paris […]. Brasília: Presidência da República, 2017.

[12] UNFCCC. COP-28 The UAE Consensus. United Nations, 2023.

[13] BEDONI, M.; SILVA, J. I. A. O.; FARIAS, T. A COP-27 e os “nem tão novos ventos” para o direito das mudanças climáticas. Conjur, 25 nov. 2023.

[14] UNFCCC. Operationalization of the funding arrangements for responding to loss and damage referred to in paragraph 2, including the fund established in paragraph 3, of decisions 2/CP.27 and 2/CMA.4. United Nations, 2023, p. 6.

[15] BROBERG, M.; ROMERA, B. M. Loss and damage after Paris: more bark than bite? Climate Policy, v. 20, n. 6, p. 661-668, 2020.

[16] Importante destacar o anúncio, feito pela Noruega, da destinação de R$ 245 milhões ao Fundo Amazônia, fato que demonstra o retorno do reconhecimento da política ambiental e climática brasileira junto à comunidade internacional. O intuito desse fundo é financiar, também por meio de doações não reembolsáveis, ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal, nos termos do Decreto 6.527/2008.

[17] UNFCCC. Operationalization of the funding arrangements for responding to loss and damage referred to in paragraph 2, including the fund established in paragraph 3, of decisions 2/CP.27 and 2/CMA.4. United Nations, 2023.

[18] UNFCCC. COP-28 The UAE Consensus. United Nations, 2023.

[19] UNFCCC. COP-28 The UAE Consensus. United Nations, 2023.

[20] UNFCCC. COP-28 The UAE Consensus. United Nations, 2023.

[21] BEDONI, M. Direito ambiental e direito climático: intersecções entre meio ambiente e sistema climático no ordenamento jurídico brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023, p. 165-166.

[22] OXFORD UNIVERSITY. Oxford Learner’s Dictionaries: Climate emergency. United Kingdom: Oxford University Press, 2023.

[23] Por unanimidade, a COP-28 aprovou a candidatura do Brasil para sediar a COP-30, que acontecerá em 2025 em Belém, no Pará. Já como sede da COP-29 foi escolhida Baku, capital do Azerbaijão, que, assim como os Emirados Árabes Unidos, são também um país grande produtor de petróleo.

Autores

  • é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE, pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

  • é mestrando em Ciências Jurídicas pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba), bacharel em Direito pela UFRR (Universidade Federal de Roraima) e membro da Laclima e do FFF/PB. Advogado.

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