Opinião

Definição de genocídio segundo a Convenção da ONU em 1948

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29 de fevereiro de 2024, 6h02

Segundo Hungria, genocídio (do latim genus, raça, povo, nação, e excidium, destruição, ruína) “é o nome com que, por sugestão do internacionalista Lemkin, se convencionou designar a mais chocante feição que já assumiu a infinita maldade do homem contra o homem: o calculado e continuado extermínio em massa de seres humanos, por motivo de sua nacionalidade, raça, religião ou credo político”. [1]

Embora historicamente seja controversa a origem do crime de genocídio [2], apenas em 1948, depois da Segunda Guerra Mundial e após o Holocausto, durante o qual a Alemanha nazista matou sistematicamente mais de 6 milhões de judeus, é que  a Assembleia Geral da ONU através da Convenção sobre Prevenção e Punição do Crime de Genocídio tratou de definir o crime.

De acordo com o artigo II da Convenção, genocídio significa qualquer um dos atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso:

a) matar membros do grupo;
b) causar sérios danos físicos ou mentais a membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de vida destinadas a causar a sua destruição física, no todo ou em parte;
d) imposição de medidas destinadas a impedir o nascimento de crianças dentro do grupo;
e) transferência forçada de crianças dentro do grupo para outro grupo.

O Brasil ratificou a convenção em 15 de abril de 1952, tendo ela sido promulgada através do Decreto nº 30.822, de 6/5/1952. Posteriormente foi promulgada em 1/10/1956, a Lei nº 2.889, definindo e punindo o crime de genocídio.

No que se refere ao bem jurídico tutelado, embora não seja pacifico na doutrina, alguns consideram crime contra humanidade, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu no sentido da “Tutela penal da existência do grupo racial, étnico, nacional ou religioso, a que pertence pessoa ou pessoas imediatamente lesionadas. Delito de caráter coletivo ou transindividual. Crime contra a diversidade humana como tal” (RE 351487, Relator: Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 03/8/2006).

Genocídio contra os tutsis em Ruanda, na década de 1990

A descrição do tipo subjetivo (mens rea) do genocídio encontra-se no caput do dispositivo quando se fala em: “intente to destroy, in whole or in part, a national, ethnical, racial or religious group as such”.

Fragoso afirma que: “o crime exige sempre o dolo”. “Não há genocídio culposo. Requer, não só a vontade conscientemente dirigida no sentido de matar, como também, e particularmente, o propósito de aniquilamento, no todo ou em parte, do grupo como tal. O que caracteriza o genocídio é exatamente esse aspecto subjetivo da ilicitude (dolo específico).” [3]

Israel x Hamas
No que diz respeito a atual guerra que ocorre na Faixa de Gaza, de Israel contra o Hamas deflagrada após o ataque terrorista de 7 de outubro de 2023 em Israel que culminaram com 1.200 mortos e o sequestro de 250 pessoas e atualmente com mais de 25 mil mortos em Gaza (segundo dados do Ministério da Saúde de Gaza), levou a África do Sul a acionar a Corte Internacional de Justiça (CIJ), sediada em Haia, contra Israel pelo crime de genocídio.

Na petição de 84 páginas o país africano afirma que “os atos e omissões de Israel […] têm caráter genocida, pois foram cometidos com a intenção específica […] de destruir os palestinos em Gaza”. A iniciativa da África do Sul recebeu apoio do Brasil.

Diferentemente do Tribunal Penal Internacional (TPI) a quem compete julgar pessoas físicas que agiram ou não em nome do Estado, a CIJ, fundada em 1945, composta por 15 juízes, cada um de um país, tem competência para julgar estados.

Não resta dúvida que ocorreu no dia 7 de outubro de 2023 foi abominável, sendo considerado o maior ataque terrorista contra Israel e o povo judeu desde o incomparável Holocausto perpetrado pelo nazismo.

Por outro lado, há que se criticar veementemente as ações comandadas pelo primeiro ministro de Israel de extrema direita Benjamin Netanyahu que já ultrapassou os limites de uma reação proporcional e que tem causado incomensurável sofrimento ao povo palestino.

Não se trata evidentemente de comparar as dores de um lado com a de outro, como dizia Shakespeare, todo mundo é capaz de dominar a dor, exceto quem a sente, trata-se de reconhecer que na guerra não há vencedores e as maiores vítimas são os civis inocentes de ambos os lados.

Por fim, no que pese as inúmeras opiniões em contrário, por tudo que foi dito acima, notadamente em relação ao elemento subjetivo do crime de genocídio, entende-se, por mais terrível o que esteja acontecendo em Gaza, que não há a intenção (mens rea) — dolo direto e específico — por parte de Israel visando o aniquilamento ou extermínio do povo palestino.

Ressalta-se, ainda, que Israel não foi condenado pelo crime de genocídio uma vez que processo em tramitação na CIJ está em curso e não houve sentença.

Sendo certo que termos como o holocausto, escravidão, fascismo, genocídio não devem ser banalizados em nome de um discurso emocional e, muitas vezes, populista.

 

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[1] HUNGRIA, Nelson. Comentários ao código penal. Volume VI, 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 363.

[2] HUNGRIA cita como exemplos “o massacre de São Bartolomeu, na França, a dizimação dos Aztecas e Incas pelas hordas de Cortez e de Pizarro, a matança de Peles Vermelhas pelos pioneiros americanos e carnificina de anabalistas…” (ob. cit., p. 363). Para FRAGOSO, “o crime de genocídio surgiu com as atrocidades inomináveis praticadas pelos nazistas, durante a Segunda Guerra, particularmente contra os judeus, submetido a sistemático extermínio”.

[3] Publicado originalmente na Revista de Direito Penal. N.9/10. P.27 et. seq., jan/jun 1973. www.fragoso.com.br/eng/arq_pdf/heleno_artigos/arquivo59.pdf

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